Homilia do bispo de Angra na celebração da Paixão do Senhor

Escutámos no início desta longa narração da Paixão do Senhor, o próprio Jesus de Nazaré a questionar-nos com a pergunta: a quem procurais?

Sim, certamente esta é a interpelação que o Senhor nos lança, hoje, a todos nós que acorremos a esta celebração para participarmos activamente no Seu sofrimento, na Sua paixão e na Sua morte, movidos pela esperança na Vida Nova por Ele mesmo prometida.

Realmente, a todos nós cristãos, já discípulos de Jesus Cristo pelo Baptismo, mas tantas vezes seduzidos pelos afectos mundanos, a nós que apesar de sintonizarmos a nossa vida com a exigência de participarmos nos mistérios da nossa fé e consequentemente na comunidade cristã, continuamente sentimos a necessidade de purificar as nossas ideias acerca do mistério de Deus revelado no Seu Filho.

Esta mesma pergunta é lançada a todos os homens e mulheres do nosso mundo actual mergulhados numa cultura de morte, de desespero, de abandono, de arrogância, de superficialidade, de egoísmos exacerbados, de racionalismos estéreis. Sim, quem procura o homem de hoje, sedento de verdade, de beleza, de bem e de amor, mas tantas vezes desencaminhado e desorientado pelo domínio das riquezas, do poder, do prazer e pelo seu desejo de ser referência única para a sua vida.

Mas esta pergunta coloca-nos, hoje, de modo muito singular o desafio a reconhecer a Jesus de Nazaré, Filho de Deus, o Salvador único de toda a humanidade, na figura do abandonado, do prisioneiro, do desfigurado, maltratado, em suma, do condenado à morte tão só porque revelou o amor de Deus, o Pai, e convidou a viver as bem-aventuranças para se poder alcançar uma sociedade de amizade e na qual todos fossem irmãos.

É curioso que a resposta é acertada. Perante as três vezes em que Jesus coloca a pergunta sobre quem procuram, respondem: a Jesus de Nazaré.

Isto significa que toda a humanidade de todos os tempos procura a Jesus de Nazaré. Nós hoje, não tenhamos dúvida, irmanados com todos os nossos contemporâneos andamos à procura de Jesus de Nazaré.

Coagidos pelas acusações que recaiam sobre Jesus, tal como acontece hoje na prática da nossa cultura e da nossa sociedade, sentem a necessidade de alguém lhes indicar quem é verdadeiramente Aquele que todos procuram.

A resposta não pode vir de mais ninguém, senão do próprio Jesus de Nazaré. Por isso responde: «Sou Eu».

Na verdade, só a partir d’Ele mesmo O podemos conhecer. Só Ele Se pode revelar tal como Ele mesmo é e a missão salvadora que traz sobre Si.

Mas é igualmente verdade, que só na comunhão de vida com Ele, a pessoa pode reconhecer-se no mistério mais profundo do seu ser e no sentido último da sua existência. Por isso, diz-nos a Carta aos Hebreus de que em Jesus Cristo temos um sumo-sacerdote que «possui a experiência de todas as provações, tal como nós, excepto do pecado». Daí o convite a caminharmos ao Seu encontro cheios de confiança a fim de alcançarmos a graça de um auxílio oportuno.

Já o profeta Isaías descrevendo o Servo de Javé, Aquele que carregaria sobre si a iniquidade reinante no mundo, afirma que «o castigo que nos salva caiu sobre Ele e por causa das Suas chagas é que fomos curados».

Por isso, o caminho que hoje se coloca perante nós cujo primeiro protagonista é Jesus de Nazaré cruza-se com o caminho de cada um de nós. Só entrando nele reconheceremos a sua finalidade e dele recolheremos o sentido da vida humana, nomeadamente do sofrimento, da ignomínia, do desprezo e da própria morte.

Numa sociedade que pretende evitar o sofrimento eliminando a vida, abre-se o caminho de Jesus Cristo para nos sentirmos mais irmãos, mais solidários, a viver mais no amor, na generosidade e entreajuda através do sofrimento.

Esta é uma celebração que nos convida ao silêncio, à escuta e à contemplação. A entrarmos dentro de nós e a termos a coragem de assumir em nós o convite a percorrermos o caminho doloroso de Jesus Cristo numa conversão permanente do nosso ser.

Esta celebração para estar completa deve ser vivida na esperança da vida plena que nos é dada na ressurreição.

De facto, de nada serviria ao homem a morte de Jesus se Ele não ressuscitasse.

Tal como Nossa Senhora, Mãe de Jesus, as Santas mulheres e os Apóstolos, que sofreram de modo único com a morte de Jesus, acompanhemo-los também na esperança e na expectativa da Sua ressurreição.

Este mistério pascal do qual participamos pelo Baptismo que nos faz morrer para o pecado e para o mal e ressurgir pessoa nova pela graça, deve animar as nossas vidas, pessoal e comunitariamente, para a comunhão mais profunda com Cristo e n’Ele com os nossos irmãos.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe da Dores, Mãe e Rainha dos Açores, que nos acompanhe nos caminhos da nossa vida e nos faça integrar o itinerário de sofrimento do Seu Filho na Esperança da alegria da Ressurreição.

Ámen.

D. João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas dos Açores

Sé de Angra, 2 Abril 2021

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top