Igreja/Portugal: Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores assume objetivo de dar voz a vítimas de «crimes hediondos» (c/fotos e vídeo)

Pedro Strecht, coordenador do organismo, sublinhou importância de «chegar a pessoas», mais do que a números

Foto: Agência ECCLESIA

Lisboa, 02 dez 2021 (Ecclesia) – O coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja Católica em Portugal, Pedro Strecht, disse hoje que o organismo que chegar a todas as vítimas, seguindo o lema de ‘Dar Voz ao Silêncio’.

“Apelamos desde já a todas e todos quanto possam ter sido vítimas destes crimes hediondos para que falem. Que relatem, finalmente e sem medo, o que lhes aconteceu”, referiu o responsável, em conferência de imprensa que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

“Mesmo perante naturais hesitações, completamente aceitáveis diante de situações sobre as quais podem ter passado décadas, tocando agora em assuntos que não desejam voltar a fazer emergir, por favor, confiem na vossa voz interior e na utilidade de a partilhar para que nada de semelhante possa continuar a acontecer”, prosseguiu.

O médico psiquiatra apontou como objetivo ‘Conhecer o Passado, Planear o Futuro’, elogiando a liberdade que teve para a escolha de uma equipa multidisciplinar, de “metodologias e timings”.

A Comissão integra, além do seu coordenador, Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, antigo Ministro da Justiça; Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente do respetivo Conselho Científico, que coordenou o estudo sobre ‘Maus Tratos a Crianças na Família’, encomendado pelo Parlamento, em 1999; – Daniel Sampaio, psiquiatra, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa; Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, que trabalhou cerca de 25 anos numa IPSS, ‘Casa da Praia/Centro Dr. João dos Santos’ com famílias disfuncionais e de risco; Catarina Vasconcelos, cineasta, licenciada na Faculdade de Belas Artes com pós-graduação em Antropologia Visual no ISCTE e mestrado no Royal College of Art, Londres.

Pedro Strecht observou que é cada vez mais difícil, para cada vítima, com o passar dos anos, “ousar falar”.

“Apenas conheceremos sempre uma pequena parte de tudo o que pode ter acontecido na realidade; ou seja, o que por fim emerge de qualquer estudo ou investigação nunca é tudo, mas sim a parte possível de narrativas de muitos outros que guardam e guardarão para sempre experiências criminosas das quais foram claramente vítimas”, assumiu.

O médico de psiquiatria da infância e adolescência apresentou ainda os princípios orientadores do trabalho a desenvolver a partir do início de janeiro de 2022, assumindo que está será uma comissão de “estudo” e não de “investigação judicial ou criminal”.

O coordenador apontou a um trabalho “complexo, longo”, procurando sempre “a necessidade de reforço de verdadeiras políticas de proteção e promoção da infância e adolescência”.

“Felizmente, as mentalidades mudaram”, observou.

A comissão organiza-se de forma “autónoma e independente” da própria Igreja Católica, promovendo a elaboração e apresentação pública de um relatório, “balizando-o durante o ano civil de 2022 (de janeiro a dezembro)”, assumindo que o tempo pode ser prolongado.

Pedro Strecht indicou ainda que o período a analisar será definido “a partir da idade mais anterior de qualquer pessoa que se venha a referenciar” ou “dados significativos” que se venham a conhecer, sem um marco temporário específico.

“Não podemos mudar o passado, mas podemos sempre construir um futuro melhor e livre da repetição deste tipo de situação junto dos vossos filhos, netos ou simplesmente de todas as crianças e adolescentes em que certamente podemos rever partes de nós mesmos”, assinalou Pedro Strecht, que disse contar com o apoio da sociedade civil e da comunicação social.

O responsável destacou a “genuína vontade” que encontrou na Igreja Católica em Portugal de “querer saber o que aconteceu”, afirmando por várias vezes a independência da comissão, admitindo que eventuais dificuldades possam ser denunciadas às “instituições competentes”.

Para janeiro, está prevista uma sessão de apresentação da equipa e definição de metodologias e cronograma deste trabalho.

“Quanto ao mais, requer-se recato e sigilo que todos os membros desta Comissão, mas todos mesmo, iremos ter de cumprir”, indicou o coordenador, destacando a importância de assegurar “o total anonimato de todos aqueles que desejem colaborar enquanto vítimas”.

O pedopsiquiatra apelou a uma “atitude construtiva” que leve a uma mudança de cultura e transformações de fundo, a começar por uma palavra de “desculpa”.

Mais do que alcançar números, algoritmos ou dados percentuais, procuramos chegar a pessoas e sendo essa uma mais que possível dificuldade será, com certeza, a mais esperada e justa recompensa para todos os que vão trabalhar nesta equipa”.

A decisão de criar uma comissão independente foi tomada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) na última Assembleia Plenária, que decorreu entre os dias 8 e 11 de novembro, em Fátima.

D. José Ornelas, presidente da CEP, disse aos jornalistas que é importante um “conhecimento da realidade” para encontrar soluções.

“É com esse propósito que surge esta comissão independente de estudo”, precisou.

Foto: Agência ECCLESIA

O bispo de Setúbal admitiu que existiram “situações dolorosas”, deixando votos de que este “seja um caminho de verdade, sem preconceitos nem encobrimentos”.

“Posso afirmar, com toda a clareza, que é essa realidade que pretendemos conhecer, nas suas dimensões, mas também e sobretudo nos dramas que esconde, a fim de que que se possa ir ao encontro das pessoas que sofreram estes dramas, oferecendo a oportunidade de ter vez e voz, para verem reconhecida a sua justiça e a sua dignidade. É por essas pessoas que empreendemos este caminho e elas são a razão de ser fundamental da Comissão”, afirmou.

A intervenção destacou o alinhamento da CEP com as indicações do Papa Francisco, com a criação de diretrizes próprias e de comissões diocesanas para a proteção de menores

“Que este seja um caminho de verdade, sem preconceitos nem encobrimentos, mas de autêntica libertação, autenticidade e dignidade para todos”, concluiu.

O bispo de Setúbal manifestou a disponibilidade da Igreja Católica em colaborar com o trabalho do novo organismo, com todos “os meios necessários”, quando questionado sobre a eventual abertura de arquivos históricos.

“Como Igreja em Portugal, somos os primeiros interessados em querer lançar luz sobre isso”, sublinhou.

O financiamento da comissão está a cargo da CEP, estando aberta a outras colaborações da sociedade civil, e vai funcionar num espaço “autónomo” e descaraterizado.

OC

Foto: Agência ECCLESIA

Natural de Coimbra, Pedro Strecht nasceu em 1966 e concluiu o curso de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, em 1989; Médico Interno Geral do Hospital de São Francisco Xavier de 1990 a 1992, frequentou o Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital de Dona Estefânia.

Entre vários trabalhos na área da pedopsiquiatria, Pedro Strecht foi supervisor do Projeto de Apoio à Família e à Criança Maltratada, coordenador da Equipa de Intervenção Psicossocial do Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso, de Centros Educativos do Instituto de Reinserção Social e do Gabinete para Intervenção em Crise da Casa Pia de Lisboa.

 

Apresentação da Comissão Independente para Estudo dos Abusos de Menores na Igreja
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