«Sou um trabalhador da memória», afirma o cardeal-patriarca em entrevista à Agência ECCLESIA no contexto do Dia Mundial da Paz
2023 é o ano da Jornada Mundial da Juventude e já falaremos sobre esse grande acontecimento. Mas comecemos pela mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, em que fala da pandemia e da guerra. O Papa pergunta “o que é que aprendemos com esta situação de pandemia?”. Encaminho esta pergunta para o cardeal-patriarca de Lisboa…
Espero, como o Papa espera, que tenhamos aprendido alguma coisa. O essencial que ele lembra é que “Ninguém se salva sozinho”, nem do ponto de vista espiritual nem do ponto de vista humano. E isso devia ter sido ainda mais claro com a pandemia. A pandemia não respeitou fronteiras, rapidamente se expandiu de uma ponta à outra do mundo e ninguém ficou imune. Devíamos ter aprendido isso, que só em conjunto… E tanta gente trabalhou nesse sentido, desde governos, aos laboratórios, as igrejas, as instituições sociais que tanto trabalharam para que a pandemia se ultrapassasse da melhor maneira, onde já se ultrapassou, porque ainda não é uma batalha ganha em todo o lado, mas muito se fez.
O Papa diz na mensagem que uma das heranças maiores da pandemia é a consciência da fraternidade. Conseguiu-se esse ideal, que era também da democracia?
Creio que a pandemia foi ensejo para isso e que nalguns casos se verificou no espaço religioso e no espaço social. Mas que seja suficiente, aí já tenho mais dúvidas, porque a humanidade às vezes aprende, mas também esquece com muita facilidade e gosta de voltar às normalidades que nem sempre são as melhores.
O Papa alerta para outro problema: quando estávamos a sair lentamente, porque ainda não está a batalha ganha no que diz respeito à pandemia (e outras coisas que possam surgir, porque os vírus continuam, estes ou outros, porque também se adaptam e sobrevivem para mal nosso), aparece esta guerra, na outra fronteira da Europa, que não é só na outra fronteira da Europa… Nós estamos a entrar num ano, e agora num inverno que em Portugal é como é, apesar das recentes tempestades, mas nada que se compare a viver a 40 graus negativos, sem aquecimento, sem gás, com as estruturas básicas destruídas, por vezes em lenha porque as matas também foram destruídas e devastadas pelo conflito… Como é que se sobrevive nestas condições? E não só lá, porque daquela região do mundo vem muito cereal que ali se produz e é exportado para muitos lados que precisam urgentemente dele, há o problema também dos combustíveis, concretamente do petróleo e o que são os seus derivados, há o problema do gás, há a subida dos preços, há a inflação e por isso mais dificuldades das famílias atenderem às necessidades básicas (alimentação, conforto essencial).
O Papa alerta para um conflito que está muito difícil de se resolver: começou em março passado, já temos quase um ano disto. As consequências agravam-se e o perigo de alastramento direto ou indireto é real, porque não nos podemos esquecer – eu nem quero pensar nisso – que as duas guerras mundiais do século passado começaram com conflitos localizados: a primeira nos Balcãs, era só ali e depois não foi, durou quatro anos e morreram milhões de pessoas como nunca tinha acontecido e outras ficaram muitas inutilizadas pelos gazes; depois veio a segunda guerra mundial e também era ali, na Alemanha e na Polónia, depois acabou por ser o que foi com milhões de mortos. As coisas começam relativamente localizadas, mas se não há cuidado, esta antisolidariedade e a conjugação de fatores rapidamente se expande. E é efetivamente um grande perigo. O Papa está, e estamos nós todos com ele, muito preocupado com este problema da guerra naquela fronteira da Europa.
Semana após semana, o Papa repete apelos à paz…
Está realmente muito preocupado com isso e com todas as razões para se preocupar…
Podemos depreender pelo decorrer da guerra que a voz do Papa não é ouvida, não chega a essa geografia?
As coisas chegam aonde chegam, mas os interesses são o que são! Concretamente os governantes russos têm a ideia que têm e vão dizendo: que é um espaço que lhes está destinado, ou quase, e que portanto se têm de sujeitar; na Ucrânia há esta resistência que não era esperada, mas mostra uma enorme capacidade de ser ela, como é, como nação e resistindo à invasão e destruição do território e infraestruturas.
