Homilia do Bispo Emérito de Bragança-Miranda na Vigília Pascal

Sábado Santo – Vigília Pascal

Catedral de Bragança, 21h00

Homilia de D. António Montes Moreira, Bispo Emérito de Bragança-Miranda

 

Sábado Santo – Vigília Pascal

A Vigília Pascal é a mais importante de todas as celebrações do Ano Litúrgico. Na sugestiva formulação de Santo Agostinho, é a «mãe de todas as santas vigílias», na qual fazemos memória da noite em que o Senhor ressuscitou.

1.Na primeira parte da Vigília – o Lucernário ou Liturgia da Luz – benzemos o lume novo e acendemos nele o Círio Pascal, símbolo de Cristo ressuscitado. No Círio foram gravadas a primeira e a última letras do alfabeto grego, Α e Ω, a anunciar que a Cristo pertencem o tempo e a eternidade: ontem, hoje e sempre. O Círio foi aclamado como luz de Cristo e trazido para junto do altar onde ficará como sinal da presença de Cristo. Entretanto, entoou-se o jubiloso texto do Precónio Pascal, que canta a  claridade desta noite iluminada pelo fulgor de Cristo na sua ressurreição.

  1. A segunda parte da Vigília foi a Liturgia da Palavra. Das sete leituras possíveis do Antigo Testamento,  assinalando todas momentos altos da História da Salvação, escolheram-se três mais significativas.

       2.1. A primeira é o belo texto da narrativa sacerdotal da Criação, que serve de pórtico ao primeiro livro da Bíblia, o Génesis. Não faz parte dum tratado de ciências naturais. É uma construção literária que, refletindo a cosmogonia do tempo em que foi escrita, transmite uma mensagem religiosa muito diferente da mundividência então dominante. Mais importante que a roupagem literária é a mensagem doutrinal do texto: a afirmação do monoteísmo (contraposto à explicação politeista da criação como se os vários seres tivessem sido obra de divindades distintas e até concorrentes) e a proclamação da bondade da criação (rejeitando os mitos da divinização da natureza e também o seu contrário, a diabolização maniqueia, como se a criação tivesse sido obra de divindades maléficas ou fosse ela mesma personificação do mal). Neste relato da criação – que foi esquematizado em seis dias para dar relevo à santificação do sétimo, o dia do descanso de Deus – nos cinco primeiros dias a conclusão é: «Deus viu que isso era bom» (Gn 1, 10, 12, 18, 21 e 25). Terminada a criação com o aparecimento do género humano, o estribilho de louvor sobe ao patamar do superlativo: «…era tudo muito bom» (Gn 1, 31). A criação é a primeira maravilha de Deus.

       2.2. A segunda leitura, redigida em estilo épico, grandiloquente e hiperbólico, narra a libertação do povo hebreu do cativeiro do Egito e a travessia do Mar Vermelho a pé enxuto. Este acontecimento do século XIII antes de Cristo constitui o elemento referencial da Páscoa judaica. Mas essa libertação, conforme rezámos na oração correspondente, foi símbolo antecipador do nosso renascimento nas águas do batismo.

       2.3.  A terceira leitura – tirada do profeta Ezequiel, que viveu no exílio de Babilónia, no século VI antes de Cristo – assinala outra etapa das maravilhas de Deus com um reconfortante apelo à renovação: «Derramarei sobre vós água pura e ficareis limpos  de todas as imundícies… Dar-vos-ei um coração novo… Arrancarei do vosso peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne» (Ez 36, 25-26).

       2.4.  O Antigo Testamento foi anúncio e prefiguração do Novo, onde encontrou a sua plenitude. Aqui a grande maravilha foi a ressurreição de Jesus, proposta  na quinta leitura e neste ano A proclamada segundo o evangelho de S. Mateus  (Mt 28,1-10). A ressurreição de Jesus foi a passagem (páscoa, em hebraico, significa passagem) da sua humanidade glorificada para o seio da Santíssima Trindade.

       Para celebrar condignamente a ressurreição de Cristo, nós devemos viver em estado de ressurreição, como pede S. Paulo na quarta leitura da Vigília: «Considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus» (Rm 6, 11). E ainda: «Todos os que fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte» (Rm 6,3).

       Esta é uma referência à prática antiga do Batismo por imersão. Imergir na água significa sepultar o pecado, o homem velho, como escreve S. Paulo na mesma carta (Rm 6, 6). Emergindo, o neófito levanta-se da água totalmente renovado pela graça de Deus. O Batismo é deste modo sepultura e renascimento, abandono do pecado e adesão à vida nova em Cristo, ao homem novo. Por isso, a Vigília Pascal incorporou também a dimensão batismal.

  1. Dentro de momentos passaremos à terceira parte da Vigília Pascal, a Liturgia Batismal com  renovação das promessas batismais e, este ano,  celebração do Batismo.

Apresentam-se ao Batismo quatro jovens adultos que receberão também os sacramentos da Confirmação e da Eucaristia. Caros Amigos Chivluquia, Isabel, Maira e Tumique: a comunidade católica de Bragança acolhe-vos com alegria e reza pela vossa fidelidade e perseverança. A partir de agora Cristo é a luz da vossa vida e a Igreja, a vossa casa.

Em seguida, vamos todos renovar as promessas do nosso próprio Batismo. As perguntas que vos farei são as mesmas do vosso Batismo e vêm já do século III. Tal antiguidade manifesta a continuidade da fé cristã ao longo dos tempos, à qual desejamos ser fiéis no Nordeste Transmontano do século XXI.

         Tocamos aqui um ponto sensível da nossa pastoral: a revalorização do Batismo. Há que superar a tendência a fazer do Batismo um acontecimento social e uma festa de família. Também é isso; mas é isso por ser em primeiro lugar adesão pessoal a Jesus Cristo e incorporação na comunidade eclesial.

Finalmente, segue-se a quarta e última parte da Vigília Pascal: a Liturgia Eucarística, na forma do costume.

        Antecipando a bênção final própria desta solenidade, pedimos ao Senhor que, celebrando a Páscoa de 2023, Ele nos conceda a bem-aventurança da Páscoa eterna.

         Neste espírito, para todos vós e vossas famílias os meus votos cordiais de Santa Páscoa na alegria de Jesus ressuscitado.

Catedral de Bragança, 8 de abril de 2023

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