Igreja: Aprovação da eutanásia no Parlamento foi uma má decisão, afirmam bispos de Portugal

Dois dias após a votação da despenalização da morte a pedido, na Assembleia da República, as homilias das Missas de domingo nas várias dioceses reafirmam o valor da vida e apelam ao cumprimento da Constituição

Foto: João Lopes Cardoso

Lisboa 31 jan 2021 (Ecclesia) – Os bispos de Portugal afirmaram o valor da vida nas homilias das Missas deste domingo, manifestaram “tristeza e indignação” pela aprovação da eutanásia e apelaram ao cumprimento da Constituição da República Portuguesa sem “acomodações ou sofismas”.

O bispo do Algarve afirmou na homilia da Missa celebrada na Casa Episcopal que a aprovação da despenalização da eutanásia não é “um progresso mas um retrocesso cultural sem precedentes” e rejeitou aceitar que “a morte provocada seja uma resposta à doença e ao sofrimento”, tendo presente “todos os que vivem no mundo de dor, no mundo de sofrimento e não encontram nos cuidados paliativos a resposta à dor e ao sofrimento”.

“Esperamos que os que aprovaram esta lei se decidam a alargar a todo o território nacional uma rede de cuidados paliativos que seja resposta às necessidades que todos nós reconhecemos”, acrescentou o bispo do Algarve.

Em Aveiro, D.  António Moiteiro referiu-se à aprovação da eutanásia no Parlamento com “tristeza e indignação”, lamentando que os deputados tenham desenvolvido o processo legislativo “sem ter deixado que o povo português fosse consultado”.

“A eutanásia é condenável. Mas neste momento, em que vivemos um pico de uma onda tão mortífera da pandemia, é desajustado o momento e não podemos deixar de condenar tudo aquilo que vai contra a vida em si mesma”, afirmou o bispo de Aveiro, rejeitando que “a morte provocada seja resposta à doença e ao sofrimento”.

Na Arquidiocese de Braga, D. Jorge Ortiga afirmou que os deputados, ao aprovarem a lei da eutanásia no Parlamento, mostraram ter “medo do referendo”, seguir “ideias feitas” e optar pelo “caminho mais fácil”, esperando agora que o presidente da República garanta “uma réstia de esperança para que a vida continue a ser respeitada em todos os momentos, particularmente em momentos de debilidade”.

O arcebispo de Braga afirmou também na homilia da Missa que a aprovação da lei da eutanásia é “uma oportunidade” para pensar sobre os deputados que representam os cidadãos, lembrar que no “programa das eleições não constava esta preocupação por legislar apressadamente, neste tempo de tantas mortes e tantas preocupações sobre uma realidade tão sensível” e desafiou cada um a “ter a coragem” de não escolher apenas os deputados mas “acompanhar” o seu trabalho.

Na Diocese de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro lembrou todos os que continuam a lutar para “salvar vidas” e “dar sentido” à existência, “o sentido último da salvação, não apenas da saúde, mas da salvação integral” e, numa “travessia que continua difícil”, fez presentes todas as pessoas na Eucaristia.

“Rezamos por todas as famílias que mais sofrem neste tempo, por todos os defuntos da Covid-19, pelos que continuam a lutar e a trabalhar nos hospitais, nos lares, nas casas, nas famílias, para salvar vidas e a dar um sentido à nossa própria existência, continuando na atitude cuidadora de uns pelos outros”, afirmou D. José Cordeiro.

Em Coimbra, D. Virgílio Antunes afirmou que a humanidade continua a “precisar do dom da profecia” e sugeriu a indicação dos “melhores caminhos” para a sociedade atual a partir da experiência crente, de “forma serena e firme”.

Para o bispo de Coimbra, a fé na “vida eterna” só pode “levar a valorizar cada vez mais” a vida presente, “em todos os momentos e facetas”, e considerando o momento que é dado a viver, a cada um, sendo a vida “o maior dom”.

Na Diocese do Funchal, D. Nuno Brás desafiou cada um a acolher Jesus, que quer ser o autor e escrever com cada pessoa o livro de uma vida, lembrou os doentes, “de uma forma muito particular os que são vitimas da Covid-19”, e apelou aos cuidados necessários para conter a pandemia.