Tudo isto podia ser aplicado no outro sentido: todo o potencial que a humanidade vai acrescentando podia ser ótimo e benéfico para uma sociedade mais solidária e que respondesse efetivamente aos problemas mundiais, até com a consciência acrescida de que se não se resolvem no todo, também não se resolvem na parte, porque direta ou indiretamente tudo se liga e interliga, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista da subsistências, quer do ponto de vista dos produtos básicos para a economia mundial… E afundámo-nos todos quando podíamos, pelo contrário, emergir todos para uma sociedade diferente. E há hoje outro risco que não havia nos conflitos mundiais anteriores, que é a sofisticação do armamento, o nuclear…
E essa pode ser uma estratégia errada: ir armando cada vez mais a Ucrânia?
Isso já está dito desde há muito tempo. Concretamente na constituição “Gaudium et Spes”, do Vaticano II, nunca por demais lembrada, sobre a Igreja no mundo contemporâneo, fala-se disso: ninguém pense que com esta política do armamento contra armamento, mais armamento, se chegará a uma outra coisa que não seja gastos inúteis, subdesenvolvimento que podia ter sido resolvido aplicando esses meios e o perigo acrescido de que, com algum descuido ou tonteira, isso possa deflagrar em termos definitivos, tragicamente definitivos para a humanidade em geral.
Como analisa o posicionamento e o pronunciamento da Igreja Ortodoxa Russa em todo este conflito?
É isso, é russa. E temos de situar os pronunciamentos no sítio onde são feitos. Pelo que leio e pelo que ouço de pessoas que conhecem diretamente essa realidade, que não é o meu caso, apenas como leitor interessado que acompanha estas coisas, há uma mentalidade panrussa: uma área de influência que consideram benéfica e tem de ser protegida e não pode ser interferida por outras presenças… Esta mentalidade está lá, já esteve com outras conotações políticas, agora tem as que tem.
Lei da eutanásia
O Papa Francisco refere, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, como estava a afirmar também o D. Manuel Clemente, que estes problemas estão interligados, um leva ao outro e só os piora, concretizando, por exemplo, no problema de garantir os cuidados de saúde para todos. É um problema que também atravessamos em Portugal e, apesar disso, decorre o processo legislativo da eutanásia. É um passo em falso?
É completamente um passo em falso! Eu tenho visitado – e agora nestes dias que antecederam o Natal de uma maneira especial, como sempre acontece – uma série de instituições que mostram que há alternativas a isto: há alternativas pelos cuidados paliativos, há alternativas pelo cuidado das pessoas. Quem é acompanhado, quem não está só, quer viver. E mesmo essa última fase da existência, desde que tenha esses meios de uma sociedade que verdadeiramente acompanhe, conforte, elimine a dor, podem ser momentos vividos em paz. E eu não estou a falar de cor: há uma série de rostos que me estão a passar pela memória recente onde isso aconteceu, porque houve a companhia, houve paliativo, uma sociedade que encobre, que envolve, que não deixa só, e esse é que é o caminho. O que devemos dar como sociedade e sociedade organizada – e isso chama-se Estado, isso chama-se política – é a todas as pessoas a possibilidade de serem acompanhadas em todas as fases da existência, serem valorizadas naquilo que em cada fase pode contribuir para o bem comum (há coisas que só a idade permite oferecer). O caminho não essa legislação que se propõe ou possa vir a acontecer – esperemos que não -, mas o contrário: instituições que se alargam, tantos bons exemplos que aí estão em que a resposta pode ser outra e a vida pode ser plenamente vivida desde que devidamente acompanhada.
