Inaugurado novo órgão de tubos da Igreja da Senhora da Boavista

Realizou-se no domingo, dia 12 de Dezembro, sob a presidência do Bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, a bênção e inauguração do novo órgão de tubos da Igreja da Senhora da Boavista, como tínhamos anunciado na edição de VP de 10 de Novembro. A Igreja, de construção moderna (arquitecto Agostinho Ricca) integra-se no complexo residencial conhecido na cidade por Foco, entre a Avenida da Boavista e a Via de cintura interna do Porto. Possui obras artísticas de Júlio Rezende – os vitrais, a escultura do baptistério e do altar-mor. Foi uma cerimónia que reuniu as forças vivas da paróquia e convidados, em que a sonoridade do órgão foi acompanhada pela actuação dos grupos corais da paróquia: um de jovens e um de adultos. Após bênção do órgão, por D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto, que nas suas palavras realçou o significado da acção litúrgica como forma de louvor de Deus e valorização pela arte musical da pessoa humana, seguiu-se um concerto por Paulo Alvim, com obras de mestres como Frescobaldi, Clérambault e J. S. Bach, o maior mestre da música para órgão. O pároco, Júlio Carrara, agradeceu aos que contribuíram para este acontecimento, particularmente ao Bispo do Porto, aos convidados presentes, à Câmara Municipal, à Equipa paroquial a e aos membros da comunidade que tornaram possível esta realização. Agradeceu os gestos de solidariedade, mesmo os mais pequenos, de ajuda para a realização da obra que ficará na história da comunidade paroquial, que permitiram que em pouco tempo se realizasse o projecto, referenciando a Comissão Fabriqueira, a Comissão Artística, o organeiro Joaquim Lois e a sua equipa. Notas sobre o órgão de tubos da Igreja da Senhora da Boavista O órgão inaugurado tem como funções dar apoio musical às celebrações litúrgicas e, ao mesmo tempo, viabilizar uma programação musical regular, em termos de recitais e concertos. A cerimónia foi o culminar de um processo iniciado em Março de 1999, altura em que foi elaborado o documento de base pelo Engenheiro Rui Paiva, professor do Conservatório Nacional e Director da Academia de Música de Santa Cecília. Após consulta a outros técnicos especializados, a Paróquia acabou por optar pelo reputado organeiro espanhol Joaquim Lois que tem dedicado o seu trabalho a restaurar órgãos antigos e a projectar e a construir novos órgãos. O órgão tem dois teclados manuais com 56 notas, com pedaleira de 30, possuindo um total de 21 registos e 1436 tubos. Após os trabalhos de harmonização, realizados em 25 e 26 de Março deste ano, a construção prosseguiu nas oficinas do construtor em Tordesilhas (Espanha). A sua instalação final iniciou-se a 19 de Outubro, altura em que Joaquim Lois e mais quatro técnicos espanhóis, iniciaram o trabalho de montagem final do órgão, que durou cerca de mês e meio. O órgão ergue-se com majestosa simplicidade à entrada da Capela do Baptistério, integrado harmoniosamente no conjunto da Igreja. O exterior é em madeira de carvalho que, com as suas veias e cor suave, se adequa bem à decoração da igreja. Um órgão ibérico Trata-se de um órgão ibérico, único até agora construído na cidade do Porto. As suas características permitem-lhe interpretar músicas de autores peninsulares que escreveram para este tipo de instrumentos, e também dos grandes mestres da música universal, como se verificou no concerto inicial. Nas últimas décadas foram construídos bastantes órgãos na cidade do Porto e arredores. Este, porém, é o único de cariz ibérico. Por isso regista-se o facto de muitas personalidades terem telefonado ao pároco, Padre Júlio Carrara, dando-lhe os parabéns pela coragem tida ao beneficiar a igreja paroquial com um órgão ibérico. Até ao momento, é o único órgão que está situado na zona ocidental da cidade em activo, e o mais próximo da futura Casa da Música. O desejo da comunidade paroquial ter um órgão vem de longe. Agora chegou o dia