“Tomemos todas as precauções para que nada aconteça nem connosco nem através de nós, respeitando todas as indicações das autoridades de saúde”, afirmou o bispo do Funchal.

O cardeal D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, referiu-se à “urgência” da “saúde espiritual” no “tempo difícil” em que a humanidade está a sofrer “para manter alto e forte o ânimo, para viver o confinamento forçado pela lei e pelo respeito para com os outros com um sentido espiritual, e não apenas como algo que é imposto, forçado, para manter a resiliência face ao sofrimento e às dificuldades”.

“Se a pandemia afeta a alma, o nosso interior mais profundo, então a alma definha, perde a esperança e a coragem e cai no pessimismo e no fatalismo”, afirmou D. António Marto, deixando a proposta que o confinamento seja uma “oportunidade para valorizar e dar importância a determinados aspetos da vida”, tantas vezes descurados e descuidados.

No Patriarcado de Lisboa, o cardeal D. Manuel Clemente afirmou que a sede legislativa de Portugal “decidiu mal em relação à eutanásia, em relação ao cuidado da vida que todos merecem, em qualquer circunstância, da conceção à morte natural”.

Para o cardeal-patriarca de Lisboa, o Parlamento “não conjugou todos os elementos” que deveria ter presente no processo legislativo, nomeadamente a certeza médica de que, “face ao desespero, responde-se com companhia, convivência, com cuidados paliativos, quer técnicos quer pessoais”, as tomadas de posição contra a eutanásia de milhares de pessoas, individualmente ou representando ordens profissionais, e a constatação, noutros países, de que uma lei assim rapidamente se transforma em “rampa deslizante”.

D. Manuel Clemente considera que ainda é possível contrariar o processo legislativo, “quer pelo esclarecimento mais apurado”, “pela participação mais ativa na legislação”, nos apelos às “instâncias que ainda se têm de pronunciar”, pela “própria consciência que, na sua objeção, se deve ativar” e pelo respeito da Constituição da República Portuguesa que diz “taxativamente” no artigo 24 que “a vida humana é inviolável”.

“Os constituintes quiseram que o artigo ficasse assim, incisivo e direto, para que não fosse sujeito a acomodações ou a sofismas”, afirmou.

Em Setúbal, D. José Ornelas comentou o texto do Evangelho que é proposto para a Missa deste Domingo, desafiando cada um a tomar a sério “o Evangelho da libertação e da vida”, traduzido na atitude de “procurar o melhor, estar ao serviço de todos e não deixar ninguém sem a sua dignidade, a sua liberdade, saúde, vida e esperança”.

“Deixemo-nos libertar por Cristo. Ele quer-nos com saúde, quer-nos com alegria, com capacidade de viver, de cuidar, de servir, de sonhar, de esperar, mesmo quando a vida é difícil”, afirmou.

Na Diocese de Viseu, D. António Luciano disse que a aprovação da eutanásia pelo Parlamento, “em tempo de pandemia e de tantas infeções e mortes”, é um momento para lembrar aos governantes e a todos os cidadãos “o valor da vida, a sua dignidade e o respeito” que ela merece.

“Quando nos queixamos que estão saturados e em rutura os serviços públicos de saúde e privados, quando vemos ambulâncias em filas à portas dos hospitais para os doentes serem atendidos, quando vemos todos os esforços de médicos e enfermeiros e outros profissionais para dar aos doentes os melhores cuidados que são próprios do que é a medicina ou quando, por ventura, vemos a transferência de doentes para as ilhas ou a ser acolhidos por outros países, nós queremos dizer: somos defensores acérrimos da vida, desde o momento da conceção à morte natural”, afirmou D. António Luciano.

Na celebração das Eucaristias e no comentário à liturgia dominical foi também sublinhada a importância dos religiosos e das religiosas nas várias dioceses de Portugal, no contexto da Semana da Vida Consagrada, que se está a assinalar.

PR

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Agência ECCLESIA

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