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito deste processo legislativo, fala de uma presença dos católicos na sociedade cada vez menos relevante, na cultura, na comunicação social, e que torna espinhosa a magistratura chamada a decidir estes casos…
Reparei nessas declarações do senhor presidente. É uma perspetiva. Mas também se pode ver noutros termos: o que nós tínhamos até agora era uma sociedade, com certeza tocada pela tradição católica, que não punha em causa certos valores, como temos na própria constituição. O artigo 24 é taxativo: “o direito à vida humana é inviolável”. E foi escrito assim, dizem os constituintes, sem mais nada, para ser assim absolutamente tomado. Nós tínhamos, até aí (e já lá vão quase 50 anos), um conjunto de valores básicos que não eram postos em causa. Não era tanto o caso de haver mais ou menos católicos na vida ativa ou na vida política. Era porque a própria sociedade assumia isso como valores básicos. Mas isso foi há meio século e de há meio século para cá reparámos noutra coisa: nesta sociedade – e não podemos generalizar isto, porque estamos a falar nesta sociedade, da Alemanha para cá, do Norte da América e nalgumas outras regiões do mundo, não estamos a falar na humanidade no seu todo – caminhou-se ou descaminhou-se muito no sentido da individualização da vida, há possibilidades disso, os consumos são muito fortes. De certa maneira, toda a prática do consumo vai no sentido de conjugar o produto à capacidade de usufruir: se é novo, se é jovem, se é capaz, se tem saúde, pode comprar, pode fazer… E parece que quando isso já não é possível, pela idade ou pela doença, então mais vale desistir. E isto é novo, isto não acontecia…
Não a ver com o ser ou não católico…
Isto é geral. E é muito interessante verificar que da parte da Igreja Católica em Portugal quer na problemática do aborto, quer agora na problemática da eutanásia, A Igreja ativa, e concretamente os seus responsáveis, sempre têm caminhado em termos de frente comum. Reparemos que aquilo que dizem os comunicados do episcopado são coisas muito semelhantes ao que têm dito a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Enfermeiros, o que têm dito várias instituições que não são confessionais. E até as religiões mais expressivas na sociedade, que têm feito comunicados em conjunto. Portanto, isto não é uma questão de católicos, isto é uma questão humana e também social e cultural. Até devo dizer, com a idade que tenho, a meio dos setenta, que olhando para trás, em termos de organizações profissionais católicas (e agora estamos a falar neste campo), médicos católicos, juristas católicos e outras organizações assim, eu até talvez veja hoje… Tiro o talvez: vejo mais militância do que via há 20 ou 30 ou 40 anos… Agora, numa sociedade que já não comunga ou parece não comungar de uma base dos valores que eram geralmente aceites por todos e estão na própria Constituição, como disse, lembrando esse artigo 24.
Tudo isso é confirmado pelo número do último Censos, sobre a prática católica?
É curioso… Este Censos de 2021, onde 80% dos que responderam sobre a religião disseram que eram católicos, é surpreendente! Não correspondem à prática dominical, que atingirá 15% no nosso país – não sei, neste momento – no total das dioceses…
Corresponde a uma identidade?
Uma identidade ou um conjunto de valores que mesmo que já não se vivam da maneira como se viviam, são sentidos ou consentidos. Fátima tem um papel muito importante, passa por lá cerca de um milhão de portugueses todos os anos. Depois a questão da morte, do além, do significado da vida continua muito presente e tem um significado também católicos, além doutros.
Há um conjunto de sentimentos religiosos que se integram na galáxia católica que faz com que 80% da população se continua a dizer como tal! Ainda bem… Mas há muito trabalho a fazer para que além de ser um sentimento difuso seja uma prática consequente, e isso quer dizer Doutrina Social da Igreja.
Também em processos legislativos como este da eutanásia…
Em todas as dimensões, quer em relação à vida, à família, à participação cívica. Em relação a tudo!
JMJ Lisboa 2023
Falemos da Jornada Mundial da Juventude. O Papa Francisco numa mensagem vídeo dirigida à organização da jornada e aos jovens portugueses, pediu-lhes para sonhar, para fazerem uma jornada original. O que é que esta jornada, de 1 a 6 de agosto, vai ter de original?
