«Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura…»
O «hoje» de Jesus no Evangelho é o «hoje» da nossa vida de presbíteros que, tal como o espírito impeliu Jesus para o deserto e o enviou a proclamar o tempo favorável do Senhor, também hoje chama cada um de nós a sermos testemunhas da Boa nova de Jesus. Jesus é o Messias Salvador enviado por Deus aos pobres e aos mais débeis, aos quais a sociedade não dá espaço nem lugar. A eles traz a libertação.
Esta era uma realidade do mundo antigo na qual os pobres se mencionam juntamente com os doentes crónicos, os inválidos, os cegos, os paralíticos e os leprosos. Eles pertenciam às classes sociais mais baixas e somente podiam ganhar a vida pedindo esmola. A atividade e as palavras de Jesus, logo desde o início da sua missão, destinam-se a aliviar esta situação e fazem parte da pedagogia de Deus: quando Deus se quis manifestar aos israelitas como Pai, libertou-os da escravidão do Egipto e também agora Jesus inicia a sua missão libertando os que andam cansados e oprimidos.
O presbítero, sinal sacramental de Cristo pastor
O fundamental da nossa vida como presbíteros é a nossa identificação vital com Cristo pastor. Faz-nos bem escutar hoje o que S. Pedro na sua exortação aos pastores diz a cada um de nós: «Aos presbíteros que há entre vós, eu – presbítero como eles e que fui testemunha dos padecimentos de Cristo e também participante da glória que se há de manifestar – dirijo-vos esta exortação: Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, governando-o não à força, mas de boa vontade, tal como Deus quer; não por um mesquinho espírito de lucro, mas com zelo; não com um poder autoritário sobre a herança do Senhor, mas como modelos do rebanho. E, quando o supremo Pastor se manifestar, então recebereis a coroa imperecível da glória» (1 Pe 5,1-4).
São Pedro recomenda-nos três atitudes fundamentais: prestar o nosso serviço, não obrigados por um mero sentimento do dever, mas por um amor espontâneo; não por interesse, quer seja de ordem económica, quer de outro género qualquer, mas generosamente; não por ânsia de dominar, mas com espírito de humilde serviço.
A generosidade que estamos chamados a concretizar no exercício do nosso ministério passa por várias fases ao longo da nossa vida. Ao princípio, procura o êxito, porque quer provar a si mesmo que «serve para ser padre». Passados alguns anos, se tudo correr bem, começamos a procurar a fecundidade, mostrando a visibilidade e os frutos do nosso trabalho. Mais tarde, quando deixarmos que seja o Espírito de Deus o protagonista da nossa vida, a fecundidade transforma-se em fidelidade. Jesus compreendeu, logo no início da sua vida pública, que o Pai lhe pedia fidelidade à sua missão e não um êxito fácil. Quando um padre ou um bispo chegarem a esta situação então realizar-se-ão as palavras de Jesus: «Não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi e vos designei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça; para que aquilo que pedirdes ao Pai no meu nome, Ele vos dê. Isto vos mando: que vos ameis uns aos outros» (Jo 15,16-17).
A nossa vida espiritual
A autêntica espiritualidade do presbítero só pode ser alimentada e vivida através da realização do seu ministério. Por outras palavras, é no exercício do seu ministério que os presbíteros crescem na fé e aprofundam a sua vida espiritual: preparando-se para anunciar a Palavra e, de facto, proclamando-a, eles também se nutrem a si mesmos; celebrando a Eucaristia entram mais profundamente no mistério pascal; como ministros da reconciliação impregnam a própria vida de misericórdia; procurando anunciar o Evangelho, a si próprio e aos outros, eles mesmos o compreendem de forma melhor; no confronto e no diálogo com os não cristãos medem o dom da própria fé; escutando os irmãos e as irmãs, e carregando as suas feridas, mostram o rosto do “bom pastor que dá a sua vida pelas suas ovelhas” (Jo 10,11).
Há prioridades que devem ser estabelecidas e há um tempo ao qual não se pode renunciar: um tempo para a ação por excelência que edifica a comunidade, ou seja, a santa liturgia; um tempo para guiar a comunidade do Senhor nas suas formas de presença; um tempo para repousar. Sem uma disciplina do tempo, que é uma verdadeira “santificação do tempo”, não há possibilidade de vida espiritual cristã.
