Homilia do bispo de Vila Real na Missa Crismal

Na manhã desta quinta-feira santa, à imagem de Jesus que volta à sinagoga de Nazaré, terra onde tinha sido criado, também nós viemos a esta Catedral, lugar em que fomos gerados para a vida sacerdotal para, juntamente com o povo de Deus, darmos graças pelo grande dom da vocação. Como Jesus, façamos a experiência de deixar que seja a Palavra de Deus a iluminar e interpretar a nossa própria vida e ministério.

Em Nazaré, Jesus proclama: «O Espírito do Senhor está sobre mim». Para o cristão, desde o Batismo e da Confirmação, e no caso dos presbíteros, com a unção sacerdotal, é o mesmo Espírito que agora está sobre nós. Toda a nossa vida e ação correspondem à obra que Ele realiza em nós e por nós. Além de ter lugar, de modo formal e efetivo, nas celebrações sacramentais, essa manifestação deve ocorrer em toda a ação pastoral e na totalidade da vida do padre.

Hoje é dia solene em que fazemos a renovação das promessas sacerdotais. Este gesto significa que cada um, apesar do passar do tempo, mantém vivo o compromisso e as motivações originais. Mas ele é acompanhado pela nossa gratidão ao Senhor pela ação salvífica que realiza no meio do seu povo pelo Espírito que nos ungiu. Numa altura em que são expostos pecados e infidelidades dos sacerdotes, dos quais é imperioso pedir perdão, também é justo e necessário não perder de vista a grandeza deste ministério, o testemunho de fé e bondade que representa para o mundo. Num tempo em que permanece a pretensão de tudo interpretar (e reduzir) segundo as chaves hermenêuticas da sociologia e psicologia, importa lembrar que o mistério do sacerdote tem o seu segredo, a sua explicação mais determinante, na ação do Espírito Santo.

Como Jesus, temos consciência que o Espírito de Deus também nos enviou. Precisamos, por isso de uma permanente docilidade ao Espírito. Ele é o inspirador, o protagonista de toda a ação sagrada e nós somos humildes colaboradores da obra divina. Assim é superada a ilusão de pensar que estamos no centro, que tudo depende de nós ou que tudo nos pertence.

Nas palavras de Jesus no Evangelho transparece ainda uma certa solenidade e até algum entusiasmo quando refere os modos concretos da missão impulsionada pelo Espírito: «Ele me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres…a proclamar a redenção aos cativos…a vista aos cegos…a liberdade aos oprimidos…a proclamar o ano da graça do Senhor». Este foi o programa de vida e de ação do Messias; só pode ser este o programa de vida dos ministros de Cristo. De facto, os mais pobres de todas as pobrezas, os que vivem aprisionados em situações desumanas, os que não conseguem ver qualquer luz de esperança no seu caminho, é a todos esses que se dirige, prioritariamente, a nossa missão. Também eles têm direito a receber as graças que Deus dispõem para todos. Vista nesta perspetiva a nossa vida pastoral não cairá na rotina mas será animada pela novidade a que Deus sempre desafia a Igreja e cada um dos seus membros.

O momento presente da vida da Igreja, embora nos apresente motivos fortes de preocupação, sofrimento e vergonha, no entanto deve ser encarado também como oportunidade de purificação e de mudança em todos os aspetos, nomeadamente no que respeita ao ministério sacerdotal. Como aconteceu tantas vezes na história da Igreja, tempos difíceis foram também tempos de grande renovação.

Para promover a reflexão realizou-se há pouco mais de um ano em Roma, um simpósio acerca do sacerdócio. No discurso de abertura, o Papa Francisco lembrou que vivemos uma mudança de época a que não podemos fugir e que requer um profundo discernimento, de forma a não  cairmos num pessimismo paralisante ou num otimismo ilusório. O primeiro seria uma fuga para o passado e o segundo uma fuga para o futuro. «Nenhuma delas leva a soluções amadurecidas», conclui o Papa. Pelo contrário, «é no hoje concreto que nos devemos deter», com os pés bem assentes na realidade, tentando prescrutar o que o Espírito diz às igrejas.

Na sua reflexão o Santo Padre apresentou as «quatro colunas da vida sacerdotal», isto é, as «quatro proximidades», inspiradas no estilo de Deus, que é um estilo de proximidade.

