Homilia do Bispo do Porto no início do ano pastoral 2008-2009

Amados irmãos e irmãs, caríssimos diocesanos Abrimos o novo ano pastoral com a celebração festiva da Dedicação da nossa Catedral do Porto. Permite-o o calendário, neste dia 9 de Setembro, e sugere-o a liturgia própria, tão rica e motivadora. Dedicar um templo, ainda mais episcopal, é significar a Igreja, também ela “corpo” de Cristo no mundo, enquanto participamos pelo Espírito no seu mistério pascal. Século após século, proclamou-se aqui uma Palavra, celebraram-se os seus Sacramentos, estreitou-se tal comunhão, que, qual fonte transbordante, a vida de Cristo se alargou e alarga num “corpo” de testemunhas para a cidade e além dela. Como sabemos, o presente ano pastoral pretende o crescimento de todos e de cada um na corresponsabilidade para a missão, preparando com São Paulo a missão diocesana de 2010. Neste templo matricial de todos os outros da nossa Diocese recomeçamos nós agora, para a actividade de sempre: actividade do Espírito que, em Cristo, nos dedica ao Pai; actividade do Espírito que, a partir do Pai, nos oferece com Cristo ao mundo. Com a vossa presença geral e específica, de um novo vigário geral da Diocese, de novos vigários da vara e adjuntos e de professores de Educação Moral e Religiosa Católica, deter-me-ei em dois pontos que considero prioritários. Enuncio-os assim: comunidade e cultura. Dizer comunidade é dizer Igreja, em cada uma das suas concretizações sócio-pastorais, paróquia, congregação ou grupo. Não há outro modo de crescer em Cristo, nem de experimentar normalmente a sua vida ressuscitada e ressuscitadora, primeiro e constante objectivo de tudo quanto façamos como Igreja. A Igreja existe para que a Páscoa de Cristo seja anunciada, celebrada, convivida e oferecida, o que acontece precisamente na comunidade cristã. Tempos houve em que a comunidade cristã contrastaria “de mais” com um mundo que a rejeitava, como acontece ainda onde não há liberdade religiosa, nem critério cristão. Sucederam-se outros em que o faria “de menos”, quase se resumindo à pretensa sacralização dum mundo que até desistia de se converter… E não é difícil apurar como ainda persistem, sob aparências cristãs, resquícios vários daquela religiosidade arcaica que já resistiu a Cristo e à sua Páscoa libertadora. Não andaria longe disso o que Cristo encontrou em Jerusalém, como ouvimos: religiosidade intensa, decerto, mas muito por purificar, no culto verdadeiro que Ele mesmo representava. Tendo purificado energicamente o templo e logo interpelado sobre a legitimidade de proceder assim, respondeu: “Destruí este templo e em três dias o levantarei”. E o evangelista esclarece: “Jesus falava do templo do seu corpo” (cf. Jo 2, 13-22). Inaugurou o templo novo, casa comum de Deus com os homens, no seu corpo ressuscitado, corpo eclesial também, para adorar o Pai e servir o próximo. Deste templo novo é “sacramento” a Igreja, em cada uma das suas expressões comunitárias. Mas nisto mesmo encontramos a grande urgência pastoral de redefinir e reconfigurar a vida comunitária, dada a nova sociologia geral em que tem de assentar. Leiamos as cartas de São Paulo ou os Actos dos Apóstolos: de Jerusalém a Roma, de Antioquia a Corinto, tratava-se de terras definidas e populações concretas, mesmo que não faltassem deslocações de pessoas e famílias, por comércio ou outras causas. A essas cidades corresponderam Igrejas, com semelhante definição. Seguiu-se a dispersão rural do medievo e a crescente proliferação paroquial. Inversamente, a actual concentração urbana, tão patente na nossa Diocese, com as novas redes de habitação, trabalho e comunicações, traz-nos uma situação muito diferente, que ainda não teve a necessária resposta pastoral, em termos comunitários e, muito especialmente, inter-comunitários. Todos o sentimos, quer porque põe em causa o nosso modo tradicional de trabalhar, muito repartido pela geografia, quer porque distende os laços de proximidade proporcionados pelas antigas vizinhanças fixas e prolongadas. Hoje, muitos dos nossos paroquianos são realmente inter-paroquianos, e até “urbanos de semana, rurais de fim-de-semana e litorais de Verão”, em tantos casos. Hoje, numa sociabilidade nova em que as convicções se assumem ao sabor de encontros, talvez mais até do que por tradição doméstica ou local, a comunidade dilui a base territorial para ganhar contornos inter-pessoais, de movimento ou grupo. Hoje, a transmissão de noções e a partilha de notícias alcança, com a rede informática, ritmos e âmbitos muito pouco situados em termos tradicionais… – Como concretizar então a imprescindível experiência comunitária, essencial à (con)vivência cristã propriamente dita? – Como fazê-lo sem perder nada de essencial da realidade paroquial nem de outras formas associativas tão bem comprovadas? – Como inventar o futuro sem alhear o passado, e isto com crescente dificuldade