Homilia do bispo de Coimbra no Domingo de Ramos

Caríssimos irmãos e irmãs!

Acompanhamos a multidão que, em Jerusalém, aclama o Senhor com ramos de palmeira, naquele momento de entusiasmo crescente, resumo de todos os momentos em que contemplou os seus sinais miraculosos e pronunciou palavras reconfortantes.

A vida pública de Jesus foi toda ela uma paixão, sinal do seu amor pela humanidade e por cada um daqueles a quem se dirigiu com ternura; foi toda ela uma vida apaixonada, movida pelo desejo de libertar a humanidade das prisões da dor e da morte em que jazia.

Estamos diante da euforia que moveu o povo face ao anúncio de uma notícia feliz, vinda de alguém que tinha um coração grande, como só o coração de Deus pode ser. O entusiasmo é fácil e as decisões rápidas surgem a cada momento, quando algo nos toca por dentro e marca a monotonia da nossa existência.

Pouco tempo depois, provavelmente a mesma multidão vai gritar com voz ainda mais forte: crucifica-O, crucifica-O! É fácil querer mudar tudo em pouco tempo e esperar que tudo aconteça a baixo preço e sem o compromisso pessoal e a entrega total. De um momento para o outro, tanto aclamamos e louvamos em sinal de apoio, como condenamos e nos retiramos da cena e em fuga do campo onde se decide o bem das pessoas. Levar até ao fim as melhores decisões e percorrer o bom caminho até à meta exige sempre doação e amor, com o sacrifício de interesses pessoais e renunciando inclusivamente ao que julgamos serem os nossos direitos.

O Jesus aclamado na subida a Jerusalém é o mesmo que libertou das amarras interiores e pronunciou palavras consoladoras de vida eterna; o Jesus que curou os doentes, perdoou os pecados, é o mesmo que é perseguido, sacrificado e condenado à morte de cruz. Acolheu com a mesma humildade e o mesmo amor os cânticos de júbilo e aceitou a rejeição e a condenação, porque não veio para fazer a sua vontade, mas a vontade do Pai. Retirar-se num ou noutro momento seria atraiçoar a sua vocação e missão, seria negar os valores do Reino, seria pensar mais em si do que naqueles que o Pai lhe deu para consolar e salvar, seria anular todo o percurso feito até ali, contradizer as suas palavras e gestos da Galileia, da Samaria, da Judeia ou das terras onde habitavam aqueles a quem se dirigiu indistintamente: judeus e pagãos, são e doentes, justos e pecadores.

Jesus, sendo de condição divina, aniquilou-se a si próprio e assumiu a condição de servo; aparecendo como homem, assumiu a condição de servo, humilhou-se e obedeceu até à morte e morte de cruz, levou até ao fim o projeto de Deus, como ouvimos na Epístola aos Filipenses.

Este é o caminho do cristão, na vida pessoal e comunitária, na família, na sociedade e na Igreja. Toda a nossa vida tem uma componente de paixão, que manifesta o amor que temos no coração e que nos anima nas situações felizes e dolorosas, quando somos aclamados e quando sentimos o peso da rejeição. Toda a vida precisa de ser vivida de forma apaixonada, intensa, sentida, como um projeto a levar até ao fim.

Isaías, na primeira leitura, falava-nos da sua vocação de profeta, que antecipa a vocação de Jesus, o único profeta de Deus, e que antecipa a nossa própria vocação profética. Refere alguns aspetos que retomamos na nossa reflexão e nos traçam o nosso próprio caminho de fé e de discípulos.

Em primeiro lugar, diz: “Todas as manhãs, Ele desperta os meus ouvidos para escutar”. Trata-se da escuta da Palavra de Deus, que ilumina a nossa inteligência e o nosso coração. Ela é para nós um farol a indicar o rumo, a espada que traça as linhas do caminho, os objetivos e projetos, as motivações da ação e as fronteiras que não podemos ultrapassar se queremos ser fiéis. Todos os dias nos é proposta de muitas formas e tem de ocupar em nós um lugar distinto de todas as outras palavras que ouvimos.

Em segundo lugar, refere: “apresentei as costas… e a face; não desviei o meu rosto”. É um convite a assumirmos a realidade com fortaleza e decisão, como aprendemos de Jesus. O tempo de pandemia é privilegiado para manifestarmos como estamos plenamente envolvidos no projeto de dar a vida na atenção a Deus e aos outros, de modo especial na solidariedade e na caridade.

Em terceiro lugar, garante-nos a presença de Deus, dizendo: “O Senhor veio em meu auxílio”. Sentimos que, sem Ele, não podemos viver a alegria e esperança nas provações, sem Ele, faltam-nos os horizontes largos que nos levam para além do momento presente e das dores que agora suportamos.

Tudo se realizou em Jesus como fora profetizado e tudo pode realizar-se em nós, que recebemos o dom de ser discípulos e seguir os passos do nosso Mestre. Ele é quem nos conforta nas nossas tribulações e quem alimenta a nossa esperança no meio de todas as adversidades, pois experimentou na sua carne o que significa sofrer por amor ao Pai e à humanidade.

Se escutamos a Palavra, assumimos a realidade e vivemos a certeza do auxílio de Deus, reunimos as condições para “dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos”, como ainda referia o texto bíblico. Esse é o grande desafio que a nossa fé nos apresenta, particularmente num tempo em que todos os lugares estão plenos de homens e mulheres desalentados.

A nossa vida é a nossa paixão e precisa de ser vivida de forma apaixonada e em união com a paixão dos outros. Jesus viveu a sua vida como uma paixão em comunhão e solidariedade com todos os desalentados e sofredores e, por isso, a sua paixão foi redentora. O seu sofrimento teve um sentido e o nosso também o pode ter se o levamos com Ele e por amor aos outros.

Pedimos a graça de uma vida com sentido e de um sofrimento solidário e redentor, que alimente a nossa esperança e nos leve a dar alento aos que andam abatidos.

Entremos na Semana Santa com os olhos postos em Deus, postos nos irmãos e abertos à ressurreição gloriosa de Cristo, a garantia da nossa redenção.

Sé Nova de Coimbra, 28 de Março de 2021
D. Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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