Igreja quer pastoral de resposta aos problemas

Um ano depois da visita Ad limina, D. Jorge Ortiga fala dos resultados, da Concordata e da relação da Igreja/Estado Um ano depois da visita que os Bispos portugueses efectuaram ao Papa e ao Vaticano, em Novembro do ano passado, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, fala da realidade da Igreja no nosso país, que considera menos cristão. Agência ECCLESIA (AE) – Antes da visita Ad Limina, D. Jorge Ortiga disse-nos que Portugal estava menos cristão. Mantêm a mesma afirmação? D. Jorge Ortiga (JO) – Penso que sim. Menos cristão, embora ainda tenhamos muitos sintomas de religiosidade popular. Apesar de menos cristão, nota-se uma procura do religioso. A Igreja terá de propor um cristianismo de autenticidade, radicalismo e fidelidade. Não ignoramos o que são os santuários para nós, mas a Igreja terá de trabalhar um pouco melhor para propor uma mensagem cristã com outra eloquência e com outra capacidade de convicção. AE – Na visita Ad Limina, Bento XVI pediu mesmo aos bispos portugueses para «se ter uma Igreja ao ritmo do II Concílio do Vaticano»… JO – É uma necessidade que todos nós sentimos. Penso que as Igrejas do mundo inteiro também o sentem. O Concílio é um momento renovador porque apresenta um projecto novo de Igreja. No entanto, a concretização de todo esse espírito conciliar é longa e exige tempo. Se olharmos para os concílios anteriores também demoraram muito tempo até inculcar as suas ideias. Não podemos esquecer que o Concílio traz uma mentalidade nova e a mudança de mentalidades demora o seu tempo. AE – Apela-se à mudança de mentalidades, mas promove-se a «missa em latim»? JO – Isso não constitui problema. Há pessoas que se deixam motivar por essa realidade mais conservadora, mas é um número residual. Não é isso que traz problemas para a Igreja. AE – No entanto, é um contraste de mentalidades? JO – É fundamental novas mentalidades e pegar a sério e levar o II Concílio do Vaticano para a frente. AE – Que alterações sofreu a Igreja depois da visita Ad Limina? JO – Não estamos habituados a olhar para a Igreja como qualquer outro grupo ou instituição. Temos que nos convencer que a Igreja é humana, mas essencialmente divina. Há muita coisa que está a fermentar. AE – No seu primeiro triénio como presidente da CEP, a questão da transmissão da fé foi o «motor» dos trabalhos. Fez uma avaliação deste caminho? JO – Temos feito a avaliação e continuamos a trabalhar esse mesmo tema. AE – Este triénio também terá o mesmo fio condutor? JO – Um pouco. Procurarei na próxima Assembleia Plenária lançar algumas ideias a partir daí – da transmissão da fé – e vermos o que exige e supõe em termos de reorganização da própria Igreja. Aliás, à luz daquilo que Bento XVI nos referiu na visita Ad Limina. Esta reorganização tem de suscitar caminhos de comunhão. Terá de ser de índole comunitária como resposta aos grandes desafios de hoje. AE – Quais as linhas prioritárias neste segundo mandato? JO – Na transmissão da fé, na reorganização das comunidades, na comunhão, na formação permanente e uma grande atenção aos problemas sociais. Temos de continuar a defender as nossas estruturas sócio-caritativas e reflectir sobre o seu funcionamento. Na era da globalização temos de estar sempre atentos e percorrer os caminhos do mundo de hoje para uma pastoral de resposta aos problemas e não apenas uma pastoral tradicional. AE – Na Assembleia Plenária da CEP de Novembro passado, os bispos decidiram enviar os relatórios entregues a Bento XVI para o Gabinete de Estudos Pastorais da CEP para aí serem analisados. Esses relatórios já foram analisados? JO – Falou-se nisso, mas chegámos também à conclusão que aquilo que temos partilhado entre nós seja suficiente. Talvez não seja necessário pôr em comum esses relatórios. Talvez, o estar a estudar fosse repetir aquilo que permanentemente insistimos. AE – Mas um olhar vindo de fora poderia ser benéfico? JO – Uma das prioridades para os próximos tempos é a constituição de um «Gabinete de Assessores» para nos acompanhar na reflexão dos problemas. Procurando recorrer a especialistas – sacerdotes ou leigos – para nos ajudarem nessa reflexão permanente que estará dependente do Secretariado Geral da CEP. Será uma ajuda preciosa na reflexão e no detectar dos problemas. Está em vias de começar a funcionar. AE – Olhando para os programas pastorais das dioceses portuguesas nota-se que a aposta passa pelos sacramentos da iniciação cristã. É um voltar ao início? JO – É fundamental. Reformulámos o processo catequético e estruturámo-lo ao longo de dez anos. Tal como nos disse Bento XVI, queremos pôr em questão essa iniciação cristã. AE – E a etapa seguinte, a Pastoral Juvenil? Há uma aposta convicta nesta área? JO – Todas as dioceses apostam na Pastoral Juvenil. Todavia sabemos que é muito difícil devido à mobilidade e à vida universitária que se generalizou. Sabemos que existem muitos movimentos a trabalhar com os jovens. Se olharmos também para as paróquias verificamos que há trabalho. AE – No início do segundo triénio como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) como caracteriza a sociedade portuguesa? JO – Estamos dominados por uma crise com contornos universais a que a sociedade também não foge. No entanto, olhando para o nosso contexto concreto e situando-nos nas responsabilidades concretas penso que estamos numa sociedade com intenções boas e interessantes, mas os resultados ainda são um pouco insignificantes. Refiro-me à igualdade entre todo e qualquer cidadão e às situações que, hoje, se vão agravando de portugueses que vivem privados do essencial. Poderá ser a