Homilia do Bispo de Vila Real na Missa Crismal

O ministério da Pregação O Senhor me enviou a anunciar a Boa Nova ( Lc 4,16-21) 1. Sede bem-vindos a esta festa anual do nosso ministério sacerdotal. O nosso presbitério chegou a um estado de alma em que só os sacerdotes doentes e muito idosos faltam a esta celebração. Graças a Deus. Vamos recordar brevemente alguns dados estatísticos do presbitério diocesano que podem ajudar a rezar e a reflectir. A Diocese tem actualmente 131 padres incardinados, com a idade média de 62,5 anos; nas paróquias trabalham 90 padres, incindo párocos e alguns colaboradores, cuja média de idade de 52,5 anos. Dos restantes 41, há três no Seminário de Vila Real e um no Porto, um na Cúria a tempo inteiro, três no estrangeiro, cinco fora da Diocese em Portugal, oito inválidos. Neste ano celebram bodas de ouro cinco párocos, e bodas de prata dois. No último ano faleceram três padres, um deles pároco, e ordenaram-se dois. Residem na diocese três padres vicentinos, quatro franciscanos, cinco salesianos e três espiritanos, e dois padres de outras dioceses. Neste ano gostaria de reflectir convosco sobre o ministério da pregação. Ele faz parte dos compromissos por nós assumidos na Ordenação e renovados em cada ano. Aconselham esta reflexão o Ano Paulino e a violenta reacção do mundo ao magistério do Papa a ponto de contestar o direito de ele expor a doutrina da Igreja. Já estávamos habituados a que o mundo se alheasse das celebrações litúrgicas e dos sacramentos. Agora, mesmo ausentes, insurgem-se contra o ministério da Palavra, e o parlamento de um país da Europa teve a ousadia de votar uma censura pública ao magistério pontifício! Parece que voltamos ao tempo de as autoridades judaicas proibirem os Apóstolos de ensinar e de falar em nome de Jesus. Paradoxalmente, estes factos devem ser assumidos como um grande sinal da importância do ministério da Palavra. 2. O ministério jubiloso e libertador da Palavra é afirmado na 1ª leitura de hoje como tarefa específica do Messias e assumida publicamente por Jesus como a sua marca. Esse ministério é conferido com grande relevo na Ordenação do Diácono, do Presbítero e do Bispo, e é preparado pela instituição e exercício do ministério de Leitor. No interior das nossas igrejas, a necessidade da Palavra é recordada pelo púlpito e pelo ambão, pelas salas de catequese, pelas cruzes das missões populares colocadas nas paredes das igrejas e pelos rituais dos sacramentos sempre acompanhados da palavra de Deus; no mundo, essa necessidade da Palavra é testemunhada pelos livros e jornais de inspiração cristã, as rádios e televisões, a Net e outros meios modernos de comunicação. Recordemos então o interrogatório feito ao Bispo eleito no dia da sua Ordenação: Queres anunciar o Evangelho de Cristo com fidelidade e constância? Queres guardar íntegro e puro o depósito da fé tal como foi recebido dos apóstolos? Logo depois da oração consecratória, o livro dos Evangelhos é colocado sobre a cabeça do eleito como couraça e escudo, e, depois de ungir as mãos, entrega-se o Evangelho com o mandato de anunciar a palavra de Deus com toda a paciência e doutrina. Ao Presbítero, depois da pergunta sobre a consciência de ser cooperador do bispo, este bispo pergunta ao candidato se quer exercer digna e sabiamente o ministério da palavra, na pregação do Evangelho e na exposição da fé católica». Na oração consecratória pede que, «pela sua pregação, as palavras de Evangelho frutifiquem»; e, na bênção final, roga-se que Deus o torne servo e testemunha da caridade e da verdade divina, distribuidor do pão e da palavra a vida. Ao Diácono pergunta-se se quer guardar o mistério da fé em consciência pura, e proclamar esta fé por palavras e obras. Depois da oração sacramental, entrega-se o Evangelho lembrando ao Diácono que ele tem a missão de o proclamar», e traça-se o percurso pessoal para a pregação: crê no que lês, ensina o que crês, e vive o que ensinas; na bênção final, pede-se a graça do auxílio divino para pregar o Evangelho de Cristo, de viver segundo a palavra, e de ser sua testemunha corajosa e sincera. 