CEP em balanço

D. Carlos Azevedo, Secretário da CEP, passa em revista o último triénio, do referendo ao aborto à regulamentação da Concordata, passando pela visita Ad Limina De 31 de Março a 3 de Abril decorre, em Fátima, a Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que marca o fim do triénio iniciado em 2005, sob a presidência de D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga e tendo como eixo dos trabalhos do episcopado o tema da transmissão da fé. Em entrevista ao Programa ECCLESIA, D. Carlos Azevedo, Secretário da CEP, passa em revista estes anos de trabalhos, desde o referendo ao aborto à regulamentação da Concordata, passando pela visita Ad Limina, em Novembro de 2007. ECCLESIA (PE) – O tema da transmissão da fé esteve presente em todas as assembleias plenárias. A que conclusões chegaram os Bispos? D. Carlos Azevedo (CA) – O tema foi uma novidade deste triénio, tentámos que houvesse algo transversal em todas as sessões, para que se aprofundasse um tema. Achámos que o tema essencial para a Igreja em Portugal era o da transmissão da fé, delineámos um programa, que foi cumprido e agora vamos chegar a algumas conclusões que, possivelmente, daremos a conhecer às comunidades cristãs. Depois, cada Bispo na sua diocese foi fazendo uma reflexão. Tentámos que fosse uma equipa a preparar, sempre, o texto base para essa reflexão. E – Que percurso foi feito? CA – Começou-se na iniciação cristã, pois achámos que isso era o tema essencial, antecedido pelos modelos culturais que presidem a uma transmissão, procurando ver os vários modelos que estiveram em presença na história da Igreja. Depois começámos a debater o tema da iniciação cristã, da formação dos leigos, foi feito um levantamento muito proveitoso das escolas que existem em cada diocese e chegámos a algumas constatações muito positivas da realidade. É possível lançar uma formação mais consistente dos leigos. E – Essas conclusões não passaram para o público… CA – A CEP não é um órgão de decisão nem de acção, mas de comunhão, onde se debatem os temas. E – Seria vantajosa a existência de programas nacionais para a formação da fé? CA – Neste triénio houve a saída de novos catecismos, uma oferta com tradição, mas queríamos chegar também à questão da espiritualidade e da Doutrina Social da Igreja. Queremos que todo o Povo de Deus possa ser formado espiritualmente, com secretariados diocesanos de espiritualidade, eventualmente. Esperamos também que a nova encíclica de Bento XVI seja um estímulo para que se transmita a fé no ponto de vista da incidência política, económica, as realidades sociais, no fundo. E – O processo que levou à elaboração de novos catecismos não foi excessivamente demorado? As linguagens para a transmissão da fé são as mais adequadas? CA – Foi um processo com alguma lentidão, porque houve várias equipas e talvez o método escolhido não fosse o mais ágil, houve pouca centralização e às vezes isso traz alguns benefícios. Mas a actual Comissão Episcopal pegou no assunto e os catecismos estão a sair com bastante regularidade. As linguagens tentam ser adaptadas, mas o principal são sempre os transmissores e eles são os catequistas. Aqui batemos outra vez no mesmo ponto: a formação de cristãos, de discípulos de Jesus. Só teremos bons transmissores se os prepararmos e esse é o papel das comunidades cristãs: então vemos como é que as famílias, a escola – temas que também nos ocuparam neste quadro – estão preparados para transmitir a fé. Análises nacionais E – Na última assembleia plenária (Novembro de 2007), em Roma, foi referido que os relatórios quinquenais elaborados para a visita Ad limina seriam enviados para o Gabinete de Estudos Pastorais. Isso foi feito? CA – Vamos ver agora, porque aí foi desejado que isso se fizesse, mas não houve uma decisão formal, o assunto não foi votado. E – E haveria vantagens? CA– Penso que sim, dado que é um trabalho que cada diocese faz, de análise de cinco anos da sua actividade. Seria útil que uma equipa o pudesse conhecer, para daí poder tirar algumas conclusões, mas o importante é que o discurso do Papa veio ao encontro da nossa própria reflexão sobre a transmissão da fé. E – Que objectivos tem este Gabinete de Estudos Pastorais? CA – Este Gabinete tem estado sem funcionar e tentámos que funcionasse neste triénio, mas ainda não se conseguiu. Veremos que seguimento se dá, para criar uma