Homilia do bispo auxiliar de Braga na solenidade de Santa Maria Mãe de Deus – Dia Mundial da Paz

Jesus Cristo é a nossa paz! (Ef. 2, 14)

Celebramos o mistério d’Aquele que, sendo Deus, “por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e encarnou no seio da Virgem Maria e Se fez homem”, como professamos no Credo e nos lembram a segunda leitura e o Evangelho. Completa-se hoje a oitava do Natal e a celebração possui a mesma intensidade litúrgica da do dia 25 de dezembro. Fazemos, também, especial referência a Nossa Senhora, pois é nela, qual verdadeira “arca da aliança”, que se realiza o mistério da divindade e da humanidade do Verbo Encarnado. Por isso a denominamos com o sugestivo título de “Mãe de Deus”. E colocamos o novo ano sob a sua proteção: ela que nos deu o Salvador nos obtenha a graça da tranquilidade e da esperança. Melhor: nos obtenha a graça da presença de Deus nas nossas vidas e seus caminhos. Como referia a fórmula de bênção de Aarão, lida na primeira leitura, que o Senhor abençoe os seus filhos. Que o Senhor nos proteja. Que faça brilhar sobre nós a Sua face e nos seja favorável. Que dirija para nós o Seu olhar e nos conceda a paz.

A Paz! Como sabemos, a Igreja dedica-lhe este dia. Todos os anos, uma mensagem papal nos chama a atenção para algum aspeto com ela relacionado. Neste de 2012, o Papa Bento XVI escolheu o tema da juventude e o da necessidade da sua educação para os grandes valores. Demoremos um instante sobre este assunto.

Em 2011, a juventude foi, muitas vezes, objeto de notícia. Por boas e más razões. E constituiu-se, também, em agente de forte mudança histórica: desencadeou o que alguns denominaram de «primavera árabe», processo que, infelizmente, não parece estar a seguir a direção sonhada; constituiu-se em fator de violência e destruição gratuitas, mormente na Inglaterra; multitudinariamente, voltou a responder à chamada a testemunhar a fé nas Jornadas Mundiais da Juventude; foi o principal impulsionador desse movimento dúbio, denominado “os insatisfeitos”, mas contestatário da atual «velha ordem» de selvajaria económico-financeira; está a ser sistematicamente afastada desse bem enorme que é o trabalho, como recentes dados estatísticos da União Europeia vieram confirmar; etc.

Numa visão rápida e, porventura, superficial, parece que podemos assentar nesta ideia: o atual mundo dos adultos, detentor do poder, nega aos jovens as verdadeiras condições do seu desenvolvimento pessoal e social, o acesso ao mercado de trabalho e a consequente possibilidade de constituir família. Em contrapartida, talvez para os manter anestesiados, favorece-lhes -e incentiva!- um estilo de vida não só amoral como, muitas vezes, verdadeiramente imoral. Por conseguinte, longe da fé. E a Igreja, eterna aliada dos jovens, denuncia este estado de coisas.

De facto, parece lógico que entre a Igreja e os jovens haja uma espécie de sintonia natural. Porque se encontram nesta base, comum às duas partes: na não conformidade ou aceitação acriteriosa da sociedade vazia e mesquinha e na contínua proposta e anseio de um outro estilo de vida coletivo mais humano, mais efetivamente livre, mais verdadeiro, mais justo e mais fraterno. Se essa sintonia não se verificar, é mau sinal: ou a Igreja se distanciou dos jovens ou estes foram vítimas de algo que os afastou daquela. Ora, parece que a Igreja continua a dedicar aos jovens uma especial estima, como o provam as energias e os recursos que dedica à pastoral juvenil. E há correspondência da parte da gente nova. Mas também há quem, consciente ou inconscientemente, procure afastar os jovens da Igreja e até canalizar para a violência e para a destruição a natural insatisfação juvenil e a sua ânsia de transformação do mundo. Por conseguinte, mais se reclama uma verdadeira evangelização dos jovens e fazer destes agentes evangelizadores dos seus colegas.

Esta ideia enforma a muito oportuna mensagem de Bento XVI para este Dia Mundial da Paz. Recorrendo a uma «constelação de valores» que já nos aparecem no «bom» Papa João XXIII, insiste nos quatro valores a transmitir aos jovens mediante um sadio processo educativo, pilares onde deve assentar o sentido da sua vida para que esta se torne uma vida com sentido. Não só cristão, mas até humano. A saber: a verdade, como resposta às maiores inquietações humanas, mormente ao sentido da vida, sua origem e destino final; a verdadeira liberdade, antídoto do atual individualismo ou «tirania do eu» e abertura relacional aos outros e ao grande «Outro», que é Deus; a justiça, não como expressão do convencional e animalesco domínio do mais forte, mas atitude existencial que brota naturalmente de um coração habituado a viver na gratuidade, misericórdia e comunhão; e a paz, ao fim e ao cabo a resultante de tudo isto, caldeado na graça divina.

Caros cristãos, particularmente vós os jovens: sabemos que as coisas não vão bem. Conhecemos histórias de injustiças que enojam, de desigualdades gritantes, de crises várias e avassaladoras. E porquê isto? Porque a nossa cultura, gradualmente, parece estar a abandonar a sua matriz cristã e a dar ouvidos ao canto da sereia do positivismo, do economicismo e do materialismo. Em detrimento dos valores humanistas, da fraternidade e das virtudes teologais da fé, esperança e caridade.

Neste contexto, há lugar para um futuro de rosto humano? Teremos razões para desejarmos uns aos outros um “feliz ano novo”? Sim, temos. Porque o Menino que o Pai nos enviou é a justiça e a paz: “Ele é a nossa paz” (Ef 2, 14), garante-nos o Apóstolo. É a novidade plena que irrompe na história e sacia as mais profundas ânsias do coração humano. É, Ele mesmo, o “novo céu e a nova terra” (Ap 21, 1) esperados. E os jovens, que colocam o centro de gravidade das suas vidas no futuro do tempo novo redescobrirão em Jesus Cristo o caminho, a verdade e a vida com sentido. Vida pessoal e social. Vida nova que é dom. Mas também tarefa: tarefa árdua a edificar de mãos dadas entre os jovens e a Igreja.

A todos, aos jovens e aos menos jovens, bom ano de 2012!

Catedral de Braga, Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, 1 de janeiro de 2012.

D. Manuel Linda, bispo auxiliar

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