Homilia do bispo de Beja na paixão e morte do Senhor

1 – “Durante a sua vida mortal, Jesus dirigiu preces e súplicas com grandes clamores e lágrimas Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da Sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento. E tendo atingido a Sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem, causa de salvação eterna”.

Excelentíssimo senhor Vigário Geral, reverendos senhores Cónegos, caros Padres e Diáconos, estimados Religiosos e Religiosas, Seminaristas e Fiéis Leigos e Leigas aqui presentes:

Nestes dias que estamos vivendo, marcados por uma guerra no leste da Europa, as notícias trazem-nos os gritos e as lágrimas de tantas famílias cujos membros, dia após dia têm sido mortos. E não apenas nas notícias dos telejornais, mas também nos refugiados que chegam até nós de mãos vazias, trazendo apenas a roupa que vestem, nós vemos e ouvimos de novo os gritos, as preces e as lágrimas de Jesus Cristo que, sendo inocente, foi condenado à morte, e morte de Cruz.

Depois da experiência tão horrorosa da segunda guerra mundial muitos tinham pensado que, pelo menos entre gente civilizada, a guerra era, definitivamente, assunto do passado. Mas não. Há políticos pensando que, para sobreviverem, e crescerem e brilharem, precisam de matar. As guerras são expressões apenas mais descaradas da mesma realidade perversa que germina silenciosamente e cresce e se manifesta no coração de gente não evangelizada e que, portanto, não conhece e não obedece ao Espírito Santo. E é assim que se matam milhares e milhares de crianças no seio das suas mães. Geradas sem amor, a vida é-lhes roubada ainda antes de terem nascido. Quantas pessoas e famílias se arrastam carregando consigo durante uma vida inteira os pesos enormes de vidas rejeitadas e destroçadas? E quantos ódios carregam consigo homens e mulheres de lares desfeitos por divórcios e separações? Quantas crianças crescem em famílias monoparentais, com a falta de amor dos familiares, sobretudo dos pais? Quantos sofrimentos empurram, até ao suicídio, idosos que se sentem como tropeços para os outros ou jovens que não encontram no mundo o seu lugar? Quantos sofrimentos transformam em experiências de inferno as vidas de tantas pessoas criadas por Deus para serem felizes? Perante estas realidades, surge inevitavelmente esta pergunta: onde está Deus? Porquê tanta dor e tanta angústia recaem sobre os fracos e os pobres da terra? Porquê o sofrimento? Que sentido poderá ter para a nossa vida?

Esta é, no fundo, a pergunta que resume o livro de Job.

2 – Queridos irmãos e irmãs: a resposta de Deus a esta questão é surpreendente e temo-la hoje diante dos nossos olhos: é Cristo, o Filho de Deus, o Inocente condenado à morte, morto na Cruz por nosso amor, por amor de nós. Onde está Deus nesta guerra da Ucrânia? Nos Campos de Concentração, em Auschwitz, onde estava Deus? No Calvário, onde estava Deus? Rejeitado e condenado à morte, em Jesus Cristo morto na Cruz podemos ver a maior manifestação de Deus neste mundo. Manifestação negativa, certamente. E na tua existência, caro irmão e irmã, onde vos podeis encontrar com Deus?

Ser cristão, possuir a sabedoria de Cristo, ter olhos e ouvidos despertos para a realidade divina é, no dizer de São Paulo, compreender isto: o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens. Não é na sabedoria do mundo nem nos poderes deste mundo que se pode encontrar Deus. Onde estão atualmente os sábios deste mundo? E os homens cultos? Muitos deles estão fazendo armas sofisticadas e delineando esquemas estratégicos que servem para matar. Como Paulo afirmava vigorosamente aos Coríntios, os judeus pedem sinais e os gregos buscam a sabedoria, mas nós anunciamos Cristo Crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para nós os crentes, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus.

3 – Quando, dentro de momentos, entrar solenemente nesta assembleia a árvore da Cruz, como iremos recebê-la? Ajoelhando e adorando o Senhor que, morrendo nela, nos salvou. A Igreja manda-nos genufletir perante a Cruz, no dia de hoje e de amanhã.

Sim, hoje iremos adorar a Cruz, caríssimos irmãos e irmãs. Mas como faremos tal coisa se o primeiro mandamento nos proíbe adorar a não ser a Deus? É claro que não adoramos a madeira de que é feita a cruz, mas adoramos o Senhor nosso Deus que na cruz nos revelou “aquilo que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, nem passou pela mente do homem”, a manifestação do Seu Amor por cada um de nós. Ele enviou ao mundo o Seu Filho Unigénito para morrer crucificado no nosso lugar e em nosso favor e assim destruir o senhor da morte, quer dizer, o diabo, e libertar aqueles que estavam a vida inteira sujeitos à escravidão, pelo medo de morrer.

Que vemos nós na cruz?

Antes de mais, ali vemos a consequência do nosso pecado: a morte do Filho de Deus. Ali vemos Cristo, novo Adão, adormecido. Até ali O levou o Seu amor por nós. Do Seu lado aberto, naquele sangue e naquela água vemos nascer a Igreja, nova Eva, a Mãe de todos os crentes. Vemos a fonte da salvação onde se pode lavar todo o pecado do mundo.

O mistério da Cruz é o segredo da vida dos cristãos. Conheceis, certamente, esta palavra do Senhor: se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me. Deixemos, irmãos, a infantilidade de quem deseja ser cristão sem Cruz. Jesus nosso Senhor não fugiu da Sua cruz e ensina-nos a aceitarmos corajosamente a nossa. Tal como a coluna de nuvem que conduziu Israel no deserto era escura de dia e luminosa de noite, assim é também a Cruz nas nossas vidas. Digamos que a Cruz tem dois lados: de um lado é trevas, é morte, é tristeza, é vergonha; do outro é luz, é vida, é alegria e é glória. Se te vês sozinho perante ela, sem fé e sem esperança, e te apavoras e a rejeitas, ela te esmagará com o seu peso. Mas se acreditas em Cristo Ressuscitado, começarás a ver o seu lado glorioso. Verás que, aceitando-a, não estás sozinho, porque o Senhor está contigo e a suporta contigo. Experimentarás que o Seu jugo é suave e a Sua carga é leve.

4 – “Apesar de ser Filho, Ele aprendeu a obedecer no sofrimento”. Aprendeu a obedecer, e tornou-Se para todos os que Lhe obedecem, causa de salvação eterna. A obediência é própria dos discípulos. O nosso Mestre, Jesus Cristo, “fez-Se por nosso amor, obediente até à morte e morte de Cruz”.

No terceiro canto do Servo do Senhor, no livro de Isaías, podemos escutá-lo: o Senhor deu-me língua de discípulo para que possa levar ao cansado uma palavra de alento.

Jesus, servo, por nosso amor obediente até à morte e morte de Cruz, nós reconhecemos a vossa voz que nos convida: “Vinde a Mim, vós todos que andais cansados e abatidos como ovelhas sem pastor, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e a minha carga é leve”.

Ensinai-nos Senhor, a amar a obediência. Ensinai-nos a reconhecer a vontade do Pai e a obedecer-Lhe. Pelo Vosso Espírito, fazei-nos passar convosco deste mundo para Ele. Unindo-nos a Vós, deixemos de viver para nós próprios e amemos os nossos irmãos com o mesmo amor que de Vós recebemos. Amen.

Sé de Beja, 15 de abril de 2022
D. João Marcos, bispo de Beja

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