Lamego: festas e romarias

Nossa Senhora da Ouvida (Monteiras – Castro Daire)

Segundo reza a história, a seca na freguesia de Monteiras, foi também deveras prolongada, demorando anos a fio, levando assim à escassez de água potável. Neste sentido, e pela força da fé que movia a nossa gente, era preciso realizar um momento de prece, para se pedir aos céus, a chuva abençoada. Sabe-se que nessa época, havia um pastor solteiro, de nome Bento, residente na aldeia do Eido, muito devoto a Deus e muito respeitado pela gente das Monteiras. O pastor Ben

to, consciente da grande catástrofe que se fazia sentir e crente nos desígnios divinos, reuniu as pessoas da terra, para uma peregrinação à Senhora da Lapa, com o intuito de pedirem a tão esperada chuva. O povo, exausto pela fome e pela sede, partiu. Todos caminhavam de trajes normais, exceto o pastor Bento, que mesmo naquele calor extenuante, que se fazia sentir, nesse dia 3 de agosto, carregava o seu capote de palha.

Nessa altura, alguns dos peregrinos ficaram perplexos a olhar para ele, mas nenhum deles se atreveu a perguntar-lhe a razão de carregar, nessa espinhosa peregrinação, aquele capote de palha. Caminhavam entre vozes de oração e momentos de silêncio. Por fim, chegaram ao Santuário da Lapa. Aí se debruçaram aos pés de Nossa Senhora, suplicando as suas preces. No regresso a casa, enquanto entretinham a fome com aquela côdea de pão, bem guardada no bolso, a Tia Henriqueta, em quem a curiosidade habitava sempre, dirigiu-se ao pastor dizendo:

– Olha, lá Bento, diz-me porque carregas com tanta consideração esse teu capote, se está um calor de rachar?

O pastor, indignado com aquela pergunta, a qual para ele revelava uma certa falta de fé, respondeu-lhe com muita calma:- Olha lá, Henriqueta, quando saí de casa de capote de palha, parti crente de um milagre da Nossa Senhora da Lapa, por isso, alberguei nele a minha fé e vou saciando a minha fome com raios de esperança. Acredito que ainda vai ser muito preciso para abrigar os meus ossos, até chegar a casa. O silêncio voltou a imperar.

Estavam quase a chegar aos montes da aldeia da Relva, quando o céu começou a escurecer e as primeiras gotas de chuva desprendiam-se suavemente, deixando um cheiro a terra molhada. Este foi o verdadeiro milagre de uma prece ouvida pela Senhora da Lapa.

No silêncio da fé, onde só cada um é capaz de agradecer a benignidade da essência de um milagre, continuaram o seu trajeto e assim que chegaram ao monte de Carvalhal verde, qual não foi o espanto, ao avistarem um enorme manto de neve, no lugar que é hoje, denominado por Nossa Senhora da Ouvida. Para além da chuva granizada, que caiu com bastante intensidade, em pleno dia 3 de agosto, era sem dúvida, algo provindo dos Deuses, aquele imenso e belo monte de neve, que se avistava lá, ao longe. Os peregrinos quiseram chegar-se mais de perto, para que os seus olhos, pudessem contemplar a grandeza daquela brancura, nessa miraculosa paisagem. E, qual não foi o seu espanto, ao chegarem ao ponto mais alto, desse deslumbrante monte, avistaram o desenho de uma capela, gravado em relevo, num manto embelezado de neve.

Suportados na fé que os movia, foi assim que pedra a pedra, foi mandada construir pelo povo das Monteiras, concelho de Castro Daire, a capela em honra de Nossa Senhora das Neves, que hoje se intitula por capela da Nossa Senhora da Ouvida.

Pensa-se que a alteração do nome terá acontecido pelo facto de muitas promessas terem sido ouvidas.

A inicial capelinha setecentista foi acrescentada, deixando de ser uma modesta ermida, em 1980, passando a uma capela em formato de cruz e também uma nova dimensão, mas sempre situada no mesmo planalto e no mesmo local.

Sabe-se também que desde há muito tempo, se recita a novena desde o 25 de julho, até ao consagrado dia, 3 de agosto, data da festa em honra à Nossa Senhora da Ouvida, tal como ainda hoje acontece.

A imagem da Nossa Senhora da Ouvida é uma obra de escultura portuguesa, trabalhada em pedra ançã policromada, de 580mm de altura.

Hoje é considerada como uma das grandes romarias de Portugal.

