Homilia do bispo de Coimbra na Missa da Noite de Natal

Caríssimos irmãos e irmãs!

Bendito seja o santíssimo natal do Senhor, que faz brilhar de novo a luz da esperança e traz a paz, o alento e o amor a esta terra devastada pelas terríveis sombras que assolam toda a humanidade.

Este ano o natal pode ficar na nossa história pessoal e comunitária como um verdadeiro tempo de graça, apesar das circunstâncias tão dolorosas em que o vivemos. No meio das trevas a luz pode brilhar de forma mais intensa e pode fazer-se sentir melhor o seu calor.

O natal passou-nos muitas vezes ao lado e celebrámo-lo frequentemente a falar de alegria quando estávamos alegres, a falar de esperança quando estávamos confiantes, a falar de festa com a mesa farta e a família reunida, a falar de paz quando reinava a amizade, a falar de consolação quando estávamos consolados. Foi, porventura, muitas vezes, um tempo de palavras, uma época de rituais, um repetir de sinais pouco significativos.

Quem tem fé, sente arrancar-se, hoje, do seu peito orante a súplica veemente e sincera: “vem, Senhor Jesus!” Quem tem fé sente o coração a sussurrar, com mais intensidade: “hoje nasceu o nosso salvador, Jesus Cristo, Senhor”. Não é que deixemos de precisar dos outros nem de deixar de desejar ver resolvidos os problemas da saúde pública, o sucesso das medidas adoptadas, a eficácia das vacinas, a solidariedade de todos neste barco comum em que nos encontramos. Queremos que tudo isso aconteça, mas acreditamos que em tudo isso, para além de tudo isso, a fé cristã mostra-nos a presença discreta, mas amorosa do Deus, que continuamente nos visita por meio de seu Filho Jesus Cristo.

No meio das pequenas luzinhas da caridade que nos anima, da solidariedade que nos abre aos outros, da fraternidade que nos faz sentir irmãos de todos, do espírito de consolação que nos faz repartir o coração, eleva-se de forma eloquente a Luz Maior, a força do amor eterno de Deus, a esperança que não morre, na singeleza do Menino Jesus do Presépio de Belém. Ele não dispensa nada do que somos nem do que fazemos em favor dos outros, mas fortalece-nos, anima-nos, ampara-nos e não permite que desistamos uns dos outros, pois mesmo que isso nos possa acontecer, Ele nunca desistirá de nós.

Irmãos e irmãs, pedimos a Deus, neste natal, que nos livre dos males presentes que ferem de morte a humanidade, e, ao mesmo tempo, agradecemos-lhe de todo o coração pela dádiva do Seu Filho Jesus, a nossa esperança, a nossa consolação e a nossa salvação!

 

Na situação de pandemia que vivemos, tem-se ouvido repetidamente o slogan: estamos todos na mesma barca. E é verdade, estamos todos sujeitos às mesmas debilidades, pertencemos todos à mesma humanidade. Habituámo-nos a estas ideias sobretudo quando vemos que ninguém escapa às dificuldades ou quando as consequências negativas da fragilidade humana se fazem notar. Trata-se de um sentimento negativo acerca da solidariedade e da nossa comum condição humana.

Felizmente, o natal de Jesus Cristo, que celebramos, oferece-nos sobretudo uma perspetiva positiva acerca da nossa condição humana e do facto de pertencermos todos à mesma família. Somos chamados a estar uns com os outros, a ser amparo uns dos outros, a sair das crises e catástrofes pela mão uns dos outros. O natal leva-nos muito para além da solidariedade na desgraça, conduz-nos a uma profissão de fé na fraternidade que nos une e que faz de nós obreiros da alegria universal de viver.

Em Belém, Deus desceu à terra e nasceu no meio de nós, aproximou-se por meio do Seu Filho, para que todos se possam sentir filhos e irmãos. O presépio tornou-se o símbolo da fraternidade universal: todos podem aproximar-se dele, entrar nele, repousar nele, como os pastores, os reis do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul. Ali todos são irmãos, à volta do Irmão cuja fraternidade não conhece as fronteiras da carne ou do sangue, da condição rica ou pobre, das etnias ou das latitudes, das culturas ou das tradições. Para ouvir o canto dos Anjos e se deixar envolver pela glória da noite de Belém, para acolher a paz fraterna do presépio basta albergar no coração a prerrogativa de ser pessoa de “boa vontade”, basta aceitar ser pessoa “amada por Deus”.

A fraternidade universal que nasce no presépio é muito mais do que a solidariedade nas desgraças, porque é caminho para superarmos juntos todos os males que nos afetam e construirmos com as sementes de bem que recebemos uma humanidade melhor e mais feliz.

Estamos, de facto, todos na mesma barca, pois Deus aproximou-se de nós, convidou-nos a aproximarmo-nos d’Ele, e fez-nos sentir irmãos de coração em todas as circunstâncias da vida.

S. Francisco de Assis, assentou grande parte da sua espiritualidade nesta certeza de que somos todos irmãos; e o papa Francisco ao oferecer-nos recentemente a Encíclica Fratelli Tutti, sublinhou-o de forma eloquente e atualizada para o nosso tempo. Um e outro, com os olhos postos no presépio, viram na fraternidade universal nascida da presença de Jesus entre nós o único caminho da humanidade, sendo urgente retirar daí todas as consequências para a vida pessoal e para a organização das sociedades. Trata-se, afinal, do Evangelho, que pode sempre ser reproposto com linguagens mais acessíveis a cada tempo, mas que se apresenta como a Boa Nova que nada nem ninguém pode superar, que tem lugar único mesmo no nosso tempo e que sentimos a urgência de continuar a anunciar.

Neste natal, acolhamos a fraternidade universal manifestada no presépio de Belém como o nosso caminho pessoal e comunitário de fé, de esperança e de amor. As pequenas sementes lançadas na nossa família cristã possam contribuir para que o espírito da paz e da luz de Jesus alarguem em ondas de fraternidade à nossa volta e dela contagiem verdadeiramente  o mundo.

 

Irmãos e irmãs, que neste natal tomemos, de facto, o caminho do presépio, que aí nos encontremos com Jesus e com todos aqueles de quem nos faz irmãos. A Sua luz será mais intensa, a Sua paz dissipará os nossos medos. Todos na mesma barca, sentir-nos-emos solidários nas mesmas dores, mas também a partilhar, como irmãos, os mesmos sonhos de salvação.

 

Coimbra, 24 de dezembro de 2020

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

 

 

 

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