Homilia do Cardeal Patriarca na Ordenação Episcopal de D. Joaquim Mendes

O ministério dos Apóstolos na Igreja que brota da Páscoa 1. Estamos a celebrar o segundo Domingo da Páscoa. As leituras bíblicas da liturgia de hoje já não põem no centro os acontecimentos da Páscoa de Jesus, a Sua paixão, morte e ressurreição, mas a vida da Igreja dos primeiros tempos. A seguir à ressurreição de Jesus, o mistério da Páscoa vive-se na Igreja, constituída por todos aqueles que acreditam em Cristo ressuscitado, se baptizaram e receberam o Espírito Santo. É na Igreja que o ministério dos Apóstolos, escolhidos por Jesus, se manifesta na sua plenitude de sentido: Cristo escolheu-os para a Igreja e por causa da Igreja. As leituras de hoje mostram-nos a importância do seu ministério na vida da Igreja nascente. Eles são testemunhas da fé. Esta ocupa um lugar central na Igreja como continuidade da Páscoa. A maior parte daqueles cristãos não tinham conhecido Jesus, na Sua vida terrena. Estão unidos a Ele, porque acreditam. É o que o Apóstolo Pedro diz na sua Carta:”A fé tem muito mais valor do que o ouro (…) Vós amais Jesus Cristo sem o terdes conhecido e, como n’Ele acreditais sem O verdes ainda, estais cheios de alegria” (1Pet. 1,8-9). Os Apóstolos são o fundamento desta fé, pois foram testemunhas da ressurreição. A dificuldade do Apóstolo Tomé em acreditar no testemunho dos seus irmãos é censurada por Jesus para que fique claro que a atitude mais importante que Ele espera dos seus Apóstolos na fase da Igreja, que então se inicia, é que sejam testemunhas da fé. Eles tornam-se decisivos na Igreja ainda por outra razão: é a eles que Jesus transmite o Seu poder salvífico: sacramentalidade da Igreja e ministério apostólico ficam indissoluvelmente ligados para sempre: “Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós. Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: recebei o Espírito Santo; os pecados ficarão perdoados àqueles a quem os perdoardes; e ficarão retidos àqueles a quem os retiverdes” (Jo. 20,21-23). O ministério apostólico é constitutivo da Igreja. O Concílio Vaticano II lembra-nos: “A missão divina confiada por Cristo aos Apóstolos é para durar até ao fim dos tempos, uma vez que o Evangelho que eles devem transmitir é, para a Igreja, o princípio de toda a sua vida, em toda a duração do tempo. Foi por isso que os Apóstolos tiveram o cuidado de instituir sucessores” (L.G. nº20). Os Bispos são estes sucessores e o colégio que eles formam sucede em poder salvífico, responsabilidade e missão, aos doze Apóstolos. Como aconteceu com Matias, que os doze agregaram ao colégio para ocupar o lugar vazio de Judas (cf. Act. 1,15ss), assim ao longo de toda a História da Igreja, os membros do Colégio Episcopal agregaram outros membros, sempre que as necessidades o exigiam. Para além da exigência da escolha acertada dos candidatos, feita com critérios a partir da natureza da missão, uma condição essencial é sempre garantida: que a sucessão apostólica nunca tenha sido interrompida. Só os autênticos sucessores dos Apóstolos podem agregar ao Colégio novos membros, que garantirão a continuidade do Colégio. Temos hoje a graça de viver um momento destes; pela ordenação episcopal, o Colégio dos sucessores dos Apóstolos agrega a si, com a autoridade do Papa, cabeça deste Colégio, um novo membro. Na sua simplicidade é um momento grandioso, na vivência do mistério da Igreja. É esse mistério de uma Igreja viva, continuamente a ser edificada com o poder do Espírito de Jesus ressuscitado que estamos a celebrar e não a pessoa humana do escolhido, que aceitou com fé e com humildade esta escolha e que vai exprimir essa aceitação humilde, prostrando-se diante de Deus enquanto a Igreja reza por ele. 2. A leitura dos Actos dos Apóstolos, que nos apresenta o modelo ideal da Igreja comunhão, acentua a importância