Homilia do bispo de Beja na Missa Crismal

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa-nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor e o dia da ação justiceira do nosso Deus; a consolar todos os aflitos, a levar aos aflitos de Sião uma coroa em vez de cinza, o óleo da alegria em vez do trajo de luto, cânticos de louvor em vez de um espírito abatido. Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor e tereis o nome de ministros do nosso Deus”.   

Mais uma vez escutámos, caríssimos padres e diáconos, estas palavras do livro de Isaías. Elas apresentam-nos o Messias e a sua Missão. Como escutámos há momentos na proclamação do Evangelho, o Senhor Jesus Cristo aplicou-as a si mesmo quando as citou, no início da sua vida pública, na sinagoga de Nazaré. E ao fazer-nos escutá-las, ano após ano, neste dia tão significativo para nós, a Igreja quer ajudar-nos a recebê-las e a senti-las como resumo da nossa missão, a nós que somos agora, nesta diocese, sacerdotes do Senhor e ministros do nosso Deus.

Proponho-vos, caros presbíteros e diáconos, que as escutemos e meditemos agora, deixando que elas iluminem e orientem a nossa ação pastoral.

 

Anunciar o Evangelho, curar os corações, redimir os cativos, libertar os prisioneiros, proclamar o ano da graça do Senhor, consolar os aflitos, coroar os humilhados, ungir e perfumar, com o óleo da alegria, quem estava de luto, suscitar cânticos de louvor na boca dos que estavam abatidos…eis aqui, resumidamente, os diversos aspetos da nossa missão sacerdotal. Anunciar, curar, redimir, libertar, proclamar, consolar, coroar, ungir e perfumar, cantar… são tarefas de médico, de libertador, de consolador, de cantor e sobretudo de arauto que proclama as obras que o Senhor realizou em favor do Seu povo, em nosso favor. Esse é e deve ser, por excelência, o nosso trabalho de pastores e sacerdotes, concretamente, nas paróquias da nossa diocese, testemunhando a todos o amor com que são amados por Deus. Consiste esse trabalho, como sabemos, no exercício do Ministério da Palavra e dos Sacramentos, mas também no pastoreio que desenvolvemos em favor dos nossos irmãos e irmãs, como seus guias espirituais. Ungidos pelo Senhor, fomos preparados por Ele para ser enviados a proclamar o Evangelho. Para podermos anunciar o Evangelho aos pobres, é necessário que tenhamos o nosso coração evangelizado, pois ninguém pode dar aquilo que não tem. Como sabeis, evangelizar não se resume à transmissão de ideias ou de doutrinas, mas trata-se de comunicar o Espírito de Jesus que nos leva a realizar as Suas mesmas obras.

A vida cristã resume-se em sermos imitadores de Cristo. Mas para que essa imitação se realize, não basta o nosso esforço individual. Ela só pode acontecer na comunhão da Igreja, e nunca na solidão. Quando nos convenceremos, queridos irmãos, que é pela evangelização que a Igreja se edifica, e que, como aconteceu com os primeiros cristãos, a Igreja funciona no templo e nas casas? Quando se abrirão, na nossa diocese, as casas dos cristãos a outros cristãos para nelas Deus ser louvado, adorado e suplicado, para nelas se transmitir a fé e se cultivar a comunhão fraterna, como deve acontecer nas verdadeiras Igrejas domésticas que devem ser as famílias cristãs?

A Igreja não é, caros irmãos, obra de homens, apenas. É obra do Senhor. Mas é obra que Ele realiza pela mediação do nosso trabalho, sobretudo das nossas pregações. Para isso ele garantiu aos discípulos, ao despedir-Se deles: “eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos.”

Hoje, perante a situação atual da Igreja, muitos se perguntarão: onde está a eficácia da palavra de Deus que nós pregamos? Sim, temos de nos perguntar se o Senhor continua ou não presente connosco e atua por meio das nossas palavras. O que faz com que a Palavra de Deus que “é viva e eficaz, mais penetrante que uma espada de dois gumes” se transforme, em nossas bocas, num palavreado tantas vezes chato e morno que não aquece nem arrefece o coração de quem o escuta?

