Igreja: «Todas as religiões têm valores, vamos colocá-los ao serviço do bem comum» – irmã Augusta Vilas Boas

Religiosa das irmãs do Espirito Santo viveu na Guiné-Bissau, Moçambique e Senegal em contexto de minoria cristã e procurou, na saúde e na pastoral, o diálogo inter-religioso

Foto Reuters

Lisboa, 20 jan 2021 (Ecclesia) – A irmã Augusta Vilas Boas, provincial das Irmãs do Espírito Santo, viveu 17 anos em países africanos, onde os cristãos eram uma minoria, e a ação era feita entre “a boa vizinhança” e o diálogo inter-religioso.

“Todas as religiões têm os seus valores. Se formos capazes de pôr em comum estes valores e colocá-los ao serviço do bem comum, combater a guerra, o racismo e o fundamentalismo, tudo o que atinge e trai os direitos humanos, porque não fazermos juntos?”, questiona a religiosa que esteve quatro anos na Guiné-Bissau, 10 anos em Moçambique e três anos no Senegal, de onde regressou em julho de 2020.

A religiosa espiritana lembra que no diálogo inter-religioso importa não esquecer “os ateus e os que não professam qualquer religião”.

“Para mim o diálogo é com todos os que não professam nenhum credo ou estão vinculados a nenhuma tradição cristã ou religiosa; eles têm uma espiritualidade, têm valores que devemos comunicar e aproveitar”, valoriza.

Na Guiné-Bissau, a irmã Augusta Vilas Boas recorda uma “boa convivência” com o povo manjaco, que professavam a religião tradicional, mas numa relação que não se poderia considerar de “diálogo inter-religioso”.

“Há 25 anos quando lá cheguei, havia apenas três família batizadas e casadas catolicamente mas até essas acabavam por seguir os princípios da religião tradicional. Havia uma boa convivência, assente numa relação do dia-a-dia na saúde, de uma ajuda social, também no pré-escolar, porque eles procuravam os nossos serviços pela qualidade e confiavam em nós”, recorda.

Dos 10 anos que passou em Moçambique, a irmã Augusta Vilas Boas, fala numa relação “mais aberta” onde o “diálogo acontecia”, “muito no campo da saúde, por causa dos cuidados que prestávamos” com a grande percentagem de muçulmanos e cristãos de Igrejas protestantes.

“Lembro-me que íamos rezar numa capela protestante uma vez por mês, e eles vinham mensalmente rezar na nossa capela também”, valoriza.

No Senegal, “é outra situação”, uma vez que as irmãs viviam na fronteira com a Mauritânia e num contexto “100% muçulmano”.

“Estávamos numa pequena comunidade de base, tínhamos uma capela na nossa casa, e os poucos cristãos, cerca de 30, rezavam em nossa casa. Toda a população que nos circundava era muçulmana, com uma convivência de boa vizinhança. Não havia diálogo”, indica.

Na escola da congregação religiosa onde estavam 115 crianças, apenas uma era católica; no posto de saúde onde a irmã Augusta Vilas Boas era diretora, “todos os doentes eram muçulmanos” e “tinham muita confiança” no trabalho das religiosas.

“Eu aproveitava os momentos importantes para rezarmos juntos: os que trabalhavam no posto médico, deixava que rezassem no credo islâmico e, depois eu e um senhor católico que trabalhava comigo, fazíamos depois a nossa oração. Havia silêncio mutuo e respeito durante as orações”, recorda.

A irmã Augusta Vilas Boas afirma ser importante aceitar que se chega a “Deus” por muitos caminhos: “Eu sou capaz de aceitar que o outro vai a Deus através de Maomé, por exemplo, mas que também nos, cristãos, chegamos a Deus por Jesus Cristo. E partilharmos os valores que cada religião tem”.

A trabalhar no campo da saúde a religiosa reconhece que a fragilidade humana se manifesta nas doenças e que, perante diagnósticos incuráveis, “toca-se o limite”.

“Eu atendia muita gente da Mauritânia, um pais 100% muçulmano. Havia pessoas muito doentes e eu dizia-lhe para rezarem a Alá, «ele vai ajudar». E eu dizia, que rezaria por eles a Deus; muitos pediam as minhas orações a Deus”, recorda.

Sobre o trabalho que os religiosos desenvolvem no campo ecuménico e no diálogo inter-religioso, a irmã Augusta fala num testemunho silencioso que o povo entende.

“Veio o golpe de estado de Nino Vieira, na Guiné-Bissau, eu estava lá e não fugi; a pandemia no Senegal, não fugimos; em Moçambique, em locais de extrema pobreza, não deixamos a missão. O povo percebe que nós damos a vida e que estamos lá por eles. E isso é tudo. O povo acaba por dizer «Esta gente é diferente»”, finaliza.

O programa Ecclesia na Antena 1 vai esta semana centrar-se em testemunhos de religiosos colocam o diálogo ecuménico e inter-religioso na sua ação missionária e apostólica.

LS

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