3. Estes textos sacramentais fazem a distinção entre «anúncio do Evangelho» e «exposição da doutrina», ou seja, uma coisa é fazer o anúncio jubiloso de Jesus como boa nova, e outra fazer a exposição catequética, sistemática, lógica e completa da doutrina cristã. São duas actividades distintas, tal como fez Paulo, anunciando primeiro de viva voz o Evangelho e depois catequizando por escrito. Isso mesmo dissera Jesus aos Apóstolos: «ide por todo o mundo «pregai o Evangelho, baptizai a todas as criaturas, e ensinai-as a cumprir o que vos mandei». Há, portanto, duas pregações, uma antes do baptismo e outra depois. A primeira é o anúncio jubiloso, a boa nova, sintética e afectiva; a segunda é uma exposição com a componente intelectual, lenta e progressiva, conforme as pessoas e a época em que se vive. Faltando a primeira, uma espécie de pérola e de luz a brilhar no coração, dificilmente se procura e suporta a segunda. Por isso, o livro do Pontifical fala de «uma evangelização sábia e corajosa, com paciência e doutrina». Fixemos os adjectivos da frase. Lembra ainda que a transmissão da Palavra deve sair do coração do ministro, da sua condição de crente e piedoso, em ordem à formação da pessoa, e não somente uma simples informação religiosa e cultural para gerar pessoas cultas. A pregação da palavra tem de ser alimento do coração e da inteligência, trazer conforto e a alegria. Nada disto se consegue sem oração, sem estudo, sem reflexão. Por vezes, a Palavra de Deus reveste o sentido de lei e de norma canónica, mas mesmo nessa hora deve vir ao de cima o valor implícito na lei e na norma, e não ficar a imposição de uma obediência cega. Meus caros padres: 4. Sabemos por experiência pessoal quanto custa celebrar para pessoas sem instrução religiosa, desconhecedoras e fechadas ao mistério da celebração. A homilia torna-se então mais difícil, e qualquer comentário corre o risco de ser mal entendido. Mais uma razão para cuidarmos da nossa preparação, para nos interrogarmos sobre o tempo e o cuidado postos neste ministério, quantos dos padres se dedicam à pregação sistemática, que ocasiões de formação proporcionamos ao povo, que tríduos se fazem nas paróquias, que catequese se pratica. Numa das visitas «ad limina» o Papa disse-nos que o ministério episcopal é hoje terrivelmente difícil, e uma das dificuldades é muito antiga – a hostilidade dos governos ao ensino da Igreja e à liberdade escolar. Essa hostilidade mantém-se, aumentada por uma cultura do efémero, fechada à revelação e ao religioso institucional. Vive-se uma espiritualidade circunstancial, agradável, aquilo que um poeta chamava a «cultura dos líquidos», ideias fluidas, sem consistência, que não têm «rocha». É necessário andarmos atentos aos sinais dos tempos, não aconteça que nos contentemos em exercer um sacerdócio de ritos, mudo e surdo, exactamente aquilo que o mundo deseja. Lembremos que a celebração da Eucaristia requer a da Palavra, mas esta pode e deve celebrar-se mesmo sem Eucaristia. A prioridade da Palavra! As dificuldades que sentimos em dirigir a Palavra ao mundo são motivo para novos expedientes e busca de mais técnicas pessoais de pregação, e muita mais oração. Ninguém substitui o brio e a criatividade de cada um. A terminar, lembremos o grito de Paulo prisioneiro: «Verbum Dei non est aligatum», a Palavra de Deus não pode ficar prisioneira nem dos imperadores, nem dos políticos, nem dos medos, nem do interesse económico, nem da rotina. Da 2ªcarta a Timóteo (4,13), fixemos o pedido de Paulo: que lhe enviem o «capote, os livros e os pergaminhos»; e, do Apocalipse, em união com o texto da 2ª leitura, fixemos o«rolo» e o «livrinho» (7; 22,7-21), que fazem parte da alegria dos eleitos. São esses também os nossos pergaminhos e o livrinho que beijamos todos os dias. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real

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