Linhas de força e desafios para o futuro

A carta pastoral «Como Eu vos fiz, fazei vós também. Para um rosto missionário da Igreja em Portugal» está construída tendo em conta as grandes linhas de força da teologia da missão e apresenta desafios que não podemos ignorar. A partir da perspectiva de leitor comprometido com a missão, gostaria de acentuar alguns aspectos.

1. A missão ad gentes está no centro da Igreja e é uma característica inegociável do cristianismo. De forma inequívoca, a carta defende que a missão é a primeira causa para cada cristão e para toda a Igreja, pois não é possível ficarmos indiferentes ao pensar nos milhões de irmãos e de irmãs que ignoram ainda o amor de Deus. Neste sentido, evangelizar é o melhor serviço que a Igreja pode prestar ao mundo. E, como não há missão sem partir ao encontro dos outros, é inadiável levantar-se e partir em missão indo ao encontro do Senhor em cada irmão. A centralidade da missão na vida dos cristãos é afirmada de modo eloquente no parágrafo 12, onde se diz que evangelizar será a nossa maneira de ser, porque é a nossa identidade mais profunda. Esta ideia é ilustrada com palavras certeiras atribuídas ao papa Paulo VI: «a Igreja existe para evangelizar».

2. A carta está organizada a partir das teses fundamentais da teologia da missão. A missão brota do amor de Deus que nos amou primeiro (cf. 1 Jo 4,19). Devemos, portanto, saber ser testemunhas credíveis deste amor excessivo, supera-bundante, que vai para além do necessário. Neste projecto missionário no qual somos chamados a participar, Jesus Cristo é o nosso modelo por excelência. Por seu lado, a Igreja local tem a responsabilidade de toda a missão e todos os membros da comunidade eclesial têm o dever de anunciar o Evangelho, pois, em virtude do baptismo, cada cristão é chamado a ser missionário.

3. O documento sugere uma mudança de paradigma ao nível da metodologia missionária e podemos caracterizar esta mudança do seguinte modo: passou o tempo da conquista e o tempo do individualismo.

No passado, o Evangelho foi muitas vezes anunciado em estreita aliança com o poder político, militar e económico, significando também a imposição dos padrões civilizacionais do Ocidente. Nesse quadro, as outras religiões e culturas eram consideradas um obstáculo a eliminar ou a neutralizar. No novo paradigma o anúncio deve ser feito através do testemunho de vida e do diálogo. Neste sentido, o primeiro verbo da missão não é dar coisas, mas dar-se, dando a própria vida, imitando Cristo no seu amor levado ao extremo. Por seu lado, o diálogo assume hoje um papel deter-minante na missão. O que fascina é o encontro com pessoas crentes. Ora, o encontro supõe o respeito mútuo e a escuta.

Também já passou o tempo em que predominava a figura heróica do missionário que, sozinho, procurava implantar as estruturas da Igreja nas então chamadas «terras de missão». Agora, no seguimento do Ano Paulino, a carta pastoral convida-nos a imitar Paulo e a sua metodo-logia personalizada, afectiva e apaixonada, com dedicação total, de corpo inteiro e a tempo inteiro, bem como o facto de se ter sabido rodear de muitos e bons cooperadores, formando como que uma rede de fraternidade para o serviço do Evangelho.

4. A carta apresenta alguns desafios para promover uma mudança de mentalidade e uma nova estratégia missionária. As igrejas locais e as comunidades cristãs são desafiadas a ultrapassar uma pastoral de simples manutenção. Defende-se uma pastoral que dê a primazia ao encontro com a pessoa de Cristo, pois só o encontro com Cristo pode levar alguém a aderir ao Evangelho. A missão, por seu lado, deve ser considerada pela Igreja não como um sector da pastoral entre muitos outros sectores, mas o seu horizonte permanente e a alma de toda a programação pastoral. Finalmente, existe o grande e urgente desafio da formação dos leigos para a missão e o seu enqua-dramento na actividade missionária da Igreja. Nesta matéria, as Igrejas locais ainda não encontraram as formas mais adequadas para dar resposta à vocação missionária dos leigos. O texto é omisso, mas existem questões que precisam de ser trabalhadas, nomeadamente as relacionadas com o seu sustento, carreira profissional, vida familiar ou o regresso após a missão.

José Antunes da Silva, SVD

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