Igreja/25 de Abril: Falta de escuta entre progressistas e conservadores continuar a impedir «aplicação» do Concílio Vaticano II – José António Santos

Jornalista recorda movimentos juvenis como «o espaço de liberdade» que juntavam todos «os homens de boa vontade», a «autenticidade» como marca dos assistentes espirituais e o papel «não submisso» de D. António Ribeiro perante o regime

Foto: Agência ECCLESIA/PR

Lisboa, 17 abr 2024 (Ecclesia) – O jornalista José António Santos disse à Agência ECCLESIA faltar hoje a capacidade de escuta, lacuna que conduz à rutura e impede que “progressistas e conservadores” se juntem para “aplicar os documentos do Concílio Vaticano II”.

“O ‘nós’ que se sentia na rua no 1.º de Maio, em que o Evangelho estava na rua, ficou refém de quem não tem a capacidade de escuta. Sem a capacidade de nos escutarmos entramos em rutura”, lamenta.

José António Santos, hoje aposentado, fez grande parte do seu percurso no Diário de Notícias e, a 25 de abril de 1974, estava no jornal, na secção dos correspondentes, tendo ficado ali retido até ao dia 1 de maio.

Jovem, juntamente com a esposa, participou no grupo ‘Circulo Juvenil’, um grupo de jovens que se reuniam na igreja paroquial do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, tendo como assistente o padre Albino Cleto, que viria a ser bispo auxiliar no patriarcado de Lisboa e em Coimbra.

Nós bebemos sofregamente os documentos do Conselho Vaticano II. Quando estudamos os documentos, queríamos pô-los em prática. Nós éramos contestatários porque o próprio movimento do Concílio Vaticano II foi um movimento contestatário da Igreja do seu tempo. E foi tão contestatário que a própria Igreja depois não aplicou o Concílio, a Igreja não estava preparada para acolher os ensinamentos do Vaticano II”.

Uma entrevista por ocasião dos 25 anos no patriarcado de Lisboa, D. António Ribeiro afirmava aos jornalistas José António Santos e Ricardo de Saavedra, que o Concílio Vaticano II não tinha sido posto em prática porque “progressistas e conservadores jogavam os documentos, uns contra os outros e não souberam ler e aplicar os documentos”.

O jornalista lamenta que hoje a situação persista.

Quando o Papa João XXIII convoca o Concilio Vaticano II e se dirige aos homens de ‘boa vontade’, os jovens sentem que a Igreja quer “abrir os braços ao mundo”.

“Estamos aqui dispostos a falar com todos. E a mensagem que temos para dar é para fazer caminho com todos desde que tenham boa vontade e queiram vir connosco. Não têm que pensar como nós. Temos que nos encontrar e conversar. E conversando podemos caminhar juntos”, sublinha.

José António Santos recorda que não esperavam apoio “explícito” da hierarquia – “Não estávamos à espera que o bispo fosse um porta-estandarte das nossas lutas”, recorda, porque o apoio dos assistentes dos movimentos juvenis ajudavam a fazer perceber que a exigência da fé que professavam se impunha na luta pela liberdade.

“Autenticidade é uma palavra que era muito própria da minha juventude e que agora se vê pouco. Autenticidade, revelada no pensar e no agir, que esteve na origem do gesto que levou a 106 subscritores escreverem ao Núncio apostólico a pedir que fosse D. Manuel Falcão a substituir o cardeal Cerejeira à frente do patriarcado de Lisboa”, recorda.

Os movimentos eram o “lugar de liberdade”, recorda o jornalista, um espaço plural de questionamento e procura.

Muitas pessoas aderiram aos movimentos da Igreja porque encontravam aí um espaço de liberdade. É verdade. O espaço onde eu me exprimi com muitos amigos e jovens da minha geração, aliás, essas pessoas não seriam o que foram se não tivessem esse espaço, se não fossem moldadas nesse ambiente. Er um ambiente de questionamento, um ambiente de procura, um ambiente de busca, um ambiente de grande ansiedade pela verdade. O interesse era comum, o objetivo era comum. Portanto, católicos, comunistas, agnósticos, extremistas, atuavam cada um ao seu jeito, mas com o objetivo comum que era, no fundo, libertação dos povos coloniais, fim à guerra colonial, democracia, liberdade”.

Apesar da carta dos 106 signatários, foi D. António Ribeiro que em 1971 substituiu o cardeal Cerejeira como patriarca de Lisboa, num pontificado que José António Santos indica “falar por si”, pois evidenciou em mais de 25 anos uma capacidade intelectual de leitura dos tempos e de fazer pontes.

O jornalista recorda o episódio em que o então cardeal patriarca de Lisboa se encontrou com Marcelo Caetano, pedindo-lhe que se retratasse quanto à existência do Massacre de Wiriyamu, em dezembro de 1972, que vitimou cerca de 400 pessoas, em Moçambique, e que o presidente do Conselho havia negado.

“D. António Ribeiro pediu uma audiência e perante as palavras de Marcelo que dizia que o Presidente do Conselho não se desmente, afirmou que os bispos portugueses poderiam escrever uma carta, para ser lida pelos párocos nas paróquias numa missa no domingo seguinte. Marcelo Caetano ficou enfurecido, disse que mandaria prender quem lesse as cartas e acabou abruptamente a reunião. Às vezes diz-se que a Igreja foi submissa e que andou de braço dado com o poder, mas com D. António Ribeiro não foi assim”, recorda.

José António Santos conta ainda que o patriarca de Lisboa foi redator de uma carta pastoral, por ocasião do 10.º aniversário da encíclica ‘Pacem in Terris’ do Papa João XXIII, em 1973, onde fala da “missão e competência da Igreja, dos direitos humanos fundamentais, da participação política e social, da participação e pluralismo na vida política”.

“Os documentos da Igreja não iam à censura; se a carta tivesse sido à censura muitos parágrafos do texto teriam sido proibidos mas os bispos tinham liberdade e os documentos da Conferência Episcopal não eram sujeitos a exame prévio”, acrescenta.

A conversa com José António Santos pode ser acompanhada esta noite na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

 

LS

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