do ministério apostólico no fazer da Igreja como comunhão de fé e de caridade. * “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos”. A Palavra de Deus é o fundamento da fé, preside ao início e ao crescimento da comunidade crente. O Bispo é, antes de mais, profeta, isto é, ministro da Palavra. Os Apóstolos instituíram os diáconos para o serviço da caridade, porque estão convencidos que “não convém que deixemos a Palavra de Deus para servir às mesas”. Eles devem dar prioridade à oração e ao serviço da Palavra (Act. 6,2.4). É esta que congrega a comunidade para a oração, sobretudo para a Eucaristia e a mobiliza para a caridade fraterna. Esta prioridade da Palavra no ministério apostólico, constitui o Magistério, isto é, o ensinamento autêntico da Igreja, que inculca nos crentes a consciência de que a Igreja é “mestra da fé”, a orienta no discernimento da vida cristã no seio da complexidade da vida humana. Este magistério é colegial e pessoal. O ensinamento do Colégio Apostólico, a que preside o Santo Padre é, hoje, difícil e decisivo, pois é a palavra autêntica a indicar à Igreja o caminho da fidelidade. Mas a abundância do Magistério do Colégio Episcopal e da sua cabeça, o Papa, não dispensa cada Bispo de ser ministro da Palavra, preservando no seu exercício a unidade da verdade. * “Eram assíduos à fracção do pão e às orações”. Só os Apóstolos podiam transmitir à Igreja o desejo de Jesus, manifestado na última ceia: “fazei isto em minha memória”. E os Apóstolos fizeram-no e transformaram-no no dinamismo decisivo da Igreja a fazer-se. Há-de ser assim até ao fim dos tempos: o Bispo congrega para a Eucaristia, dá-lhe a densidade da memória da Páscoa, acredita que nela a Igreja cresce, em número e em fidelidade. É hoje uma das principais responsabilidades de um Bispo: tudo fazer para que a Eucaristia seja o coração da Igreja, salvá-la como mistério de fé, torná-la na experiência inevitável e contagiosa da comunhão fraterna. É a partir da Eucaristia que ele se torna pedagogo da oração, rompendo caminhos num ambiente laicista e de indiferença, para a adoração, para o encontro dos homens com Deus. A oração é um meio poderoso para tornar Deus presente na vida dos homens. Nos nossos dias o Espírito tem enriquecido a Igreja com uma grande variedade de caminhos de oração. Compete ao Bispo o discernimento da autenticidade desses caminhos e de os acompanhar em ordem à edificação da unidade da Igreja, na pluralidade dos dons. 3. Referindo-se ao ministério dos Apóstolos nas primeiras comunidades cristãs, o texto dos Actos acrescenta: “todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as necessidades de cada um” (Act. 2,44-45). É missão do Bispo presidir à caridade, em todas as suas expressões, e também na partilha de bens. Dimensão complexa no mundo de hoje, até porque dentro da Igreja se reflectem as grandes clivagens da sociedade, em que alguns vivem na abundância e outros não têm o mínimo necessário. A preocupação social é, hoje, de toda a sociedade, e particularmente, de quem a governa, para que no seu crescimento harmónico se reduzam essas diferenças. O contributo da Igreja é, sobretudo, esse: de cultivar no coração dos cristãos o desejo de partilha. Esta exigência da partilha alarga-se, hoje, ao horizonte da humanidade. Todos os pobres, em qualquer parte do mundo, são nossos irmãos, embora devamos ter uma atenção primeira para com os nossos irmãos na fé, membros da mesma comunidade, e que vivem com carência do necessário. 4. Um novo Bispo é sempre sinal da perenidade da Igreja, manifestação da solicitude de Cristo, Bom Pastor, pela Igreja que brota da Sua ressurreição. Recebamos este dom em acção de graças e na alegria pascal. Mosteiro dos Jerónimos, 30 de Março de 2008 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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