Implantação da República: Igreja tornou-se mais livre com a Lei de Separação

Instituto Superior de Estudos Teológicos de Coimbra dedicou Jornadas de Teologia às relações Igreja-Estado no séc. XX

O Pe. António Jesus Ramos, professor do Instituto Superior de Estudos Teológicos de Coimbra, considera que actualmente “vive-se mais o espírito da separação entre a Igreja e o Estado como ela deve ser entendida do que durante a divisão hostil que ocorreu ao tempo da Implantação da República”.

A afirmação foi proferida no contexto das Jornadas de Teologia realizadas nos dias 12 e 13 de Fevereiro. O encontro reflectiu sobre as relações entre os organismos eclesiais e o poder estatal durante o séc. XX.

A iniciativa, que se inseriu na comemoração dos 100 anos do novo regime político, teve como objectivo “levar a conhecer as dificuldades e as esperanças que advieram da legislação republicana em relação à Igreja. Não houve apenas pontos negativos”, sublinhou o sacerdote.

As mudanças bruscas ocorridas na vida dos sacerdotes na sequência do 5 de Outubro de 1910 foram descritas à ECCLESIA pelo Pe. João Seabra, um dos conferencistas do encontro.

“Muitos foram presos e deportados para fora das suas paróquias. Com a entrada em vigor da Lei da Separação [em 1911] foram espoliados das suas casas paroquiais e muitas igrejas foram fechadas”, afirmou o sacerdote.

Não obstante o novo ordenamento jurídico, “em muitos lugares onde o anti-clericalismo era mais exacerbado, o povo pôs-se do lado do pároco, apoiou-o, confortou-o e encontrou-lhe outro sítio para morar. Houve muitos exemplos de grande fidelidade da população aos seus padres”, referiu o autor do livro “O Estado e a Igreja em Portugal no início do séc. XX”.

“Mas também houve manifestações de anticlericalismo popular que atentaram contra a segurança das pessoas – acrescentou. Os padres foram objectos de violências e desacatos. Entre 1910 e 1917 foi o período mais difícil da história da Igreja.”

“Não tenho a pretensão de ter escrito uma obra importante. Acho que às pessoas convém-lhes saber o que se passou”, garantiu o Pe. João Seabra.

“No Centenário vamos ouvir muita propaganda, muita reflexão ideológica, muita exaltação mítica de figuras simbólicas e muita reorganização dos mitos colectivos. Eu não pretendo intervir nesse debate. Quero apenas contar factos. Há coisas que aconteceram entre 1910 e 1917 que configuram uma autêntica perseguição à Igreja feita pelos homens da República, e esses factos têm de ser conhecidos por todos os católicos”, indicou o Assistente da Fraternidade Comunhão e Libertação na diocese de Lisboa.

Na análise do Pe. António Jesus Ramos, os acontecimentos subsequentes à mudança de regime revelaram que “Deus escreve direito por linhas tortas”.

“A situação da Igreja no século XIX, com toda a intervenção do Estado na organização eclesiástica – nomeadamente na nomeação dos bispos e dos padres, na legislação acerca dos Seminários e na intervenção nos estudos – não era menos lesiva para a Igreja do que seria depois da Lei de Separação”, observou o docente.

“Do meu ponto de vista – prosseguiu – esta legislação foi um verdadeiro benefício para a Igreja, que assim quebrou os laços que a deixavam manietada pelo poder civil. A República, pensando que a molestava, estava de facto a criar as condições para ela ser mais pura e livre.”

Passados cem anos, que perspectivas se abrem para a convivência entre o Estado e a Igreja?  “Não podemos precipitar-nos em condenações estéreis quando surge esta ou aquela lei – assinalou o Pe. António Jesus Ramos. Temos de ser ponderados, sabendo que vivemos em tempo de plena separação, embora haja uma Concordata.”

“A Igreja entendeu que há ligações com o poder civil e estatal que não deve manter e reconheceu que o Estado pode ter os seus caminhos próprios, desde que deixe aos organismos eclesiais a possibilidade de seguirem as suas próprias leis e de concretizarem os seus objectivos”, concluiu o professor.

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