Lógica do amor de Deus é desconcertante para a nossa cultura do imediato

Homilia de D. António Carrilho na Celebração do Natal

Uma grande Luz desceu sobre a Terra!

É com imenso júbilo, que presido à celebração do Natal de Jesus, na nossa Catedral, transformada numa nova gruta de Belém, e partilho convosco esta grande alegria, Boa Nova descida do céu: Hoje nasceu o nosso Salvador! Alegrem-se os céus e a terra!

Com a chegada histórica do Messias, o mundo é habitado pela Eternidade de Deus e transformado em espaço teológico, em epifania da Sua Glória e do Seu Amor. A humanidade é surpreendida e atravessada por uma Luz nova, de transcendente beleza e esplendor, como nos relata Isaías, o grande profeta messiânico: “O povo que andava nas trevas viu uma grande Luz; para os que habitavam na terra da escuridão uma Luz começou a brilhar” (Is 9,2). Com a chegada do Salvador, realiza-se a plenitude dos tempos e a graça da salvação é oferecida a todos os povos, como nos refere S. Paulo na carta a Tito (cf. 2,11). Jesus continua a nascer, todos os dias, no “hoje” da nossa história concreta. “Hoje nasceu o nosso Salvador”!

 

O Menino de Belém, esplendor da glória do Pai

O evangelista da Infância de Jesus, S. Lucas, faz-nos um relato muito belo, em registo de profunda intimidade, simplicidade e alegria, sobre o nascimento de Jesus. E, porque o divino se insere no humano, Deus quis nascer no contexto histórico de um recenseamento do Imperador romano, César Augusto.

A divindade e geração eterna do Verbo de Deus contrastam com o Seu nascimento histórico, num ambiente de pobreza e humildade, despojado de todo o conforto, como o de uma gruta de animais. No entanto, o pequenino Jesus é o esplendor da glória do Pai, “cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). É em Belém de Judá, a cidade de David, que, em hebraico, significa “casa do pão”, que teve início o mistério da Redenção. Mas é o homem vivo, com as suas dúvidas, pecados, esperanças e sofrimentos, o caminho que Deus escolhe para se manifestar. “O Verbo fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).

A lógica do amor de Deus é desconcertante para a nossa cultura do imediato, das pressas e dos ruídos, que muitas vezes nos enchem de angústia e vazio existencial. Neste santo tempo de Natal, somos convidados a entrar na gruta e a mergulhar no silêncio, para contemplar, com os olhos de Maria, o admirável Amor do Pai, manifestado no mistério de Belém. Silêncio fecundo, nascido do olhar contemplativo da jovem Mãe. Jesus chegou, no silêncio da noite, como orvalho manso sobre a relva. É o “Príncipe da Paz”, mas é também o infinitamente pequeno. Maria e José, cheios de assombro pela grandeza do inefável mistério, adoram silenciosamente o Menino envolto em panos, deitado sobre uma manjedoura. A Palavra da Vida revela-se na fragilidade do Rosto de um Menino, que nasce na simplicidade de uma família humilde.

 

O Evangelho da Ternura e da Alegria

O Rei-Messias chega revestido dos sinais da pobreza e da humildade. Ele é simplesmente um Menino, “o Deus connosco” que faz a sua tenda entre nós. Na Encarnação do Verbo, Deus uniu toda a humanidade e convida-nos a viver a plenitude da Vida. “Reconhece, ó homem, a tua dignidade”, diz-nos S. Leão Magno.

Mas o Evangelho da Ternura e da Alegria não pode ficar confinado ao espaço da gruta de Belém. O Anjo do Senhor apressou-se a envolver na Luz do Natal e a comunicar a feliz notícia aos pastores. O sinal de identificação é a Pobreza: “encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12). Diz-nos, ainda o evangelista, que insiste no messianismo de Jesus, que o céu e a terra abraçaram-se numa polifonia de cantos angélicos: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”(Lc 2,14).

 

Irradiar a Luz do Natal

Com a força da Graça e da Luz, que nos advêm do Natal, todos somos convidados a viver o novo dinamismo da fé e as suas consequências: anunciar o Menino do Presépio com o testemunho de vida, na verdade, na justiça, na alegria, no amor e na paz.

Urge irradiar a Luz do Natal, em gestos concretos de comunhão fraterna e solidariedade, na família, no trabalho, privilegiando os mais carenciados: os pobres, marginalizados, enfim os que vivem o deserto do amor, a solidão, em especial os doentes, as crianças e os idosos abandonados. Que os “cabazes de Natal”, tão generosamente distribuídos, nesta época natalícia, pelos mais carenciados, sejam a expressão visível do infinito Amor do nosso Deus, revelado no mistério do Natal. De facto, o Natal é a Festa da Vida transformada em Vida!

 

A secular “Festa” madeirense

O Natal de Jesus, “a festa”, como tradicionalmente se diz na nossa terra, é vivida com grande e particular intensidade e alegria, na Madeira e no Porto Santo. Para esta convergem os preparativos, sem esquecer a secular tradição da “lapinha” e  dos presépios, os ornamentos próprios desta época natalícia e a iluminação artística das nossas casas e ruas. A nossa Ilha transforma-se num gigantesco e belo presépio, todo iluminado. Mas não podemos ficar apenas nas celebrações exteriores. O verdadeiro Natal, o nascimento do Menino de Belém, acontece no nosso íntimo e exterioriza-se na festa, no acolhimento, na fraternidade. É o tempo da partilha fraterna, da amizade, da alegria, porque Deus Menino encarnou verdadeiramente na nossa vida.

 

Belém, lição de Amor e Humildade

Belém é uma admirável lição de Amor e Humildade. Junto do Presépio aprendemos com Maria a contemplar o inefável mistério do Amor do Pai e, à semelhança dos pastores, a anunciar com entusiasmo e alegria, a Boa Notícia, o nascimento de Jesus Menino, aos amigos e vizinhos.

Neste Santo Dia de Natal, confio à Sagrada Família de Nazaré, Jesus Maria e José, os graves problemas e sofrimentos das nossas famílias, feridas pelo desamor, hedonismo, separação e divórcio. Nela, todos os casais jovens, menos jovens e os noivos que se preparam para o casamento, encontram o modelo do amor e da ternura. Que os filhos aprendam ao colo dos pais a viver a comunhão da caridade, o amor a Deus e aos irmãos, enfim, a respeitar a natureza e os grandes valores da vida.

Que o Menino de Belém, o Pão da Vida, que vamos receber na Eucaristia deste Santo Dia de Natal, encarne e nasça no coração de todos os nossos cristãos da Madeira e do Porto Santo. Só assim poderemos fazer verdadeiramente a “Festa”, porque Jesus está connosco!

Para todos os nossos diocesanos, os melhores votos de Boas Festas. Santo Natal! Alegrai-vos! Uma grande Luz desceu sobre a Terra! Hoje nasceu Jesus!

Sé do Funchal, 25 de Dezembro de 2009

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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