Tony Neves, em Maputo
Moçambique gravou em mim, mais uma vez, sorrisos sem conta. Percorri uma parte do país, começando e acabando em Maputo e passando por Nampula e Nacala. Foi uma viagem cheia de encontros. As pessoas com quem estive acolheram-me de braços abertos e sorrisos rasgados. O ‘tá-tá’ das crianças do interior de Nacala ainda ecoa nos meus ouvidos como saudação feliz. Fico sempre marcado pela fé e coragem deste povo. As celebrações enchem-me a alma, de tão participadas, tão bem celebradas, sempre com cantos vivos e danças a marcar o ritmo de cada momento. É este o Moçambique que me fascina e que abre portas a um futuro melhor.
Mas (e é pena haver sempre ‘mas’…) também encontrei sinais menos, desde o desenvolvimento que não acontece nos interiores abandonados do país, vitimando quantos são obrigados a sobreviver em periferias sem condições de vida digna. Também continuam a repetir-se estórias de corrupção que desgraçam este povo. A educação, fora das grandes cidades, está mal e a saúde pior. Para agravar, as medidas de defesa contra a covid 19 prejudicaram boa parte do povo e os ciclones vêm visitar esta terra com mais frequência e intensidade, levando tudo na frente. Tal aconteceu com o Idaí (mais no corredor da Beira) e Keneth (mais em Cabo Delgado) em 2019 e, em Março passado, o Gombe que fez muitos estragos no corredor Nampula-Nacala. Pude ver, ao longo das estradas e nas aldeias, sinais claros desta passagem violenta do ciclone que destruiu casas, levou telhados pelo ar, arrancou árvores, arrasou colheitas e, sobretudo, semeou o pânico entre a população.
A situação no norte do país, sobretudo na Província de Cabo Delgado, é cada vez mais preocupante. Bandos armados, ligados a grupos fundamentalistas islâmicos, continuam a recrutar na região e intensificam ataques, cujo objectivo é muito pouco claro. O povo levanta hipóteses variadas, mas a única coisa que se sabe é que as populações são obrigadas a fugir, abandonando as terras que as viram nascer e as ‘machambas’ (campos) onde cultivavam o pão de cada dia. Esse é o sinal mais visível de uma tragédia humanitária sem fim à vista, em recrudescimento, sem que as autoridades locais se sintam com capacidade de controlar os bandos armados e pôr fim a esta situação insustentável. D. Inácio Sauré, Arcebispo de Nampula, partilhava-me a sua preocupação com a vaga de deslocados que chegaram a esta cidade, obrigando a diocese a criar centros de acolhimento que necessitam de muito apoio humanitário. Também D. Alberto Vera, Bispo de Nacala, partilhou a mesma preocupação, até porque são numerosos os grupos de pessoas que chegam a esta cidade portuária e a missões e paróquias do interior da diocese. Ambos salientaram a hospitalidade das populações locais, uma vez que a maioria das pessoas deslocadas acabam por ser acolhidas por famílias e amigos. Os centros de acolhimento a deslocados ainda recebem uns milhares, mas a percentagem é mínima. Isto diz bem da alma deste povo.
A Igreja é uma instituição de referência e intervém com lucidez, coragem e impacto sempre que é preciso. Visitei diversas paróquias e missões no norte e fiquei impressionado com o que o vi e ouvi. Há várias Escolas Profissionais (Carapira, Netia…) para abrir perspetivas de futuro às novas gerações. Há muitas Escolas, para todas as idades, apoiando o ministério da Educação na formação académica. Há Lares que acolhem meninas e rapazes que, vindos das aldeias do interior, ganham a possibilidade de estudar nas escolas oficiais das vilas. Há uma mobilização forte do pessoal missionário e comunidades cristãs para intervir de urgência, seja quando passam os ciclones, seja em situações mais pontuais como é o caso dos ataques em Cabo Delgado e da pandemia da covid 19.
Saio de Moçambique com este sabor agridoce. Sinto que o país está a desenvolver, que há esperança na linha do horizonte, mas ainda há muito por fazer. É este o desafio e senti que há vontade de melhorar. Todos os sorrisos que partilhei são o símbolo mais evidente de que o futuro depende das pessoas.