Homilia do bispo do Porto na celebração da Paixão

Foto João Lopes Cardoso/Diocese do Porto, D. Manuel Linda

O Filho do Homem

Homilia na Paixão do Senhor de 2020

 

Habitualmente, quando nos referimos a Jesus, temos em mente a sua qualidade de “Filho de Deus”. E fazemos bem, porque O é. Foi assim, por exemplo, que O descobriram duas personagens improváveis: a mulher de Pilatos, que O tem por “Justo” (Mt 27, 19) e o Centurião do Calvário, o qual, a partir do que observa, confessa que “Ele é verdadeiramente o Filho de Deus” (Mc 15, 39).

Porém, a partir deste longo relato da Paixão, mais aflora à nossa mente a noção do “verdadeiro homem”, do Credo, ou do “Filho do Homem”, da cristologia. Parece mesmo ser esta a vontade do Evangelista S. João, a testemunha ocular que de mais perto acompanhou todos estes acontecimentos. Chama-lhe a atenção a liberdade com que Jesus aceita este abaixamento à condição humana e antevê nisso o requisito indispensável para que essa mesma condição humana, a de todos nós, possa ser associada ao triunfo do “Servo sofredor” e, reconciliada com Ele, elevada à presença do Pai.

Sim, só descendo aos limites mais baixos do humano é que o Senhor pode elevar a pessoa sem nada deixar de fora. Não eleva somente a parte visível da árvore, mas as próprias raízes para que possa ser “árvore da vida” (Gn 2, 9), como já tinha sido prometido no princípio da humanidade. Desta forma, aquele caminho do Calvário que parecia trágico e sem saída, mudou a vida e a história do homem e abriu passagem para uma tal novidade de salvação que só pode ser descrita como “novos céus e nova terra” (Ap 21, 1).

É a partir desta visão que se compreendem as leituras de hoje. De outra forma, pareceriam provocatórias. A primeira expressão que ouvimos dizia assim: “Vede como vai prosperar o meu servo: subirá, elevar-se-á, será exaltado”. Se não fosse em perspetiva da assunção da nossa condição humana e sua elevação para a glória do Pai, poder-se-ia falar em «prosperidade» do Calvário? Ou, como vamos fazer, daqui a pouco, poderíamos cantar “pela cruz veio a alegria ao mundo inteiro”? Veio a alegria porque da aniquilação do Redentor nasceu um povo, a Santa Igreja, de convocados para Deus e para a Sua glória.

É este o motivo do nosso otimismo. Não estamos sós. O Redentor juntou às suas as nossas tribulações e dificuldades e, na sua história, fornece-nos a certeza de que elas se encaminham, de forma que ninguém poderá fazer parar, para a alegria da Páscoa, para a glória da vida plena que vai chegar.

Sim, vós os atingidos pelo coronavírus e familiares: mesmo que O não vejais, o Senhor está em vós e connosco e faz suas as vossas aflições. Sim, famílias que sofreis dificuldades económicas, sociais e até, porventura, de pão, e a quem o confinamento em casa cria instabilidade emocional: o Senhor também entrou em vossa casa, conhece e transformará o vosso sofrimento. Sim, admirados profissionais da saúde, das forças de segurança e socorro e trabalhadores dos nossos lares de velhinhos que, em qualquer circunstância já dais tanto e, agora, dais muito mais do que seria lógico pedir: não é com doentes anónimos que lidais, mas é verdadeiramente à pessoa de Jesus Cristo que curais as feridas e elevais o ânimo. E Ele, como paga, assume, também, as vossas angústias e dores e coloca no vosso coração a serenidade do dever cumprido.

Para todos, invoco a Sua bênção por intermédio da Senhora das Dores, a Mulher forte que com o seu Filho sofreu, mas com Ele vive, agora, na glória do Pai.

+ Manuel Linda

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