e a hora. Entre os textos da bem elaborada brochura disponibilizada aos presentes, encontra-se um texto do Cónego António Ferreira dos Santos, que, pelo enquadramento histórico-artístico e integração no conjunto do projecto de valorização do órgão de tubos, deve ser retida. Aqui o disponibilizamos ao leitor interessado neste projecto de valorização cultural: Sobre o valor cultural dos órgãos de tubos ANTÓNIO FERREIRA DOS SANTOS* A instalação de um órgão de tubos na igreja paroquial da Senhora da Boavista é justificado motivo de júbilo para muitos. É motivo de júbilo, em primeiro lugar, para a paróquia, sobretudo para o pároco, P. Júlio Garrara, e seus próximos colaboradores, porque ela fica a dispor de um instrumento potenciador inigualável da intensidade expressiva do canto litúrgico saído da assembleia, do coro e do salmista, mas também para a cidade do Porto que fica enriquecida com uma infra-estrutura musical de elevada qualidade e afirmado sentido. Este órgão de tubos, agora inaugurado, era, talvez o que faltava numa igreja que é, sem sombras de dúvida, um espaço arquitectónico, artístico e litúrgico de referência na cidade do Porto e não só. O órgão de tubos que hoje é inaugurado motiva pertinentes reflexões de ordem histórica, estética e litúrgica. Órgãos antigos no Porto … Em todas as igrejas (paroquiais ou não) e capelas da cidade do Porto construídas nos finais do século XVII e nos séculos XVIII e XIX, foram instalados órgãos de tubos que, hoje, consideramos históricos, uns de muito elevada qualidade, e outros mais comuns. Um legado impressionante e uma das marcas específicas da cultura musical do Porto! Há órgãos históricos na Sé Catedral (3), na igreja dos Grilos, da Misericórdia, de S. Nicolau, de S. Francisco (monumento), na capela interior da Ordem de S. Francisco, na igreja de Massarelos, de Lordelo do Ouro, de S. João da Foz, de Nossa Senhora da Vitória, de S. Bento da Vitória, dos Clérigos (2), dos Carmelitas, do Carmo, de Cedofeita (agora integrado no novo órgão), dos Congregados, de S. lldefonso, da Trindade, da Lapa (não confundir com o novo órgão), de Paranhos, de Santa Clara (3), do Terço (Irmandade), de Nossa Senhora da Esperança, do Bonfim (vindo do Convento da Ave Maria: dois num?) e Nossa Senhora de Campanhã. Mais de três dezenas de órgãos históricos que, graças a Deus, não sofreram as consequências do terramoto de 1755 que, em Lisboa, destruiu vários órgãos de tubos, nem os malefícios da abundância de dinheiro que os poderia ter destruído para os substituir por novos. …e modernos… O grande órgão da Sé Catedral do Porto, inaugurado em 1985 (ano internacional da música e ano Bach, pai da música de órgão), emerge, assim, de um terreno preparado. Era natural que, numa cidade onde, no passado, se viveu uma verdadeira euforia no que diz respeito à cultura organística e a ela se habituou, depois de uma pausa que durou mais de um século, brotasse e florescesse uma filosofia inspiradora de uma nova fase na cultura organística que se concretizou na tentativa de imprimir, em cada um dos novos órgãos de tubos que se iam construindo e implantando nas igrejas do Porto, determinadas especificidades. Assim, o órgão da Sé (1985) é um órgão neo-barroco que, para além da sua função litúrgica, permite a execução, com propriedade, sobretudo, da música barroca para órgão, nomeadamente, a de João Sebastião Bach. O órgão da Lapa, para além do seu fecundo contributo nas diversas celebrações litúrgicas, proporciona a execução de obras de carácter sinfónico e romântico. O órgão da Senhora da Conceição, sempre presente nas suas liturgias, foi concebido para interpretar música francesa composta para órgão. O órgão de Cedofeita (que integrou os melhores jogos do órgão da antiga igreja) é vocacionado, especialmente, para a interpretação da música pós-romântica. O novo órgão da paróquia da Senhora da Boavista quis, para além da sua função litúrgica, abraçar um sentido próprio e especifico: a música