No dia de hoje, em que todos somos chamados a pensar no nosso ser de presbíteros, faz-nos bem refletir acerca das cinco prioridades da vida de Jesus, tal como as descreve o Cardeal Martini: a primeira prioridade de Jesus era a assistência aos doentes, isto é, a misericórdia de Jesus para com os que sofrem; a segunda prioridade é a pregação do Evangelho, o anúncio do Reino de Deus; a terceira são as reuniões, os encontros e as conversas de Jesus com os seus discípulos, isto é, o tempo dedicado à formação; a quarta é o tempo dedicado à oração, onde aparece Jesus a rezar logo pela manhã, nas decisões mais importantes…; a quinta prioridade é o tempo que Jesus consagra à formação dos apóstolos e discípulos a quem chama amigos, tendo como exemplo o tempo passado na casa de Pedro, de Lázaro e tantos outros. (Cf. Livro: Como Jesus orientava o seu tempo: uma pequena regra de vida do discípulo do Senhor).
A estas prioridades desejo acrescentar uma outra. No passado dia 2 deste mês foi publicada a Exortação do Papa Francisco CRISTO VIVE (Cristo, nossa esperança, está vivo), dirigida a todos os jovens cristãos, a todo o Povo de Deus, aos seus pastores e aos seus fiéis. A pastoral com os jovens, tal como afirma o Papa, deve ter em conta processos formativos centrados em dois grandes eixos: «um é o aprofundamento do kerigma, a experiência fundante do encontro com Deus através de Cristo morto e ressuscitado; o outro é o crescimento no amor fraterno, na vida comunitária, no serviço» (CV 213). O recenseamento feito há um mês em toda a nossa Diocese irá ajudar-nos a tirar algumas conclusões acerca da frequência e da prática cristã dos jovens da nossa Diocese e a projetar caminhos de futuro na pastoral juvenil. Estamos num campo crucial na pastoral diocesana, não esquecendo o caminho a percorrer até à próxima Jornada Mundial da Juventude a celebrar no nosso país.
Memória agradecida do nosso presbitério
A fidelidade ao sacramento recebido no dia da nossa ordenação não é questão de temperamentos mais pacíficos, generosos ou mesmo mais tenazes, mas sim obra da graça e da misericórdia de Deus. Esta fidelidade está manifestada nestas palavras de S. Bernardo: «O meu único mérito é a misericórdia do Senhor. Não serei pobre em méritos desde que ele não o seja em misericórdia. E porque a misericórdia de Deus é muita, muitos são também os meus méritos».
Agradecemos ao Senhor da vida e a Cristo, o Bom Pastor, os vinte cinco anos de ordenação dos padres Manuel Augusto Marques Oliveira, Manuel Mário Ferreira e Paulo Cardoso da Cruz; os cinquenta anos dos padres João Gonçalves e Querubim José Pereira da Siva e os sessenta do P. José Manuel Ribeiro Fernandes.
Ao mesmo tempo encomendamos e rezamos ao Senhor da Vida pelos padres António Fragoso Tavares e António Valente Nunes Antão e pelo diácono Augusto Manuel Gomes Semedo, a quem pedimos que na glória de Jesus ressuscitado se lembrem de nós.
Temos de continuar a pedir ao Espírito de Deus que conserve em nós o frescor do nosso ministério e os sonhos do dia da nossa ordenação. Não há coisa mais bela do que um padre com 25, 50, 60 ou mais anos de ministério, que se mantém alegre, com ânimo e vontade de caminhar. Isto é o que desejo não só aos homenageados deste ano, mas a todos os membros deste presbitério que no “hoje” da nossa Diocese de Aveiro continuam a ser fiéis ao sonho de Deus em construir um mundo mais justo e mais belo, onde todos nos sintamos irmãos uns dos outros e filhos do um Deus que nos ama e dá a vida por nós.
Nesta alegria de sermos membros de uma mesma família, desejo anunciar que no próximo dia 14 de julho, às 16h00, aqui na nossa Sé de Aveiro, haverá a ordenação presbiteral dos nossos irmãos diáconos Jorge Manuel dos Santos Gonçalves e Pedro Rafael Araújo Oliveira.
«O Filho de Deus, Jesus Cristo foi unicamente um “sim”. N’Ele, todas as promessas de Deus se tornaram “sim”. É por isso que, graças a Ele, nós podemos dizer o “ámen” (o sim da nossa fidelidade) para glória de Deus» (2Cor 1,20).
Que Maria, a Virgem do “sim”, nos acompanhe na construção de uma família diocesana unida, bela e agradável ao seu Senhor!
Aveiro, 18 de abril de 2019.
D. António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro