Juventude deve inserir-se na Igreja

Homilia do Bispo do Porto na Bênção das pastas Porque o ano civil e o ano académico acompanham habitualmente o ritmo e programa do ano litúrgico, mais uma vez esta celebração da Bênção das Pastas, inserida na Eucaristia, traz à nossa consideração a alegoria do Bom Pastor. O Profeta Ezequiel, voz muito escutada nas assembleias religiosas do seu tempo, apresentou Deus na figura de um Pastor, imagem corrente e acessível para quem pretendia ensinar e para quem desejava aprender. E Jesus Cristo parece ter privilegiado esta imagem e este título para se afirmar como Deus: “Eu sou o Bom Pastor; sou Eu o Bom Pastor” (Jo.10,11). Identificando-se como Deus, descreve as funções de um bom pastor, que conhece as ovelhas, é por elas conhecido, e por elas dá a vida, em contraste com o comportamento de qualquer mercenário, que nem dá a vida nem é capaz de se sacrificar, mas apenas explora, para fugir covardemente e deixar abandonados e em dispersão os que nele confiam. Há porém nesta alegoria um dado particularmente significativo. Cristo diz: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor” (Jo.10,16). O Senhor não diz que há outras ovelhas, mas que tem outras ovelhas, que precisa de reunir para ouvirem a sua voz e se integrarem na unidade de um só rebanho. São palavras que fundamentam as convicções e a fé dos cristãos, que significam a universalidade da redenção e a catolicidade da Igreja e que, na perspectiva dos crentes, vão contra a exclusão. Sendo embora palavras e conceitos assumidos explicitamente pelos crentes-cristãos, estas palavras são da Escritura Sagrada e merecem, mesmo nesta circunstância e neste contexto lato e vasto, uma profunda reflexão. Está em causa a Palavra de Deus, que não é do mesmo nível de qualquer palavra escrita, de qualquer autor humano consagrado, de qualquer interpretação individual e meramente pessoal. É importante ler a Palavra de Deus em companhia de outros, contando com o saber dos mestres, com a solicitude dos amigos, e com o espírito da Igreja. É isto que afirmam os teólogos quando falam de “sinergia” para significar esta colaboração de Deus com o homem. Esta “sinergia” torna-se mais acessível a partir do Pentecostes, segundo o testemunho dos Actos dos Apóstolos: “Pedro, cheio do Espírito Santo” (Act. 4,1) dirige-se aos chefes e aos responsáveis do povo para dar testemunho da ressurreição de Cristo (o Cristo que eles tinham crucificado) e conclui: “Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que veio a tornar-se pedra angular. E em nenhum outro há salvação” (Act. 4,11-12). A Palavra de Deus foi-nos dita ou proferida em momentos diversos e sucessivos da História que, à luz da fé, chamamos História da Salvação. A releitura e reescritura desta Palavra fundamentam uma continuidade profunda, mas com a vinda de Cristo e com a experiência dos Apóstolos após o Pentecostes a Palavra tornou-se definitiva. Assim, não pode haver mais reescrituras, mas continua a haver obviamente a necessidade de aprofundarmos sempre mais a nossa compreensão. Ler, aprofundar e assimilar a Palavra de Deus na Sagrada Escritura comporta aceitar e reconhecer a indispensável companhia da Igreja, em cuja comunhão encontramos ambiente para o diálogo com Deus, que define a Revelação divina e a correspondência humana. Estas clarificações assumem o valor de resposta que é preciso ouvir do mundo da verdadeira cultura que vós, universitários, tendes o dever de representar. Porque todos certamente temos conhecimento de escrituras que recentemente têm sido descobertas e que se recebem como revolucionadoras da Sagrada Escritura reconhecida formalmente pela Igreja, que contrariam acontecimentos que a própria História admite como incontestáveis, que reinterpretam figuras e comportamentos que a cultura universal reconheceu e consagrou como emblemáticas. O gnosticismo do século II da era cristã, combatido e vencido por autores cristãos de nome registado na História do Cristianismo e da cultura dos primeiros séculos, e os livros apócrifos relegados para o âmbito da literatura menor, aparecem hoje por aí a alimentar fantasias literárias e a satisfazer curiosidades sempre ávidas da novidade e do contraditório… Como se fossem verdades novas, quando não são senão sombras a ofuscar a Verdade e tentativas de perturbar a paz do conhecimento alcançado. Meus caros jovens estudantes: Se vos falei tanto da Igreja e da necessidade de estar inserido nela foi por causa dos ventos que sopram e impressionam na nossa cultura e na mentalidade que se vai forjando. Hoje quase nos sentimos aqui refugiados para celebrar o mistério da fé e para benzermos as vossas pastas e os símbolos que representam. Daqui podeis levar a ideia de que há, também em sentido simbólico, um Pastor que é solícito convosco, tanto que até deu a vida por todos nós; e que esse Pastor se encontra na comunhão da Igreja, manifestada pela efusão do Espírito do Pentecostes (L.G. 2). Cristo, o Bom Pastor, e a Igreja, são a defesa contra o isolamento perigoso, contra o individualismo e o egoísmo que ameaçam. Contra a solidão presunçosa e enganadora, contra a competitividade e a competição que sepultam a solidariedade e a amizade. De facto, estes sinais negativos da sociedade que construímos levam à exclusão social, que a todos afecta porque todos somos vítimas, praticando, sofrendo ou sendo testemunhas. Estamos convosco nas preocupações pelo futuro: pelo emprego, pelas condições de vida e de trabalho, pela segurança, pela família, pela alegria transparente e justificada, pelo optimismo, pela esperança. Estamos convosco num esforço para vencer os medos: do terrorismo que se generaliza, da guerra que espreita, das injustiças e opressões que conhecemos, da saúde que nos interroga, das regalias sociais que não são garantidas, das desigualdades sociais que aumentam, das famílias que esperam por habitação condigna, da fome que nos envergonha pelas multidões e nações afectadas, em demonstração de falta de solidariedade, de caridade, de organização solidária em favor de uma paz que essa vergonha impede e anula. Está a chegar ao fim a peregrinação académica de muitos de vós: apesar de tudo, os anos da Universidade foram sem dúvida um tempo de alegria e de optimismo, de trabalhos e estudo mas de satisfação cultural, científica, social. Constituístes uma franja especial da sociedade, como agora, na festa académica, decretais uma espécie de interregno que esquece ou arreda sacrifícios, fracassos, tristezas e frustrações. Tendes naturalmente associados aqueles que convosco sentem e vivem a Festa: as famílias, os amigos, os professores, os colegas, os funcionários e o pessoal administrativo das respectivas Faculdades de cada Universidade. Por direito próprio e por solidariedade meritória sois nestes dias a Academia do Porto em festa. A sociedade civil celebra hoje o Dia da Mãe. Interessa, apenas relativamente, ler ou interpretar o significado dessa evocação. Sabemos que este significado é variável e suscita leituras diferentes. Gostaria de vos recomendar e desejar, em síntese, que Cristo seja a pedra angular na construção dos projectos e modelo de vida, que a Igreja seja a pátria da vossa convivência fraterna e que a Mãe de Jesus e da Igreja, nossa Mãe na ordem da graça, seja Mãe solícita de cada um de vós, ao lado da mãe natural de sangue, ou para a substituir e não deixar nenhum de vós em situação de orfandade. Este meu voto pessoal, como Bispo do Porto, traduz os meus sentimentos de congratulação e parabéns e os melhores votos de felicidades para todos vós. Estádio do Dragão, 7 de Maio de 2006 D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto

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