Maria de Lurdes Maravilha

 

Santa Maria de Cárquere (Cárquere – Resende)

A peregrinação anual a Santa Maria de Cárquere ocorre no 4º domingo de Maio. A precedê-la há, habitualmente, um tempo de preparação, nos dias anteriores, com a recitação do terço, celebração da Eucaristia e pregação. O reitor do santuário, Sr.  Padre Arménio, apresenta esta preparação – de uma dúzia de encontros de oração, meditação e contemplação – como sendo uma espécie de “retiro aberto”, visto que, os que estão em casa ou no campo, têm a possibilidade de acompanhar as orações e pregações através dos altifalantes.

Alguns devotos de nossa Senhora de Cárquere fazem-se, deste modo, peregrinos, cumprindo as suas promessas e suplicando por graças, preparando-se para o grande dia da festa. Cada peregrino tem a oportunidade de agradecer o que, por meio de Maria, recebeu de Deus, confiando-lhe as suas preocupações, dificuldades e anseios.

Chegado o dia da peregrinação anual, cumprindo uma tradição de muitos anos, um mar de gente das paróquias de Resende inunda o Santuário Mariano de Santa Maria de Cárquere. Por volta das 10h00, começam a ser organizadas as procissões de cada paróquia do concelho, com os estandartes dos padroeiros e respetivas cruzes paroquiais. Quase sempre sob a presidência do Bispo Diocesano e dos párocos, vão sendo cantadas as ladainhas pelo grupo coral a que todos se associavam, pedindo a intercessão de todos os santos.

A imagem de Santa Maria de Cárquere apresenta-nos a Virgem Maria, sentada, como discípula que aprende, com o Filho ao colo para o dar ao mundo como Salvador e Redentor de toda a humanidade. Apresenta-se-nos como discípula e mestra, simultaneamente.

Desde há alguns anos a esta parte, tem-se aproveitado este dia para ser ministrado o sacramento do Crisma aos jovens de todo o concelho. Este ano, o grupo de crismandos era 140 jovens. A estes foi confiada a missão da preparação da próxima Jornada Mundial da Juventude, que acontecerá em Portugal.

No final da celebração Eucarística, enquanto a imagem de Santa Maria regressa ao seu santuário, pede-se proteção para todas e cada uma das comunidades da zona pastoral de Resende, bem como para as suas famílias, jovens, crianças, doentes e velhinhos. E também para os campos e suas sementeiras. Assim como para o gado que são as principais fontes de rendimento e sustento destas terras. Quando a tarde começa a chamar o entardecer encerra-se a jornada com a procissão e bênção do Santíssimo. Este ano, o Reitor agradeceu à “Senhora do Bom Tempo”: a chuva e as prometidas trovoadas, não passaram de ameaças.

Pe. Tó-Zé Ferreira

 

Nossa Senhora da Veiga (Vila Nova de Foz Côa)

Esta devoção começou pelo século XIII com peregrinações espontâneas das gentes de Vila Nova de Foz Côa e dos povos vizinhos.

Há registo de que no século XIX já havia uma festa anual com data marcada: segunda-feira de Páscoa. No final do século XIX, com a confraria de Nossa Senhora da Veiga, a data estipulou-se desde o último domingo de agosto até ao primeiro de setembro. Em 1914, para pedir que os soldados fozcoenses da primeira guerra mundial regressassem com vida, começou-se a “peregrinação de março” ao dia 25 (solenidade da Anunciação do Anjo). Esta peregrinação, pouco tempo depois, passou a ser realizada desde o penúltimo domingo antes do domingo de Ramos até ao domingo antes do domingo de Ramos.
Desde 1985 esta festa se celebra entre o primeiro e segundo domingos de agosto. No primeiro domingo, a imagem da Senhora da Veiga é trazida, em procissão, desde a sua capela – no lugar das Cortes – até à igreja matriz de Vila Nova de Foz Côa, onde é feita uma novena de oração e pregação. No segundo domingo, a imagem de Nossa Senhora regressa, novamente em procissão, à sua capela, onde é feita a festa anual.

Claro que, com mais ou menos polémica, estas festas foram sofrendo múltiplas adaptações e alterações ao longo dos séculos. O que é certo é que este culto assinala a ligação histórica da comunidade de Foz Côa a uma anterior localização na veiga (8km da vila), mais próxima das águas do Douro onde se encontra a capela. Daí a ontológica ligação das gentes de Foz Côa ao sítio e à Senhora da Veiga.

Pe Diogo Martinho

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Este artigo faz parte da Edição especial da Agência ECCLESIA “Festas da nossa Terra” publicada em agosto 2022

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