Igreja: «As paróquias podem não ter padres, mas os hospitais e as prisões deveriam ter» – padre João Torres

Responsável há 17 anos pela realização do presépio de Priscos, que na sua construção e reabilitação acolhe reclusos, é também assistente dos Estabelecimentos Prisionais de Braga e Guimarães onde encontra, na noite de 24 de dezembro «homens trespassados pela tristeza, que voltam a ser pequenos»

Braga, 13 dez 2023 (Ecclesia) – O padre João Torres, coordenador da assistência aos Estabelecimentos Prisionais de Braga e Guimarães, disse que as paróquias poderiam “não ter pároco”, mas os “hospitais e as prisões deveriam ter um padre, e que não fosse um tarefeiro”.

“As paróquias podiam não ter pároco, mas um hospital e uma prisão devem ter obrigatoriamente um padre. E não pode ser um tarefeiro: tem que ser alguém que esteja ali de coração, porque são mundos que requerem tempo, requerem muito tempo”, explica o sacerdote da diocese de Braga, também responsável pelas comunidades de Priscos, Tandim e Guizante.

“Aqueles grandalhões, cheios de tatuagens e de fios, dentro de uma cela, ajoelhados a chorar como crianças? Os reclusos não choram à frente dos outros, não são capazes, mas choram à frente do padre. Nós precisamos de gente que esteja lá, precisamente por isso. Alguém que nunca entrou numa prisão, se entrar no dia 24 de dezembro, vai aprender uma lição para toda a vida: aqueles homens voltam todos a ser pequenos. Muitos deles já não têm pai nem mãe, já não tem ninguém que os espera, e há um rosto, trespassado pela tristeza, que corta a alma da gente”, acrescenta o sacerdote.

Desafiado, enquanto ainda seminarista a entrar num estabelecimento prisional, o padre João reconhece ter entrado num mundo onde não tem de fingir.

“Uma das coisas que me espantou é que o portão da prisão era verde. Então entrei, depois com todas aquelas ideias que nós temos na cabeça, «Ui, aqui há criminosos, isto vai ser terrível, não é?» Não tive nenhuma preparação, simplesmente fui. Quando lá cheguei encontrei olhos iguais aos meus. Era o sítio onde eu ia para descansar, para falar, para ter alguma paz interior e para encontrar gente sem hipocrisia. Já viu? E eu estava num seminário”, reflete.

O desafio que assume, enquanto assistente espiritual quando entra na prisão, é “falar com todos” e apontar caminho, mostrando que aquele tempo entre muros, “que servem apenas para quem está fora não reconheça que lá dentro há pessoas humanas”, é limitado e vai passar.

Ordenado sacerdote em 2003, o padre João Torres assume que foi em África, “terra sagrada”, onde foi convidado a escutar o vento, que descobriu como ser cristão.

Nós, sem o mundo dos pobres, dos que sofrem e que ao mesmo tempo têm esperança, não conseguimos conhecer Jesus. É impossível que alguém seja ordenado padre se nunca conheceu Jesus no mundo dos pobres. Vai ser um tagarela, vai dizer coisas que nunca viveu. Os pobres ajudam-nos a perceber quem é Jesus e porque é que Ele veio. E em África, isso entra dentro do peito e a ficamos completamente desarmados. E eu sou padre por causa disso. No dia em que eu descobrir que isso não faz sentido, eu deixarei de ser padre. Eu não sou padre para servir uma religião”.

O padre João Torres é responsável há 17 anos pela realização do presépio de Priscos – um presépio “diferente” que funciona durante 12 meses do ano, uma vez que acolhe reclusos que ali trabalham para reabilitar e sonhar o espaço, procurando a sua inserção na comunidade -gostaria de ver naquele local um “centro de espiritualidade”, um local “onde se fizessem mais perguntas”.

“Eu tenho a sorte de, numa das minhas comunidades, ter centro de escuta, que é um cheirinho daquilo que poderia ser um bom centro de espiritualidade, onde as pessoas vão à procura de alguma coisa: da essência delas próprias, à procura se calhar do Deus que perderam em algum episódio da sua vida; vão mastigar aquilo que a vida lhes deu ou aquilo que lhes aconteceu e o que é que elas fazem com isso; muitas vezes é um luto que não se consegue ultrapassar, muitas vezes é uma depressão constante, uma falta de sentido para viver, muitas das vezes são problemas familiares terríveis que não se conseguem resolver e é importante ter isso. Um centro de espiritualidade nunca seria um centro de certezas, seria sempre um centro de procuras, de perguntas”, indica.

A conversa com o padre João Torres pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e escutada posteriormente no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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