Homilia do bispo de Beja na Missa da Noite do Natal

Manifestou-se a Graça de Jesus Cristo

1É noite de Natal.

Por misericórdia de Deus celebramos, nesta data, o acontecimento central da História da Humanidade: o Nascimento, no mundo, de Deus feito homem. A partir desse facto ocorrido há dois mil anos em Belém da Judeia, o Filho de Deus vive entre nós, caminha connosco como Bom Pastor que nos conduz para a casa do Pai.

Começámos a Liturgia da Palavra desta Celebração escutando estas palavras da profecia de Isaías: O povo que andava nas trevas viu uma grande luz. Queridos irmãos e irmãs: nós somos esse povo que andava nas trevas. Hoje mesmo, para chegarmos aqui, caminhámos na escuridão da noite. Mas as trevas de que fala a palavra de Deus não são certamente a escuridão física que o sol todos os dias vence ao nascer. Quais são as trevas nas quais temos caminhado com angústia? O medo do contágio da pandemia, os distúrbios sociais, a fome e as outras consequências negativas desta situação difícil que atravessamos?  Certamente. Mas todas essas situações se podem resumir no medo que temos de morrer.

Mais à frente, o profeta tenta descrever a alegria imensa que essa luz provoca no coração daqueles que andavam nas trevas. Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento. Rejubilam em vossa presença como os que se alegram no tempo da colheita, como exultam os que repartem despojos. E continua falando da destruição de um jugo que pesava sobre o povo e do fim vitorioso de uma guerra. Mas a causa dessa alegria incontida é, surpreendentemente, o nascimento de um menino da descendência de David.

Esse menino foi, naquele tempo longínquo, sinal de esperança para o povo de Israel. Mas era figura profética e imagem de Cristo nosso Senhor, nascido em Belém há dois mil anos e nascido hoje em nossos corações. Alegremo-nos, portanto, irmãos e irmãs, pois esta palavra do Senhor se cumpre em nós, aqui e agora. Cristo vem libertar-nos da escravidão do pecado, que é o aguilhão da morte, vem libertar-nos do medo de morrer que é fruto do pecado. A grande luz que Ele faz brilhar para nós é o Kerigma, é o anúncio da Sua vitória sobre a morte, e as consequências dessa luz naqueles que a recebem com fé: a alegria autêntica, a verdadeira saúde do corpo e do Espírito, a Vida e a Paz interior, a Vida Cristã recebida e cultivada por tantos milhões de fiéis, ou seja, a Igreja.

 

2 – O aparecimento desta luz é apresentado por São Paulo, na segunda leitura, como a manifestação da graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. E São João escreve no prólogo do seu Evangelho: se a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Celebrar o nascimento de Jesus é dar espaço, em nossas vidas, á vida nova da graça, é deixarmos de viver escravos do cumprimento da Lei para vivermos, como filhos adotivos de Deus, a vida do Espírito, a vida da Graça e da Verdade, a Vida de Jesus, Filho de Deus. É deixarmos de viver no  pecado, é renunciarmos à impiedade e aos desejos mundanos, à vida segundo a carne, para vivermos a justiça nova do Evangelho traduzida na temperança em relação aos bens materiais, na caridade fraterna e na piedade para com Deus. É deixarmos de viver um tempo sem horizontes para esperarmos ativamente a segunda vinda do Senhor Jesus Cristo. Não é a mesma coisa, caros irmãos e irmãs, vivermos o tempo presente limitado pela morte, ou vivê-lo na esperança da Vida Eterna!

 

3 – Eu não duvido, caros irmãos, de que isto é já sabido por vós. Mas a pergunta que em vós se levanta e permanece, é esta: como passar da vida segundo a carne para esta vida nova segundo o Espírito de Jesus? que temos de fazer para isso acontecer realmente, em cada um de nós?

Se reparamos bem, as leituras que escutámos dão-nos a resposta. Assim o fará o Senhor do Universo. Com estas palavras solenes terminava a primeira leitura. E, na segunda, São Paulo anuncia o nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo, que se entregou por nós, para nos resgatar de toda iniquidade e preparar para Si mesmo um povo purificado, zeloso das boas obras.

Que tens de fazer? Vê, antes de mais, o que o Senhor fez por nós.

Manifestou-se a graça de nosso Senhor Jesus Cristo! A nossa salvação é dom gratuito da misericórdia do Senhor que se recebe acreditando n’Ele. Quem escuta, na pregação, o anúncio de Jesus Cristo, começa a receber o Espírito Santo que faz crescer Cristo em nós a ponto de podermos dizer como São Paulo escreveu: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. Que vive e atua em mim.

Irmãos: são verdadeiras as palavras de Jesus: quem acredita em mim fará também as obras que Eu faço, e fará obras maiores do que estas, porque vou para o Pai. A resposta à tua pergunta: que hei-de fazer para que Cristo nasça em mim? é a Virgem Maria quem ta pode dar. Ela escutou o anúncio do Anjo, e ficou grávida por obra do Espírito Santo. Durante nove meses alimentou aquele Menino que dentro dela crescia. E, chegado o tempo, deu-O à luz. Continuou como mãe a cuidar d’Ele e tornou-se sua discípula e imitadora. Na Igreja, irmãos e irmãs, existe o catecumenado no qual se realiza o Batismo e toda a Iniciação Cristã. Aqueles que percorrem esse caminho de Iniciação veem, com os olhos da fé, Cristo a formar-se neles.

 

4 – Na mensagem de Natal convidei-vos a celebrar, neste ano, esta solenidade, de olhos postos em São José. Ele aparece-nos discretamente no Evangelho que ouvimos, viajando de Nazaré, onde morava, para Belém, a fim de se recensear com Maria sua esposa, em obediência ao Imperador de Roma. E, quando Jesus nasceu, os pastores a quem os anjos anunciaram a boa noticia foram a Belém, encontraram Maria, José e o Menino, deitado na manjedoura. Caros irmãos e irmãs: dispunhamo-nos a caminhar ao encontro de Cristo, dispunhamo-nos a servi-l’O e a adorá-l’O para, como São José, O podermos apresentar ao mundo, nascido em nós.

É noite de Natal, caríssimos irmãos e irmãs. Louvemos o Senhor e demos-Lhe graças por nos amar assim. Peçamos-Lhe a graça de O vermos nascer, crescer e trabalhar em nós. Que Ele nos conceda reconhecê-l’O nos irmãos pobres e aflitos, naqueles que esta pandemia tanto assusta, em tantas e tantas pessoas que não se sentem amadas por ninguém. Que Ele disponha de cada um de nós para sermos prolongamentos da Sua Encarnação neste tempo e nestas circunstâncias que são as nossas.

D. João Marcos, bispo de Beja

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