 

Deliberadamente, deixei para agora, caros irmãos e irmãs, um breve comentário à frase do início deste texto: o Espírito do Senhor está sobre mim. Penso que ele nos desvela, em grande parte, a razão da pouca fecundidade das nossas pregações.  

O Messias, e todos aqueles que realizam a sua missão, são, necessariamente pessoas dóceis ao Espírito Santo, homens sobre os quais o Espírito de Deus repousa: sobre eles, o Espírito do Senhor está. Não esteve apenas no dia da ordenação, nem estará, tão-somente, num qualquer dia muito especial, mas está. Está sobre mim. A fecundidade do nosso ministério, caríssimos irmãos, depende inteiramente de que esteja sobre nós o Espírito do Senhor, para que O ouçamos e obedeçamos às suas inspirações. Logo após ser batizado no rio Jordão, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto. E o Apóstolo Paulo escreveu, na Carta aos Romanos, “vós não estais na carne, mas no Espírito, se é verdade que o Espírito de Deus habita em vós. Pois quem não tem o Espírito de Cristo não Lhe pertence” (8,9).

Para sermos padres e diáconos, de acordo com Jesus Cristo nosso Senhor precisamos do Espírito que Ele nos oferece e que nós podemos receber na oração diária da Liturgia das Horas, na Perscrutação da Palavra, na celebração da Eucaristia e dos outros Sacramentos. Quem vive segundo o Espírito, mais facilmente O comunica àqueles que tem a missão de pastorear.

Como está, caros irmãos, a vida do Espírito em nós? Como vai a nossa obediência ao Espírito do Senhor? Ele está sobre nós e em nós como Crisma que nos unge, como Mestre que nos comunica a Sabedoria e como Senhor a Quem obedecemos? Vivemos segundo o Espírito ou segundo a carne?

 

Cristo, o Filho de Deus, vem sobre as nuvens, quer dizer, vem por meio da pregação dos apóstolos, ou seja, pela nossa pregação. Tal com as nuvens nos trazem a chuva que fertiliza a terra e a faz produzir alimentos para os homens e para os animais, assim também a pregação suscita a fé cristã que, desenvolvendo-se, produz as mesmas obras de Cristo em nosso agir. E assim como as nuvens escondem o sol mas também permitem que seja visto pelos nossos olhos, assim também os apóstolos e pregadores da Mensagem de Cristo manifestam, na opacidade das suas vidas, a transparência luminosa da presença de Cristo que neles habita. Como é necessário, caríssimos padres e diáconos, que a nossa pregação seja viva e eficaz em todos os níveis e em todos os meios, para poder curar as feridas profundas do pecado e ungir os corações dos fiéis com a graça de Cristo Senhor.

Ouvimos, na passagem do Evangelho que escutámos há momentos, a frase admirável de Jesus: “cumpriu-se, hoje mesmo, a palavra da Escritura que acabais de ouvir”. Cumpra-se hoje, também, nesta Igreja de Beja, a Palavra do Senhor que acabámos de ouvir.

 

Caríssimos presbíteros que ireis renovar hoje, já de seguida, as vossas promessas sacerdotais, as mesmas que fizestes no dia da vossa ordenação. Fazei-as com a humilde consciência das vossas debilidades, mas também com a firme certeza da fidelidade do Senhor. Pelo amor que Ele tem pelo Seu povo sabemos que não deixará de nos ajudar.

E a vós, fiéis leigos, eu vos convido a orar pelos vossos padres. A sua fidelidade depende, em grande parte, da vossa oração. E da sua fidelidade depende a vitalidade desta Igreja de Beja. Orai por eles, orai também por mim.

Sé de Beja, 13 de abril de 2022

D. João Marcos, bispo de Beja

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