Eu creio que tem a ver com a própria escolha de Lisboa. Recordo-me, e remontamos a 2015 ou 2016… Eu sou o bispo mais antigo na conferência e quando para lá entrei, no final de 1999, já de vez que em quando vinha essa conversa “se fizéssemos uma Jornada Mundial da Juventude em Portugal?”… Era uma conversa recorrente. Depois, começávamos a ver a Jornada Mundial da Juventude com 2 milhões, com 3 milhões… Somos um país de 10 milhões: onde é que alojamos, onde é que metemos tanta gente… Parecia uma coisa impossível…
Começou a sussurrar-nos que havia interesse da parte de Roma, que organiza a jornada, que é uma iniciativa papal, que nesta pontinha da Europa, a apontar para outros continentes, para a África, para o Atlântico, seria bom, seria positivo. Foi muito nessa base que apresentei a candidatura de Lisboa, que foi aceite. Era para ser em 22 agora vai ser em 23. E isto já marca a JMJ de Lisboa 2023 no sentido da universalidade, na preocupação em trazer gente de todo o lado e de arranjar meios para que isso aconteça, porque uma viagem de avião de um país da África, de um país da Ásia não é barata… Arranjar meios para que isso aconteça, pelo menos com uma representação de cada um desses lugares… A preocupação do lugar dos jovens com deficiência, para que não fiquem de fora, a perspetiva ecológica: fazer disto um movimento ecológico, que deixará como herança um enorme Parque Tejo para a população, onde se possa usufruir dessa boa ecologia que temos aqui…
Há um conjunto de fatores que está muito presente nesta jornada e tem a ver com o tempo que vivemos. E o Papa também tem dito que espera que esta jornada seja para um número representativo da juventude mundial um desconfinamento. Não nos esqueçamos que numa altura da vida, a adolescência, em que é mais preciso conviver, brincar e estar com os outros, muita juventude mundial esteve confinada em casa. E a internet não resolve tudo e às vezes até complica quando substitui outros meios de convívio.
Na mensagem para JMJ, o Papa fala num novo começo para esses jovens…
E sobretudo de convivência, de estar uns com os outros e de todo o lado. E esperemos que seja assim, porque a oportunidade é grande.
Pelos contactos que vai tendo e pelas visitas que vão acontecendo doutros países, a expectativa é grande para a presença de representações de todos os países do mundo?
É muito grande. Mas a organização da jornada, e concretamente o senhor D. Américo Aguiar, que é o presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, tem-se multiplicado nesses contactos, naquele setor que estava há pouco a sublinhar, naqueles que menos possibilidades teriam para vir, concretamente todo o mundo dos Palops e que vão desde a Guiné até Timor. Há presenças que são mais do que garantidas: os nossos irmãos espanhóis estão cheios de vontade de vir (não podem vir todos, porque não cabem… Têm de dar lugar a outros…), italianos… pela Europa em geral. Mas com a preocupação: que venham também de sítios que, mesmo mais afastados e com viagens mais caras, não deixem de vir. E está-se a fazer tudo nesse sentido… O possível!
A JMJ acontece numas circunstâncias muito particulares para a sociedade para a Igreja, em Portugal e no mundo. A primeira, que pedia o comentário ao D. Manuel Clemente, é o ambiente sinodal de escuta. A jornada, e por informações já partilhadas por D. Américo Aguiar, fará essa mudança nas catequeses, que seriam dadas por bispos de todo o mundo e que agora vão escutar os jovens. Há essa novidade?
E é muito interessante. Já participei noutras jornadas, até como catequista, e dá muito jeito, porque tem de coincidir a oferta com a procura. Se vamos com um discurso preparado, o melhor que sabemos e podemos, vamos com a mentalidade que temos, com a idade que temos, que pode já não corresponder às perguntas ou ao modo como as perguntas são feitas e que vêm de duas ou três gerações depois de nós. E dar essa oportunidade aos catequistas, sejam bispos sejam outros, de escutarem as interpelações para depois adequar a resposta evangélica, porque é disso que se trata, a essas situações, é muito útil. É sinodalidade: fazer um caminho em conjunto em que todos escutam todos e todos vão com todos.
Recordemos a reunião de jovens de todo o mundo no Vaticano, a reunião sinodal em torno do tema da juventude. Devolver o protagonismo aos jovens vai acontecer nesta jornada?
Já está a acontecer. A jornada é de jovens para jovens, basicamente! Esse dinamismo até começou lá mais para trás, com o sínodo sobre os jovens, de onde saiu o documento “Cristo vive”, que está muito presente, e ainda houve, ainda antes da reunião sinodal, uma série de reuniões, também com jovens e a auscultação, também com jovens de Portugal. E há um grupo que continua a assessorar o Papa neste sentido da adequação ao mundo juvenil. Isto já vai com um grande lastro e é preciso que continue. E se forem à sede da jornada, ao COL, o Comité Organizador Local, na antiga Manutenção Militar do Beato, podem ver todos os dias e todas as noites, o que por lá se passa em termos juvenis. Portanto, isto é de jovens para jovens.