equipa que possa fazer avançar este projecto, que é muito importante. E – A ideia seria fazer análises nacionais, programas de conjunto? CA – Sim e reflectir sobre algumas temáticas que preocupam, é preciso alguém que aprofunde os problemas pastorais para que depois se possam ter decisões mais fundamentadas. Concordata em espera E – O processo de regulamentação da Concordata, em passo lento, tem dificultado a presença da Igreja Católica em determinados contextos? CA – Tem sido difícil, porque a Concordata foi aprovada em 2004 e depois veio a mudança de Governo e, por isso, o processo começou outra vez, escolhendo pessoas, fazendo contactos, até que cada ministério implicado na regulamentação estivesse consciente das dificuldades. Depois veio a presidência portuguesa da UE, no segundo semestre do ano passado e tem havido muitas razões, por parte do governo, para atrasar constantemente essas decisões. Dado que existe uma Lei da Liberdade Religiosa, alguns ministérios esquecem que há uma Concordata e aplicam apenas essa Lei, como se ela fosse aplicável, que não é: a Lei da Liberdade Religiosa aplica-se às confissões religiosas, mas não à Igreja Católica. Tem havido algumas dificuldades e incompreensões, mas foi-nos prometido que neste primeiro semestre esses assuntos seriam tratados. E – E é visível esse trabalho em curso? CA – Sim, nalguns sectores há sinais de que vamos avançar. Relativamente às Capelanias Hospitalares, que é o mais sensível, mesmo na comunicação social, foi o sector onde se avançou mais, há um regulamento praticamente aprovado, negociado com a Conferência Episcopal, mas agora mudou o ministro. Esperemos que não atrase o processo, até porque o tipo de regulamento da saúde poder servir para outros lugares onde há assistência religiosa. E – Neste processo, houve unidade por parte da Igreja? CA – Penso que há sensibilidades diferentes, isso é saudável, não sobre o papel da Igreja na sociedade, mas sobre a estratégia a utilizar no diálogo com o governo. Essas sensibilidades são coadas numa atitude única, que é assumida como a da Conferência Episcopal. Igreja não perdeu referendo E – O resultado do referendo sobre o aborto foi uma derrota para a Igreja Católica? CA – Eu penso que é uma derrota para os valores humanos se as pessoas não virem nessa lei apenas uma ajuda para situações extremas. Houve um engano dos apoiantes do aborto, ao fazer passar para a comunicação social a ideia de que eram contra esta prática, que o recurso ia ser muito limitado, que iria haver mecanismos que ajudariam as pessoas a pensar, isso depois não foi feito, o aborto foi facilitado como prevíamos que fosse. Este momento foi muito importante porque houve muitos grupos, de todo o país – e isso foi novo – que se movimentaram em favor de uma causa, que não é uma causa que dê votos, mas humanitária, do bem das pessoas, do defender a vida sem outros interesses, E – Que consequências tiraram daqui os responsáveis da Igreja Católica em Portugal? CA – Mais uma vez, vimos que o sistema de valores que consideramos como o nosso corpo doutrinal não é aquele que a maioria da sociedade portuguesa assume. Há uma atitude de vida das pessoas que não segue uma conduta de valores cristãos. Verificarmos isso é responsabilizador. E – E basta verificar? CA – Também aqui a Conferência Episcopal ajuda a pensar. Hoje o grande repto que é feito à Igreja, nesta fase do pós-moderno, é perceber quais são os desafios que se colocam à evangelização: se nós continuarmos a pedir às pessoas comportamentos que elas não vivem no concreto da sua existência, se a pregação passa por cima das cabeças e sai pela porta do fundo da igreja ou se há, de facto uma conversão de critérios. Isto obriga a pensar e repensar o nosso estilo de evangelização, o que nos leva de novo ao que nos pediu Bento XVI e à questão da transmissão fé. Os grandes temas – a família, a sexualidade, a democracia – são vistos pela Igreja ainda com alguns critérios baseados numa filosofia neotomista, que não colam com uma mentalidade pós-moderna. É preciso entrar nesta linguagem, com aquilo que é o nosso sistema de valores, para usarmos o método que ponha as pessoas a pensar. (Esta entrevista será transmitida no Programa Ecclesia desta Segunda-feira, 31 de Março, pelas 18h30, na RTP2) Dossier AE • Conferência Episcopal Portuguesa

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top