Homilia do bispo de Angra na Missa da Ceia do Senhor

«Eu próprio recebi do Senhor o que por minha vez vos transmiti». Estas palavras que S. Paulo dirige à comunidade cristã de Corinto realçando a importância do mistério contido na Ceia Pascal e como ele deve ser vivido pelos discípulos de Jesus Cristo, são as mesmas palavras que nos interpelam hoje à mesma vivência que se quer fiel ao mandato de Jesus de Nazaré quando refere «fazei isto em memória de Mim».

À semelhança dos Apóstolos, a Igreja através de todos os seus membros, os cristãos batizados, é chamada a entrar na Ceia Pascal em atitude contemplativa, fiel aos gestos e exigências que vêm de Jesus de Nazaré e disposta a renovar o seu compromisso evangelizador.

Na verdade, entrar na Ceia Pascal, hoje celebrada no seu memorial que é a Eucaristia, exige, antes de mais, uma atitude contemplativa. Isto é, cada um deixar-se envolver pela sabedoria divina, numa fé lúcida que advém da resposta pessoal às interpelações que Jesus de Nazaré nos lança e, na beleza do amor infinito de Deus, interiorizar em si mesmo o significado mais profundo dos gestos de Jesus Cristo que a Palavra de Deus nos oferece.

Hoje, todos nós enquanto comunidade cristã, e cada um de nós batizado como discípulo de Cristo, somos interpelados a viver a Eucaristia com a mesma densidade e profundidade da primeira hora.

Deste modo estamos perante o gesto de Jesus Cristo que integra e proporciona a vivência do Seu Mistério Pascal para se tornar tão intimo a cada um que só o facto de se comunicar como alimento o pode manifestar. Eis o alimento que começa por nos transformar naquele de quem nos alimentamos. Podemos então afirmar com S. Paulo «já não sou eu que vivo mas é Cristo que vive em mim» (Gal. 2, 20).

Para nos descrever como deve ser uma vida cristã que se alimenta do Corpo e Sangue de Cristo, o Evangelho oferece-nos o modo de ser do discípulo, começando por afirmar de Jesus Cristo que «amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim». E é como expressão deste amor que Jesus revela aos Seus Apóstolos o modo de o exprimir.

Perante o debruçar-se de Cristo para lavar os pés aos Seus Apóstolos, sinal batismal e de entrega total ao serviço dos mais humildes, deparamo-nos com a reação de Pedro que certamente pode ser a postura de cada um de nós que, a partir dos nossos preconceitos, tradições e seguranças pessoais, não nos deixamos conduzir humildemente pela força do Espirito Santo, a verdadeira fonte que nos limpa e nos sacia.

Daí a advertência que cada um de nós e cada comunidade cristã deve reter como norma absoluta para a sua existência cristã, «se não te lavar, não terás parte comigo».

Quando nos referimos à fidelidade vivencial é daqui que devemos partir e é a esta exigência que devemos atender. De facto, necessitamos de nos deixar purificar, transformar, converter e receber o banho da regeneração que Jesus proporciona através da nossa imersão no Seu Mistério Pascal.

Em tempos nos quais tantos banalizam a Eucaristia, sem o cuidado por criarem as condições para dela participarem, tornando-a em mero gesto social, colocando as suas opiniões e interesses pessoais em vez da profundidade das exigências do amor de Jesus Cristo, importa renovarmos em nós, numa conversão profunda, a fidelidade ao que vivemos.

É precisamente neste contexto que nos deixamos envolver pelas exigências do compromisso à missão evangelizadora que terá forçosamente a sua força no gesto de humildade de Jesus de se colocar ao serviço dos outros.

Por isso, termina o texto do Evangelho dizendo «se Eu vos lavei os pés, sendo Senhor e Mestre, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Eu dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também».

Lavar os pés uns aos outros é o convite a formar uma comunidade de comunhão e de serviço, é despojar-nos de nós e das nossas roupagens e revestirmo-nos do amor de Jesus Cristo que veio para servir e não para ser servido e é, sem dúvida, reconhecer que somos chamados a servir os mais débeis e excluídos da sociedade.

Viver a Eucaristia, fiel a Cristo Jesus, é compromisso em edificar uma comunidade viva, participativa em todos os seus membros, cuja missão evangelizadora é assumida por todos os batizados e se torna presente no serviço humilde e simples de todos os discípulos de Jesus Cristo.

Permitam-me que relembre a nossa caminhada sinodal que compromete todas as comunidades cristãs e todos os cristãos da nossa diocese. Perante a celebração comemorativa da Ceia Pascal, somos ainda mais fortalecidos para continuar este itinerário de profunda comunhão a Jesus Cristo e às exigências da Igreja que se quer manter fiel a Cristo testemunhando o Evangelho ao mundo atual.

Para isso, tomemos consciência da centralidade da Eucaristia na vida cristã; dos dinamismos comunitários que dela brotam, como a comunhão, a participação ativa de todos os cristãos e o ímpeto missionário que se traduz na tarefa que incumbe a cada batizado, membro de uma comunidade cristã, de assumir a missão evangelizadora da Igreja.

Esta é a hora de vivermos a nossa fé de maneira consciente e ativa e não como meros expectadores do que se passa na Igreja e no mundo.

Volto a lembrar o inicio do Evangelho quando se afirma que Jesus amou os Seus que estavam no mundo amou-os até ao fim.

Fixando o nosso olhar e o nosso coração, a nossa inteligência e mobilizando a nossa vontade, apreendamos o dinamismo profundo do mistério que estamos a celebrar e as suas exigências para a nossa vida de discípulos.

Não tenhamos medo de entrar na Ceia Pascal para a qual somos convidados.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe de Jesus, Mãe e Rainha dos Açores, Mulher Eucarística, que nos ajude a viver a Eucaristia segundo a vontade do seu Filho, fazendo dela manancial de graça e de vida para cada um dos batizados, para cada comunidade cristã e força para a evangelização do mundo de hoje.

Ámen.

Sé de Angra, 1 de abril 2021

D. João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas dos Açores

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