questão do desemprego, instabilidade social e desencanto. Respiramos no dia a dia uma certa intranquilidade e, às vezes, uma certa perplexidade perante o futuro. AE – O ditado popular diz: “de boas intenções está o inferno cheio”. Está na hora de passar das intenções à prática. JO – Olhando para o Governo, encontramos esses discursos positivos, mas, depois no concreto, nem sempre encontramos consonância com isso. AE – Diariamente, a Comunicação Social mostra-nos o lado negro da sociedade – aumento da pobreza, encerramento de empresas -, no entanto nota-se alguma passividade das pessoas? JO – O grande problema da sociedade portuguesa está na alergia em participar. As pessoas habituaram-se e estão de olhos fechados. Em certas conversas e ocasiões abordam os problemas concretos, mas depois continuam com os mesmos hábitos e rotinas. Não são capazes de participar activamente na sociedade para que o país seja diferente. Fala-se do desemprego, do encerramento de empresas, dos assaltos que proliferam todos os dias, todavia ficam passivas. A apatia sobre a realidade incomoda-me. Questões fracturantes AE – Sem esquecer os pacotes legislativos que «ofendem» as estruturas da sociedade? JO – A situação – económica e não só – é grave. Não sou pessimista nem alarmista, mas temos que tomar consciência dessa realidade. Perante uma situação grave é fundamental unir todos os portugueses, para além de interesses partidários ou ideológicos. Temos um novo modelo de sociedade e encontrar caminhos para lhes dar respostas. No entanto, os nossos políticos discutem questões fracturantes e que dividem os portugueses. Essas questões interessam a grupos pequenos de portugueses. Neste hora e neste momento era fulcral que os políticos se concentrassem a encontrar soluções que nos preocupam. Agora, a questão do divórcio, numa lei que muitos reconhecem que contém elementos anti-constitucionais… AE – Quando promulgou a lei, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, realçou mesmo que o novo regime jurídico do divórcio irá conduzir, na prática, a situações de profunda injustiça. JO – Não foi apenas o Presidente da República. Outros juristas e constitucionalistas reconhecem isso mesmo. Quanto à lei da homossexualidade terá interesse para alguns. Será que é uma necessidade desta hora e deste momento para os Portugueses? Não o reconheço. Estas questões preocupam-nos e inquietam-nos. AE – Com estas leis, a Igreja não poderá fazer uma boa Pastoral Familiar? JO – Na Pastoral Familiar procuramos apresentar um projecto cristão alicerçado no amor e na comunhão entre os esposos. Nem sempre conseguimos fazer esta proposta de projecto porque existem outros que optam pelo mais fácil. Propõem o mais fácil, dizendo que a Europa é que determina a nossa maneira de ser, de agir e que não podemos ser retrógrados. Caminhamos nesta ambiguidade e nesta dificuldade. Por outro lado, temos de ser positivos porque a Pastoral Familiar na Igreja tem feito caminhos de responsabilidade muito grande e consistente. Há muita gente na Igreja que trabalha com coragem e que sabe ultrapassar essas dificuldades para propor esses valores. AE – A Igreja é o «contrapoder»? JO – Não é o «contrapoder», mas está a desempenhar a sua missão que, em certas ocasiões, é a dimensão profética da denúncia e, em simultâneo, propõe a sua doutrina. Concordata AE – Em Maio de 2009 comemoram-se cinco anos da assinatura da Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português. No entanto, a regulamentação de muitos pontos está atrasada. Negociações difíceis? JO – Uma das prioridades deste triénio passará também por estar atento à Concordata e à sua regulamentação. Temos alertado para isso e alguns passos têm sido dados. No entanto, reconhecemos alguma lentidão. AE – Por múltiplas vezes, D. Jorge Ortiga sublinhou «estamos no bom caminho». Simplesmente, o caminho ainda não apareceu? JO – Eu tenho as minhas responsabilidades como Presidente da CEP, mas a Concordata é um assunto da Assembleia e esta só se reúne duas vezes por ano. Na próxima assembleia iremos abordar esta questão. AE – Qual o ponto mais adiantado nas negociações? JO – São todos e quase nenhum. Esperamos… Lusofonia AE – Durante o seu mandato, realizaram-se também dois encontros dos bispos Lusófonos. Formas de partilha eclesial? JO – Estes encontros são muito importantes. Há um conhecimento mútuo das Igrejas situadas em diferentes continentes. Sentimos uma vontade de crescer. AE – O próximo será onde? JO – Como probabilidade falou-se de S. Tomé, mas o bispo iria ver a capacidade logística e depois dir-nos-á alguma coisa. Sínodo AE – O Sínodo dos bispos terminou. Agora falta colocar em prática as propostas lançadas. JO – Sabemos que foram apresentadas a Bento XVI mais de cinquenta propostas. O habitual é que o Papa elabore uma Exortação Apostólica. No entanto, iremos trocar ideias entre nós e com os dois representantes portugueses que estiveram em Roma. Novo edifício AE – A construção do novo edifício da CEP será também uma prioridade JO – Está a ser estudado e o projecto está a ser elaborado. Esperemos que não demore muito tempo. Há algumas questões burocráticas que serão ultrapassadas. AE – Há alguma previsão? JO – É difícil. Quando se lida com as câmaras e autarquias demora sempre muito tempo. AE – O local está escolhido? JO – Sim. Está feito o esboço do projecto e está em andamento. Espero que não falte muito tempo para que tenhamos um projecto. AE – Este projecto será em conjunto com a Rádio Renascença? JO – Não direi em conjunto. Talvez em simultâneo e numa linha de proximidade muito grande.

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