Igreja/Estado: Laicidade não é uma «fé» que limite o espaço das religiões

Fernando Catroga apresenta modelos de Republicanismo e fala em crise da «religião civil»

Lisboa, 20 Jan (Ecclesia) – O historiador Fernando Catroga defendeu hoje em Lisboa que a laicidade não se deve assumir como uma espécie de “fé” que limite a presença das religiões no espaço público.

“A laicidade deve ser uma plataforma que possibilite todo o tipo de fé”, não “uma fé”, disse o professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Intervindo numa sessão do seminário “Religião, Cristianismo e Republicanismo”, promovido pelo Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da UCP, Catroga lembrou que a laicidade não exige que se aponte para a necessidade de extinção das religiões.

Nesse sentido, aludiu a uma militância laica que queria acelerar a “descatolização” e depois provocou “efeitos contrários”, na I República em Portugal, após o 5 de Outubro de 1910.

Hoje, acrescentou o especialista, há um processo de secularização com mais força do que o “laicismo”, sem que isso signifique a “constatação da morte do religioso”, mas antes a percepção das suas “metamorfoses”.

Numa conferência sobre modelos de republicanismo, Fernando Catroga abordou a dimensão política da religião e a função “religiosa” da política, admitindo que “a religião civil também está em crise”.

“As religiões civis, em última análise, não podem prometer a salvação”, sublinhou, antes de destacar que a crescente “pluralidade de perspectivas” ameaça as “mitologias nacionais”.

Religião civil e educação nacional, prosseguiu, procuram “o homogéneo e o uniforme”, lidando mal com o dissenso e a multiculturalidade.

Para este especialista, a leitura histórica não deve confundir “República com democracia” e tem de atender às “várias interpretações da ideia republicana”, mesmo em regimes monárquicos.

Catroga manifestou-se contra a excessiva “factualização” da análise histórica, propondo uma “longa viagem” sobre o conceito de «República», a começar pela etimologia do termo, que não começa por se referir a um regime político, o que só acontece após uma “republicanização da «res publica»” («coisa pública», expressão latina que deu origem ao termo português «república»).

“República não nasce como sinónimo de democracia, mas para incorporar aquilo que seria o melhor da democracia”, ou seja, o facto de “o povo estar politicamente organizado e ter os seus representantes”, disse Fernando Catroga.

O professor da Universidade de Coimbra alertou, a este respeito, para uma ilusão “francocêntrica” que esquece a herança greco-romana e do humanismo italiano.

Mesmo na Revolução Francesa (1789), acrescentou, o termo «República» não significava uma forma particular de Governo, algo que aconteceria apenas numa fase posterior.

A “republicanização” portuguesa foi, segundo o historiador, muito “tributária do modelo francês”, centralista do ponto de vista político-administrativo, um sistema representativo que “hesitava muito em relação ao sufrágio universal”.

Diferente, segundo Catroga, é o “modelo americano” (EUA), com uma República não unitária, não confessional, descentralista e participativa.

Esta foi a penúltima sessão do seminário continuado promovido pelo CEHR da Universidade Católica ao longo de ano e meio, com o objectivo de reflectir sobre a problemática da República como facto “central para a mudança de Portugal”, referiu António Matos Ferreira, coordenador do grupo de investigação de História Religiosa Moderna e Contemporânea do Centro.

OC

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