Igreja/Mar: «É muito difícil trabalhar com máscaras no mar» – Eva Mendes

100 anos de história do Apostolado do Mar com celebrações «tímidas», por causa da pandemia que está a afetar comunidades e trabalho diário dos pescadores

Lisboa, 02 out 2020 (Ecclesia) – A Igreja Católica prepara-se para celebrar este domingo os 100 anos da sua obra de Apostolado do mar, num momento em que os profissionais ligados às atividades da pesca sentem os impactos da crise económica e sanitária, sem deixarem de procurar manter a subsistência das suas famílias.

“Os pescadores são homens destemidos, eles pensam que vão para o mar e não lhes acontece nada. Alguns não usam máscaras, dizem que isto vai passar. Não tenho sentido neles dificuldades em ir ao mar. Caxinas, Vila Praia de Âncora, aí estão mais afetados. Mas em Setúbal, por exemplo, continua tudo igual. Há precauções e campanhas para se ter cuidado. A Direção Geral da Saúde impõe regras também”, explica Armando Oliveira, diretor nacional da Obra do Apostolado do Mar à Agência ECCLESIA

O responsável católico dá conta que a capitania de Setúbal “tentou impor restrições para diminuir a tripulação”, mas que o trabalho acabou por não ser afetado.

No domingo, dia 4, o ‘Stella Maris’ assinala 100 anos de trabalho da Igreja Católica junto dos pescadores e das pessoas que trabalham no mar, em todo o mundo, uma presença quem em Portugal começou em 1935.

Diz-se que os pescadores são pessoas de pouca fé mas eles acreditam e rezam muito. Nas celebrações, quando participam, emocionam-se muito”.

Armando Oliveira dá conta de um apoio “espiritual” mas também “tantas vezes social”.

“A Igreja está sempre junto das famílias e das pessoas que estão ligadas são mar. Às vezes com problemas nas capitanias, ligam para mim ou para os párocos para os ajudar com coisas burocráticas”, relata.

Eva Mendes, da Obra do Apostolado do Mar em Caxinas, diz que o seu barco ‘Fé em Santa Clara’ não saia desde o dia 29 de agosto.

“Saiu ao mar esta noite e eu não dormi nada; eram duas da manhã estava a ligar para o meu filho para saber se estava tudo bem. Estamos sempre preocupados com o motor ou que meta água…”, conta.

Em casa, em isolamento por estar infetada com a Covid-19, Eva Mendes, 85 anos, conta que continua a ter de alimentar “família” e as restantes pessoas que com ela trabalham.

“São 10 pessoas no barco e três em terra a trabalhar nas redes. Todos têm de comer, apesar de haver dias em que se ganhe e outros em que não se ganhe”, lamenta.

No barco de 18 metros, conta, têm álcool gel para desinfeção mas quanto a máscaras “é muito difícil usar”.

“Estão todos juntos, a trabalhar é muito difícil trabalhar com máscara; trabalha-se sem a máscara, chega-se a terra para vender o peixe e, olhe, pensam que não lhes acontece nada”, explica.

Sobre a importância do movimento da Igreja na vida dos pescadores, Eva Mendes destaca o apoio que prestam uns aos outros: “Hoje preciso eu, amanhã é outra… estamos sempre prontos. Se preciso alguém na igreja, estão sempre prontos. Apoiamo-nos umas às outras”.

Foto: Lusa

A celebração dos 100 anos do Apostolado do Mar, a nível nacional, estava prevista para Peniche, no “encontro anual dos homens do mar”, mas este ano a celebração será mais contida, por causa dos tempos de pandemia, indica o responsável nacional.

“Cada paróquia vai fazer uma comemoração à sua maneira. Aqui, em São Sebastião (Setúbal), haverá missa solene, com simbologia dos pescadores, e assim celebramos mas de forma mas contida”, conta Armando Oliveira.

Também assim será em Peniche, de forma tímida, mas solene, que  Obra do Apostolado do Mar não vai esquecer a data, com duas missas, na igreja de Nossa Senhora da Ajuda, matriz, e em São Pedro, que vão ter “alguma simbologia do mar”.

Carmelita Raimundo Sardo indica que a pesca em Peniche continuou com as mesmas dificuldades de sempre, durante a pandemia.

