Homilia do Bispo do Funchal no Domingo de Páscoa

Foto: Jornal da Madeira/Duarte Gomes

1. A leitura que acabámos de escutar, retirada do Evangelho segundo S. João (Jo 20,1-9), sublinha de modo particular o verbo “ver” (βλέπω): Maria Madalena viu a pedra retirada do sepulcro; o discípulo amado “viu as ligaduras no chão”; e Pedro, depois de entrar no sepulcro, “viu as ligaduras no chão e o sudário”.

Ao sublinhar o “ver”, o evangelista quer dizer-nos que não nos encontramos perante um sonho, um desejo, a imaginação de alguém, mas diante de um acontecimento, diante da verdade de um facto histórico — tão histórico que pode, por isso, ser visto.

Mas, nesse início de manhã (era “ainda escuro”), aquilo que os discípulos viram foram apenas sinais: a pedra que faltava na porta do sepulcro, e o próprio sepulcro sem o corpo de Jesus. Viram também as ligaduras e o lençol, usados para envolver o corpo do Crucificado, deixados, abandonados no chão.

Só depois destes indícios, Maria Madalena se há-de encontrar com Jesus, mas ainda sem o reconhecer (tão impensável era o sucedido, e dado que o Senhor se mostrava agora com o seu corpo glorioso), julgando que era o jardineiro. E, nessa tarde, o próprio Ressuscitado se há-de fazer ver, manifestar-se, ultrapassando paredes e portas fechadas, e ultrapassando o próprio medo que os acontecimentos tinham causado nos discípulos (obstáculo bem maior que as portas fechadas duma sala). É o ver, mais que real, que a fé nos oferece.

Por agora, Maria Madalena, João e Pedro são apenas confrontados com indícios da ressurreição — indícios da vida nova, própria de Jesus ressuscitado.

Apenas João, o “discípulo amado”, é capaz de relacionar estes indícios com aquilo que Jesus lhes tinha anunciado durante a sua vida pública, e com a própria Escritura. O texto do evangelho diz que ele “viu e acreditou”: viu os sinais, deixou que fossem iluminados pela Sagrada Escritura e pelas palavras do Senhor, e acreditou. Percebeu a realidade da fé e o mundo novo que ela abre diante de nós!

2. Os acontecimentos vividos naquele dia são únicos, irrepetíveis. Destes acontecimentos e do dinamismo da fé que eles fazem nascer, vive ainda hoje a nossa vida de crentes: acreditamos porque os discípulos, depois de confrontados com o túmulo vazio, viram o Senhor ressuscitado, e acreditaram em primeiro lugar. A nossa fé alimenta-se deste testemunho apostólico, passado de geração em geração, até aos dias de hoje, dois mil anos depois. Mas alimenta-se dele porque aqueles acontecimentos nos fazem descobrir uma realidade presente: porque nos fazem descobrir, no meio de nós, o Senhor ressuscitado, connosco, a dar-nos a vida!

Por isso, devemos também nós questionar: que sinais temos hoje da ressurreição de Jesus? Que podemos também nós ver, com os nossos olhos, para acreditar?

Diante de nós, ergue-se a natureza, bela e manifestando a vida no seu esplendor primaveril: a criação e a sua evolução (seja ela narrada em seis dias, seja narrada em milhões de anos) não deixam de nos interrogar: e depois, que se segue a esta humanidade, que até agora percebemos como o ponto mais alto da criação? Para onde caminhamos nós? Para onde caminha esta evolução natural?

A vida humana e o amor, a amizade que percebemos, que recebemos e vivemos, a entre-ajuda, a vida familiar — tudo isso nos indica também, por entre a morte e o túmulo vazio, tudo isso nos indica a ressurreição de Jesus: a guerra, a mentira, a opressão não foram nem serão capazes de vencer. O amor teima em ser realidade e em convidar-nos a ir mais longe.

O pensamento humano, com as suas capacidades (tantas vezes mal utilizadas, é certo), a reflexão e a investigação científica, a criatividade da técnica, derrotando a passividade e o imobilismo, não podem deixar de nos mostrar uma nova realidade que aí surge, o mundo novo de que o Ressuscitado é apenas o primeiro vivente. Eles não são esse mundo novo, mas indicam-no!

Todas estas realidades — e tantas outras que poderíamos descobrir neste mundo que, apesar disso, parece teimar em ser um túmulo fechado de mortos — todas estas realidades são para nós, hoje, sinais como outrora a pedra removida do sepulcro, as ligaduras e o lençol que tinham aprisionado Cristo, Ele que se libertou do poder da morte para nos mostrar o caminho da vida eterna.

Cabe-nos hoje a nós, cristãos, em cujo coração já foi semeada a vida nova, mostrar a Escritura, a vida da Igreja (que é a vida da fé), o hoje do Senhor ressuscitado. Cabe-nos fazê-lo encontrar tantos que O procuram: essa é a nossa tarefa e missão! O mesmo é dizer: cabe-nos a nós, cristãos, mostrar o Evangelho de modo que tantos homens e mulheres que procuram o Ressuscitado, sejam capazes de, hoje, conduzidos por todos aqueles sinais, descobrir a Boa Notícia — única a dar sentido, significado definitivo à nossa existência: Cristo ressuscitou verdadeiramente! De verdade, ressuscitou!

D. Nuno Brás, bispo do Funchal

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