histórica ibérica para órgão [portuguesa e espanhola], sem excluir muitas obras de órgão do período barroco, encontra a oportunidade de ser executada num instrumento para tal criteriosamente construído. Se a tudo o que ficou escrito juntarmos uma justíssima referência a três extraordinários órgãos históricos: o de S. Bento da Vitória, o da Sé Catedral (lado do Evangelho) e o dos Grilos, todos restaurados e a funcionar, e se tivermos em conta que a igreja nova de Ramalde, a dos Carmelitas (Foz), a dos Redentoristas (rua da Firmeza) e a capela dos Anjos dispõem, também, de órgãos de tubos, podemos afirmar que a cidade do Porto é uma cidade de órgãos de tubos e que, nesse particular e à sua medida, se pode considerar uma referência europeia. As comunidades cristãs da cidade do Porto, com os seus párocos e reitores, ao manifestarem tão clara militância em favor dos órgãos de tubos, demonstram uma positiva sensibilidade eclesial e cultural. Os documentos da Igreja Católica, a partir do “Motu Próprio” de Pio X (22 de Novembro de 1903) e, com destaque para o capítulo sexto da Constituição conciliar Sacrossanctum Concilium (4 de Dezembro de 1963), para a Instrução Musicam Sacram (5 de Março de 1965) e para o Quirógrafo do Papa João Paulo II (22 de Novembro de 2003), são unânimes em considerar o Órgão de Tubos como o instrumento musical mais adequado e próprio da Liturgia, Porquê? Microcosmos musical Um órgão de tubos é caso único, na área dos instrumentos musicais. Concebido à imagem e semelhança do homem, dispõe de uns “pulmões”, os foles geradores do ar de um “coração”, o someiro, no qual se concentra o ar vindo dos foles e, daí passa, segundo mecanismos accionados pelo organista, para os tubos que, vibrando, produzem sons variados, quais gargantas humanas, em atitude de canto. O órgão de tubos é quase um ser vivo, dada a sua semelhança com os órgãos dos seres humanos implicados no acto de cantar. Os sons musicais acontecem, como a água a sair da fonte, sem a interposição da técnica. Ele é o instrumento musical mais próximo do homem. Um órgão de tubos pode e deve considerar-se um microcosmo musical. Com efeito, nele estão presentes, embora sabiamente sublimados, os chamados três reinos da natureza. Nos tubos de estanho e de cobre do órgão está presente o reino mineral; nos tubos de madeira, nos someiros, nas teclas, nos puxadores dos registos, nas varetas, etc., é evidente a presença do reino vegetal; no marfim de alguns teclados, nas peles dos foles e nos suportes e juntas (feitos a partir de peles) dos tubos que se apoiam sobre o someiro descobre-se a presença do reino animal. Por estas razões, o órgão de tubos deve ser considerado o instrumento cósmico, por excelência. A cosmicidade do órgão de tubos corresponde, de forma ideal, à perspectiva cósmica da Liturgia. Um órgão de tubos é, entre todos os instrumentos musicais, aquele que dispõe do maior número de capacidades e qualidades musicais. A história da cultura musical chama- lhe “o rei dos instrumentos”. As sonoridades dos sopros, das cordas e dos metais estão lá, podendo ser usadas do pianíssimo ao fortíssimo, nas regiões mais agudas e mais graves. Os teclados e a pedaleira permitem diálogos entre registos diferentes. Como instrumento harmónico, o órgão de tubos é, igualmente, único porque enriquece a simples harmonização com uma grande variedade e combinações tímbricas. Por tudo isto, o órgão de tubos é um instrumento completo, soa a plenitude sonora. A nosso ver, e à luz das reflexões feitas a decisão do P. Júlio Garrara, com a sua paróquia de Nossa Senhora da Boavista, de instalar um órgão de tubos na respectiva igreja, parece-nos profundamente pedagógica, do ponto de vista eclesial, litúrgico, estético e cultural. Parabéns, P. Júlio Garrara! Parabéns, Paróquia de Nossa Senhora da Boavista! * Cónego do Sé do Porto, reitor da Igreja da lapa, Director do Secretariado Diocesanio da Liturgia

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