«O Senhor deu-me graça e falar como um discípulo» e ainda «todas as manhãs, Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar como escutam os discípulos». Estas expressões do profeta Isaías que escutámos na primeira leitura preparam-nos para entrarmos em profundidade na riqueza de vida divina que nos é oferecida na celebração do mistério pascal do Senhor, na Sua entrega, morte e ressurreição.
Fazemo-lo na condição de discípulos, isto é, de quem quer aprender com o Mestre de modo que, na intimidade com Ele, saboreando o alcance dos seus gestos e palavras, nos configuremos a Ele para, uma vez banhados na Sua Paixão, numa conversão total do nosso ser, nos abramos à missão própria do discípulo que é de testemunhar a vida d’Aquele que nos envia.
Refere o profeta que falamos como discípulos para que saibamos amparar pela palavra os que andam extenuados. Esta é a convicção do profeta Isaías ao confrontar-se com o Povo de Deus esgotado pelo sofrimento, pela marginalização, pela deportação, sem pátria e sem esperança.
Reconhece igualmente que a sua condição de discípulo exige a escuta que vem de Deus para aceitar o caminho de solidariedade pessoal com os que sofrem, para carregar em si mesmo a ignominia do seu povo, para assumir as dores e as chagas de todos os excluídos, sem rosto, sem voz, sem pátria, sem dignidade e sem rosto humano.
Se o profeta sente que este projeto começa a desenhar-se na sua própria pessoa, sabe que o desígnio de Deus no Seu amor pelo Seu Povo vai muito além do profeta e por isso descreve os traços do Servo de Javé, Aquele enviado por Deus que salvará o Seu Povo de toda a escravidão.
Deste modo, colocamo-nos perante, ou melhor ainda, no caminho que nos é descrito no Evangelho. Este é o caminho de Jesus mas é igualmente o caminho de todo aquele que se sente chamado a ser Seu discípulo.
Estamos perante uma narração longa do trajeto que leva Jesus de Nazaré desde a Sua entrega até à sua morte, passando pelo atroz sofrimento e abrindo-nos na esperança da ressurreição.
Este caminho que é incompreensível à inteligência humana reduzida ao simples raciocínio sobre o sentido da vida é verdadeiramente eloquente quando nos situamos na lógica do amor. Na verdade, estamos no profundo itinerário de encontro de Deus com os homens, manifestando toda a Sua ternura, a Sua misericórdia e compaixão.
Estamos perante um percurso histórico, localizado, com intervenientes humanos muito próprios, como toda a revelação feita pelo próprio Filho de Deus, Jesus de Nazaré. É este o modo que convém ao ser humano para que lhe seja possibilitada a linguagem, os sinais e a compreensão para decifrar como Deus se encontra com cada pessoa na sua história, na sua localidade e através das pessoas que fazem parte da sua sociedade.
Este mistério de revelação profunda de Deus exige de nós entrarmos neste itinerário, esvaziarmo-nos dos nossos preconceitos e ideias já feitas, encetarmos um caminho de despojamento para humildemente aprendermos o único caminho verdadeiramente humano que é este que Jesus de Nazaré nos oferece.
São João Paulo II, na Carta Encíclica «no começo do Novo Milénio» exortando à descoberta de Jesus Cristo tal como nos é revelado nos Evangelhos, diz num dado passo: «jamais acabaremos de sondar o abismo deste mistério». Aliás, «este paradoxo surge, em toda a sua rudeza, no grito de dor aparentemente desesperado que Jesus eleva na cruz: “Eloí, Eloí, lamá sabachthani, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?” (Mc 15,34)»(nº 25).
Contudo, «apesar de conservar todo o realismo dum sofrimento inexprimível, é esclarecido pelo sentido geral da oração: o Salmista, num misto impressionante de sentimentos, une lado a lado o sofrimento e a confiança». Com efeito, o Salmo prossegue dizendo: «Em Vós confiaram os nossos pais; confiaram e Vós os livrastes. […] Não Vos afasteis para longe de mim, porque estou atribulado; não há quem me ajude»(nº 25).
O grito de Jesus na cruz não traduz a angústia dum desesperado, mas a oração do Filho que, por amor, oferece a sua vida ao Pai pela salvação de todos.
É este mistério de amor profundo e comunicado, redentor e que quer abraçar toda a humanidade que nos é exposto por S. Paulo na sua carta aos Filipenses para nos convidar não só à contemplação, mas sobretudo à renovação do nosso ser pessoal e comunitário, a aprender na qualidade de discípulos qual o trajeto de conversão necessário para vivermos em comunhão com Deus e com os irmãos.
Este é o tempo a escutar a palavra, ao silêncio, à contemplação, ao reconhecimento de todos aqueles que hoje carregam a cruz do sofrimento, da exclusão e do desespero para aprendermos de Jesus de Nazaré o autêntico caminho do encontro, da proximidade, numa palavra, do amor.
Imploro de Nossa Senhora, Mãe da Dores, Mãe e Rainha dos Açores, que nos acompanhe nos caminhos da nossa vida e nos faça integrar o itinerário de sofrimento do Seu Filho na Esperança da alegria da Ressurreição.
Ámen.
Sé (Angra), 28 março 2021
D. João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas dos Açores