Homilia do Bispo de Santarém na celebração de ordenação sacerdotal

O Senhor enviou os discípulos aonde Ele havia de ir

A ordenação sacerdotal aviva a nossa responsabilidade pela missão

”O Senhor designou setenta e dois discípulos e enviou-os a todos os lugares aonde Ele havia de ir”… Eles partiram confiantes, apoiados na certeza de que a graça do Senhor os assistia e de que o anúncio do Reino era promessa de um mundo novo. Deixaram o conforto da presença de Jesus, saíram de si mesmos e da segurança dos horizontes habituais e puseram-se a caminho enfrentando o medo do desconhecido, como “cordeiros que vão para o meio de lobos”. A realidade que anunciavam, o Reino de Deus, tinha mais força que os poderes adversos do mal. Por isso, os discípulos voltaram cheios de alegria notando que até os demónios lhes obedeciam.

Este trecho, do capítulo décimo de São Lucas, é antecedido pela narração do envio dos doze apóstolos numa perspectiva semelhante: Como Jesus fora enviado pelo Pai, com poder sobre as forças do mal, envia com o mesmo poder os apóstolos à sua frente a curar os doentes, a combater as forças do mal, a anunciar o reino e a preparar-lhe o caminho, dispondo as pessoas para o receberem. Ao enviar, depois dos doze, também os setenta e dois discípulos, à semelhança dos setenta anciãos que participavam do espírito de Moisés e o auxiliavam na sua missão, São Lucas ensina-nos que todos os fiéis que formam a Igreja são, como os discípulos, enviados em missão. Em dois círculos: num, os que são chamados ao ministério apostólico e, noutro círculo, todos os que participam na comunhão e na missão da Igreja, ou seja, o conjunto de todos os fiéis cristãos. A vocação à vida cristã é, portanto, vocação à missão. Não podemos guardar a fé só para nós, lamentando os que se afastam da Igreja e esperando que voltem. O Senhor envia-nos ao encontro deles, a lembrar-lhes o fundamental da vida humana, a chamá-los para que procurem a luz e se integrem na vida da comunidade: “Brilhe a vossa luz diante dos homens”.

A ordenação sacerdotal do Ricardo Pinto aviva em nós esta responsabilidade pela missão, convida-nos a ser missionários. A sua consagração ao serviço do evangelho vem sacudir o nosso individualismo, convida-nos a vencer os respeitos humanos e a privatização da fé e a participar activamente na missão da Igreja. Saúdo cordialmente este novo colaborador do ministério apostólico e peço ao Senhor que o revista da força do Espírito Santo para que colabore eficazmente no crescimento do Reino de Deus e na destruição das forças do mal. Saúdo os reverendos padres, com um agradecimento especial aos educadores do Seminário e professores que o ajudaram a crescer, aos párocos que o acompanharam e apoiaram na sua vocação e preparação pastoral. Saúdo igualmente os familiares do ordinando Ricardo, os diáconos permanentes, os religiosos (as), os seminaristas e todos os fiéis empenhados no reino de Deus.

O segredo do encanto e da eficácia do ministério sacerdotal

O Reino de Deus é como uma semente pequenina mas contem uma força admirável: a promessa de um mundo novo onde domina o amor, a justiça, a liberdade e a fraternidade. O reino de Deus tem sua manifestação em “Cristo Ressuscitado vivo e operante no hoje da Igreja e da história”. É a força do Deus vivo que liberta o homem das alienações do pecado, da mentira, da corrupção que escraviza e cria dependência. Como afirmou Bento XVI na visita ao nosso país: (homilia no Terreiro do Paço): “Não é uma realidade de há dois mil anos, nem uma doutrina. No rio vivo da tradição eclesial Cristo não está a dois mil anos de distância mas está realmente presente entre nós e dá-nos a Verdade, dá-nos a luz que nos faz viver e encontrar a estrada para o futuro”. “Cristo torna-nos novas criaturas” diz São Paulo aos Gálatas, o seu amor transforma o coração das pessoas e gera um mundo novo.

Este é o segredo do encanto da vocação sacerdotal: O senhor chama para continuar a mesma missão que Ele próprio veio realizar: “Como o Pai Me enviou também eu vos envio”. Envia-nos a nós seus discípulos a todos os lugares e pessoas onde Ele quer chegar para levarmos a luz da fé que ilumina o caminho da vida, a mensagem da esperança que gera alegria, o mandamento novo do amor que transforma o mundo. E “a esperança não engana porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). É a força do Reino de Deus, fundamentada no poder do Senhor Ressuscitado e do Espírito Santo, que fortalece a confiança e dá eficácia ao nosso ministério sacerdotal.

A prioridade do Reino de Deus

O Reino de Deus é como um tesouro escondido de valor incalculável. Quem descobre este verdadeiro tesouro sacrifica tudo para o adquirir. Para que o Reino de Deus se manifeste na sua força divina, o missionário deve dar-lhe na sua vida toda a prioridade, considerar tudo o resto como secundário: as provisões, o dinheiro, os luxos, o agrado das pessoas, as comodidades e seguranças do mundo: “Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias nem vos demoreis a saudar ninguém pelo caminho”dizia o evangelho. A liberdade do missionário mostra-se sobretudo no desprendimento do seu sucesso pessoal, na renúncia a si mesmo. Se quiser ganhar a sua vida perdê-la-á. Se entregar a sua vida ao serviço do reino encontrá-la-á. Como confessa São Paulo no trecho da Carta aos Gálatas que ouvimos, o facto de ter encontrado em Cristo o único caminho de salvação leva-o a relativizar todas as outras realidades e a gloriar-se apenas na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo estava crucificado para ele e ele para o mundo. Cristo é a razão da nossa esperança, o fundamento da nossa alegria. Segui-lo é entregar-se a si mesmo, participar na sua morte e ressurreição, tornar-se nova criatura e mediador de renovação dos homens e do mundo. Como prometia Isaías na primeira leitura: “Quando O virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros”. “Só Cristo pode satisfazer plenamente os anseios profundos de cada coração humano e responder às suas questões mais inquietantes acerca do sofrimento, da injustiça e do mal, sobre a morte e a vida do além” (Bento XVI, homilia em Lisboa).

No encerramento do ano sacerdotal, o Papa Bento XVI lembrou o padre Popieluszko, sacerdote e mártir na Polónia, proclamado beato em 13 de Junho em Varsóvia como exemplo de defesa da vida, da dignidade da pessoa, da liberdade, do bem e da verdade. O regime totalitário, então em vigor na Polónia, prendeu-o, torturou-o e afogou-o no rio. O seu martírio foi semente de uma nova primavera na Igreja e na sociedade, afirmou o Papa que acrescentou: “Quantas páginas de autêntica renovação espiritual e social foram escritas com a contribuição decisiva de sacerdotes católicos, quantas iniciativas de promoção humana integral partiram da intuição de coração sacerdotal”.

Como o grão de trigo quando morre dá muito fruto, também a entrega do servidor do evangelho enriquece os outros, a Igreja e o mundo, não só com frutos espirituais mas também sociais. Quem vive para si mesmo torna a sua vida inútil. Quem se entrega ao serviço do Reino dará frutos de vida eterna. É o que pedimos ao Senhor na nossa oração pelo ordinando Ricardo Pinto e pelo povo de Deus desta nossa diocese.

Santarém, 4 de Julho de 2010

+ Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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