A primeira diz respeito à proximidade com Deus. O sacerdote é convidado a cultivar essa relação porque é dela que recebe as forças necessárias para o seu ministério. Estamos unidos ao Senhor como o ramo à videira e só assim podemos dar fruto, de outra forma arriscamos a esterilidade. Essa relação  não se reduz ao meramente formal, à multiplicação dos atos religiosos, mas deve tocar o íntimo dos nossos corações. Por outro lado ela não significa que a nossa vida sacerdotal seja isenta de momentos difíceis. Estar próximo e unido ao Senhor implica a disponibilidade para viver como Ele, mistérios gozosos, gloriosos e também dolorosos.

A segunda é a proximidade com o Bispo. Esta vai muito para além da obediência prometida na ordenação e diz respeito aos laços de amizade e estima que unem o Bispo e cada presbítero. O trabalho de cada um e de todos, qualquer que seja a missão que lhe foi confiada, é indispensável para o bem do povo de Deus da diocese que servimos. Reconhecimento, confiança, disponibilidade e colaboração serão sempre expressões concretas desta proximidade.

A seguinte diz respeito à proximidade com os demais presbíteros. Com todos os irmãos no sacerdócio é necessário estabelecer uma verdadeira fraternidade. Esta amizade fraterna manifesta-se nas mais variadas formas de entreajuda e é antídoto face às tentações do isolamento ou fechamento. Ela aprofunda-se através da participação nas atividades dirigidas ao clero, sem esquecer que requer sempre um esforço de paciência, superação de diferenças, reconhecimento do valor e do lugar do outro como irmão. Cultivando a proximidade uns com os outros estamos a dar um passo essencial para a união e comunhão no presbitério.

Finalmente a proximidade para com o povo. Recordando a Evangelii Gaudium, o Papa sublinha que os evangelizadores de hoje precisam de desenvolver o prazer espiritual de estar próximo da vida das pessoas. Essa paixão pelo povo constitui uma grande fonte de alegria. Uma proximidade que se exprima em atitudes da compaixão e ternura, mais necessárias neste contexto em que tantas pessoas vivem sós, isoladas nas aldeias ou anónimas nas cidades. Ir ao seu encontro, escutá-las para lhes abrir novos horizontes, como fez Jesus, é das experiências mais reconfortantes do nosso ministério.

A renovação atual do ministério sacerdotal supõe e exige uma melhor articulação com o sacerdócio batismal de todos os fiéis. Aliás, escreve o Papa, «a vida de um sacerdote é antes de mais, a história da salvação de um batizado». Os dois tipos de sacerdócio não concorrem mas, apesar de se diferenciarem, ordenam-se mutuamente. Estamos ao serviço de um povo sacerdotal. Somos mediadores de Jesus Cristo, único e sumo sacerdote. Somos testemunhas não de um ausente mas de um Cristo presente, Aquele que, depois da sua Páscoa, prometeu ficar sempre connosco.

Neste sentido, como ministros temos a responsabilidade de potenciar e incentivar os restantes ministérios, desde o diaconado (permanente) até aos mais variados ministérios laicais. Preparar homens e mulheres leigos e leigas para o exercício de um leque mais alargado de ministérios, não só no campo litúrgico como também nas áreas da catequese e da caridade deverá ser uma preocupação de todos. Desta forma se estarão a forjar comunidades mais vivas e dinâmicas, com cristãos mais conscientes e ativos. O decréscimo e envelhecimento da população não podem servir de desculpa para uma pastoral de mera manutenção. Abertos à criatividade do Espírito, em autêntica atitude sinodal, será possível dar os passos necessários para um tempo novo na vida da Igreja.

Com Maria, nossa Mãe e Padroeira, saibamos, nesta Páscoa, permanecer junto à cruz, próximos do Senhor que deu a vida para salvar a todos, para depois vibrarmos com a boa nova da sua ressurreição. Animados pelo seu Espírito, fiéis à missão que nos foi confiada, poderemos frutificar com alegria e contribuir para uma Igreja com um rosto renovado, mais pascal, mais evangélico, mais fraterno.

Vila Real, 6 de abril de 2023

+António Augusto de Oliveira Azevedo
Bispo de Vila Real

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