em garantir às comunidades cristãs uma presença sacerdotal que, aliás, elas também não originam suficientemente? Sim, irmãos e irmãs, os números são o que são e, a curto prazo, teremos menos padres e menos celebrações eucarísticas, em menos locais. Ninguém se iluda, alheie ou adie, quanto a esta certíssima realidade. Aliás, há sinais de esperança, quer no aumento de pré-seminaristas e seminaristas, quer na colaboração generosa dos religiosos na vida diocesana, quer nos muitos e promissores candidatos ao diaconado permanente. Mas só se concretizarão a médio prazo e temos de crescer muito na oração e no interesse pelas vocações, não só no respectivo serviço diocesano mas, antes de mais, nas famílias e nas comunidades cristãs. Pois bem, caríssimos vigários e adjuntos, é convosco que conto particularmente, agradecendo-vos muito a disponibilidade com que aceitastes esta importantíssima missão. Numa Diocese tão preenchida como a nossa, é absolutamente necessária a realidade intermédia das vigararias, como instância privilegiada de coordenação pastoral, primeira tarefa que o Código de Direito Canónico vos comete. Um bispo diocesano – mesmo que generosamente auxiliado por três irmãos no episcopado, dois vigários gerais e a cúria diocesana – é pouquíssimo, em termos de eficácia pastoral, para responder realmente a uma população de mais de dois milhões de habitantes, com uma rede de 477 paróquias e um sem fim de associações e grupos. Antes de ser um item da Doutrina Social da Igreja, a subsidiariedade é uma exigência bíblica e pastoral. Assim aconteceu sobretudo com Cristo, quando escolheu apóstolos e outros colaboradores, para repartir a missão. Valorizar as vigararias inclui-se verdadeiramente aqui, para que a pastoral, territorial e não só, tenha mais fecunda concretização nos conjuntos de paróquias que agora as integram. Sobretudo, para se avançar na partilha pastoral e na acção conjunta de padres seculares e religiosos, diáconos, consagrados e leigos. Conto muito convosco, caríssimos vigários e adjuntos, para motivardes os vossos colegas sacerdotes e o Povo de Deus em geral das vossas áreas, para uma vida eclesial mais autêntica, como “corpo de Cristo”, diversificado e complementar nos seus membros, mas presente e actuante num mundo que já não consente compartimentos estanques, nem social nem culturalmente falando. Tudo quanto poderdes fazer e fomentar inter-comunitariamente responderá melhor à actualidade e antecipará um futuro tão inevitável como promissor. A alusão cultural orienta-me agora para vós, estimados professores de Educação Moral e Religiosa Católica, que quisestes estar presentes nesta celebração inaugural do novo ano pastoral e também escolar. Nos termos da Epístola aos Efésios, assentais em Cristo, qual “pedra angular” (cf. Ef 2, 19-22), quer vós quer o ensino que ministrais. Na cultura actual – como naquela a que São Paulo se dirigia – o vosso contributo reside precisamente aí, na transmissão de Cristo como pessoa viva, onde as existências podem encontrar a força e a solidez certíssimas da companhia que não falha e da luz que não se apaga. Nas vossas aulas e outras actividades proporcionareis a todos o que vos foi e é proporcionado a vós mesmos, neste corpo eclesial de Cristo em que vos integrais: a sua presença ressuscitada, o sentido pascal da vida, só acrescentada e renovada na medida em que se entrega, na adoração divina, que liberta o coração, e no serviço do próximo, que nos realiza como pessoas. Não há assunto nem tema, das ciências às humanidades e às artes, que não possais aprofundar com os vossos alunos, à luz da pessoa, das palavras e dos gestos de Jesus de Nazaré, o nosso Cristo. Com isso não fareis nenhuma intromissão abusiva na laicidade da escola pública, ou em detrimento da tolerância e do pluralismo. Muito pelo contrário, proporcionareis aos vossos alunos o conhecimento existencial e teórico da realidade mais fundamental e fecunda da nossa tradição cultural, cuja ausência truncaria ilegitimamente a sua caminhada pessoal, em liberdade instruída e solidária. A liberdade e o pluralismo não se restringem, antes enriquecem, postos diante de Alguém tão excepcional como Cristo, em si mesmo e na sua larga e reconhecida consequência cultural e civilizacional. Caros vigários e adjuntos, caros professores e demais fiéis aqui reunidos. Na companhia de Nossa Senhora da Assunção, titular desta catedral, e de São Paulo, cuja vida e ensinamentos hão-de motivar intensamente o tempo que vivemos, iniciemos então o novo ano pastoral de 2008-2009. Na incumbência eclesial de cada um, manifestemos a presença do templo vivo que Cristo ressuscitado eleva no mundo, no poder do Espírito, para a felicidade de todos e glória de Deus Pai! Porto, 9 de Setembro de 2008, Solenidade da Dedicação da Igreja Catedral + Manuel Clemente , Bispo do Porto

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