“Pesca-se cavala e carapau, a cavala vai para as fábricas. O carapau é para os mercados. A quota das sardinhas está a acabar, e eles saem enquanto podem. Têm conseguido sair. Antes eles saíam, faziam o cerco, apanhavam pouco, e vinham a terra vender; depois voltavam ao mar e vinham com cabazes…Agora só podem sair uma vez por dia, quer apanhem pouco ou não”, conta.

As tripulações são reduzidas, mas não por causa da pandemia: “Quando eu era miúda eram uns 100 barcos que saiam, hoje são uns 20.  Estão a aparecer outros com a pesca do anzol e artesanal, que são os pescadores da Berlenga. Hoje com maquinaria já não são precisos tantos homens”.

A responsável dá conta de que continua a ser uma vida difícil.

“Hoje é muito diferente. O meu pai andava na sardinha, a minha mãe estava em casa, fazia umas rendas de bilros para ajudar e o dinheiro completava-se assim. Com o direito aos subsídios as coisas vão andando um pouco melhor. Mas é uma vida difícil seja agora com mais ajudas. Hoje, há vento o mar está agitado, mas os homens saem na mesma…”, conta.

Carmelita Sardo chegou ao Apostolado do Mar depois de 40 anos fora de Portugal, a viver entre a Suíça e a França, e no regresso à sua terra natal, em Peniche, comprometeu-se com os pescadores e a Igreja.

“Tinha ligação à pesca, nasci em Peniche, à borda de água, sempre ligada ao mar. O meu pai era chofer de traineira e ia para as pedras pescar. Eu ia atrás dele, apesar de ser rapariga, era onde gostava de estar, com ele nas pedras”, lembra.

A cada dia, à hora do nascer do sol é junto ao mar que gosta de estar, a “caminhar pela praia”.

José Vieira está reformado, mas foi pescador na pesca local durante sete anos e esteve outros tantos na pesca do bacalhau, arte que que em novo lhe levou o pai.

Filho de pescador, na zona da ribeira em Viana do Castelo, é o responsável local pela Obra do Apostolado do Mar onde 60 membros participam, sendo o ponto alto as festas e procissões dos pescadores na Senhora da Agonia.

“A classe piscatória está muito distanciada da paróquia. Agora não mas todos os meses fazíamos uma missa e era oferecida por três barcos. Os homens do mar estão mais distantes, mulheres e filhos continuam a frequentar a igreja”, conta.

Sobre a pesca em tempo de pandemia, diz que a vida tem de continuar.

Durante o confinamento não saíram, agora estão a começar a sair, com certas limitações. Mas é difícil. É impossível trabalhar com máscara, nem distanciados porque os barcos não são grandes. Com mau tempo é pior. Quando é para descansar, é uns por cima dos outros, é impossível. O que está mais resguardado é o mestre que vai na cabine a governar e tem distanciamento”, conta.

De qualquer forma, José Vieira diz desconhecer casos em Viana do Castelo, entre os pescadores, ouve falar de outros locais em que há isolamentos.

“As pescas não são abundantes e o pescador se não for ao mar, não ganha… O pescador só ganha uma percentagem do que pescar, por isso, só não sai se houver uma restrição”, conta.

O presidente do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (Santa Sé), cardeal Peter Turkson, apelou a governos, organizações internacionais e nacionais e autoridades portuárias para que unam esforços, a fim de “resolver esta dramática situação”.

Com “as restrições de viagem, o encerramento das fronteiras e as medidas de quarentena impostas por muitos governos em resposta à pandemia da Covid-19”, afirma o cardeal, mais de 300 mil marítimos estão atualmente confinados ao mar, com dificuldades nos contratos de trabalho que tiveram de ser prorrogados.

A Igreja Católica manifesta a sua solidariedade perante o que qualifica como “crise de emergência humana no mar”.

A rede mundial da ‘Stella Maris’, ministério da Igreja Católica, foi fundada nessa cidade escocesa, em 1920, contando hoje com mais de mil capelães e voluntários.

A Santa Sé anuncia que o ministério para as pessoas que trabalham e vivem do mar passa a ter uma única denominação, ‘Stella Maris’ (Estrela do Mar), nome ligado à devoção à Virgem Maria.

D. Philip Tartaglia, arcebispo de Glasgow, vai presidir uma Missa de ação de graças pelos 100 anos da ‘Stella Maris’, no domingo, pelas 15h00 (hora de Lisboa), com transmissão ao vivo, via streaming.

LS/OC

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