Abusos na Igreja
As jornadas vão acontecer uns meses depois da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa divulgar o seu relatório. Que momento é este para a Igreja Católica em Portugal?
Foi um momento que a Igreja quis. Efetivamente, isto é um problema não só da Igreja, como todos sabemos, mas também nos toca a nós e infelizmente dentro das nossas próprias instituições pode acontecer. Então quisemos saber: nomeámos uma comissão, que funciona por si e por isso é independente, para escutar quem se quisesse pronunciar, fazer um estudo do que aconteceu, desde 1950 (portanto grandíssima parte desse estudo refere-se a situações já muito passadas e felizmente ultrapassadas ou, às vezes, pela ordem natural das coisas, porque as pessoas entretanto morreram). O que importa é que daí se tire uma série de conclusões sobre o que é que não pode acontecer, como é que se pode evitar que isso aconteça e como fazer de cada ambiente eclesial um ambiente seguro. Até é um bom serviço que fazemos à sociedade em geral porque, como sabemos, estamos a falar de uma percentagem muito reduzida do problema. Basta estar atento à comunicação diária e em todos os meios atinge todos os setores sociais. Nós estamos a fazer a nossa parte e certamente que outros a farão também.
Poderá decorrer daí algum afastamento dos jovens, uma diminuição da participação na jornada?
Julgo que não. Uma das coisas que nos tem sido dita por quem está a trabalhar e sistematizar as informações é que a grande maioria das pessoas que se queixaram não se afastaram da Igreja. Perceberam que era um problema com este ou aquele fulano ou fulana, não era um problema geral, e de alguma maneira se tentou ultrapassar. Não me parece… Até por esta atitude de ser a própria Igreja a tomar a iniciativa (é bom não esquecer isto).
O que significa para si este ano de 2023? É um ano em que completa 75 anos, há formalidades que se cumprem nesta idade, como bispo, mas perguntava-lhe o que significa este ano, com a realização da JMJ?
As coisas ligam-se… O ano passado dei uma entrevista em que também me foi perguntado isso e eu disse: acho importante – e já o disse ao Papa – que haja um patriarca mais jovem, que esteja mais próximo de toda esta problemática. Quer queiramos quer não, 75 são 75… A nossa cabeça foi feita noutra altura, a nossa “forma mentis”, para dizer isto de uma maneira mais sofisticada, é a que é. Tentamos acompanhar, mas era bom que houvesse alguém que depois desse seguimento. Isto fica tudo no ar, mas é preciso dar seguimento… E vir alguém mais novo, mais capaz, mais dentro deste mundo e até dentro das tecnologias de comunicação, onde eu sou completamente imigrante digital, onde não há muito a fazer… Cada um é como é: ainda penso com a esferográfica e escrevo postais à mão… Haver alguém que seja mais deste tempo é a melhor maneira de dar continuação a isto. O Papa sabe disto e, quando ele quiser, tanto fico como vou: antes, durante ou depois… Quando ele quiser.
Aqui em Lisboa tivemos esta outra realidade que foi o falecimento do senhor D. Daniel. Lisboa costuma ser servida por quatro bispos, dada a dimensão do território… Temos um quarto da população de Portugal, temos três regiões pastorais, cada um delas tem mais gente do que algumas dioceses portuguesas e, para haver um acompanhamento concreto, como estamos habituados a fazer em Lisboa, das paróquias, da vigararias, instituições, movimentos, grupos, é um trabalho enorme… O senhor D. Daniel foi-se embora e deixou-nos muita saudade! Era um grande bispo! Acredito que ele esteja a trabalhar no céu, mas precisamos de um trabalho mais na terra… O senhor D. Américo está superocupado com a jornada e basicamente isto está entregue a dois septuagenários, o senhor D. Joaquim e eu, que fazemos 75 até ao verão. O Santo Padre está a par disto tudo: decida como ele decidir e o que decidir está certo.
Terá a oportunidade também depois de dar mais tempo à História e à investigação, que tanto gosta?
Isso é difícil não dar, porque está cá comigo desde pequenino: desde criança que sou um trabalhador da memória…