Homilia do arcebispo de Évora na Missa Crismal

Saúdo-vos a todos com a “alegria cristã de nos reunirmos em nome do Senhor, para celebrarmos a Missa Crismal, em Quinta-feira Santa. Bendito seja Deus por cada um de vós. Bendito seja Deus pelo Presbitério Eborense e por todos os que nos acompanham no Amor Fraterno da oração e do serviço.

1. No Evangelho que acabámos de acolher, Jesus assume-se como o “Hoje” de Deus, Ele é o cumprimento pleno das promessas do Pai. N’Ele repousa a fidelidade daquele que prometeu enviar o Seu Ungido “a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor e o dia da ação libertadora do nosso Deus”.

Com Cristo, iniciaram-se os Novos Tempos, um “Ano da Graça”, que é o tempo da redenção e de Paz universal, o kairós da misericórdia de Deus. O anúncio messiânico de salvação que Jesus assume como cumprimento, implica a salvação do homem todo e de todos os homens. O mesmo Espírito de Deus que O ungiu, desceu sobre a Igreja em Dia de Pentecostes, constituindo a Igreja como Comunidade de Discípulos Missionários. Assim, como Cristo é o enviado do Pai, a Igreja é enviada, por Cristo, como portadora da Boa Nova, “Sacramento Universal de Salvação”.

Como ensina o Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no seu número 41, “nenhuma lei humana pode assegurar a dignidade pessoal e a liberdade do Homem como o fez o Evangelho de Cristo confiado à Igreja”. Eis a missão dos discípulos de Cristo: testemunhar com a vida o Evangelho, anunciado com a Palavra.

Caros irmãos, presbíteros, como vimos refletindo há quatro anos nos nossos Planos Pastorais, e pelos quais damos graças, cada um de nós é chamado pelo Senhor a ser Discípulo Missionário, cuidando da nossa filiação divina com todo o empenho. A nossa condição de batizados é primordial na experiência libertadora que fazemos como filhos amados de Deus. Não deixemos que as preocupações próprias do exercício do ministério, assumido com o Sacramento da Ordem, nos façam esquecer ou prescindir deste respirar quotidiano de Filhos de Deus, templos do Espírito Santo e herdeiros do Eterno. Que a vinculação ao estado clerical e eclesiástico, nunca nos roube a alegria e o vigor que nos vem da renovada vivência dos Sacramentos da Iniciação Cristã. Que cada Eucaristia que temos a felicidade de celebrar nos centre sempre de novo em Cristo e nos torne disponíveis para o serviço do Lava-pés a todos os irmãos. Beijemos o altar, o Evangeliário, os irmãos no ósculo da Paz, o Crucifixo e, hoje, os pés dos irmãos, com o renovado amor com que Cristo nos abraça em cada Eucaristia.

Nós somos essencialmente discípulos e vocacionalmente missionários. Esta dupla dimensão assinala a nossa estrutural dependência de Cristo e a conatural pertença e relação com o povo. O Presbítero sendo membro do povo de Deus, torna presente Cristo no seu povo. Assim, tudo em nós, tem de saber a Cristo. Tudo tem de respirar Cristo. Nós estamos, definitivamente, «tatuados» por Cristo. O que o sacerdote recebe no sacramento tem de se tornar visível na vida. A novidade de Cristo, como adverte Walter Kasper, está não tanto na Sua mensagem, mas sobretudo na Sua conduta. Jesus dizia o que vivia e vivia o que   dizia. Na missão, a competência é muito, mas a vivência é tudo.

Qual é, então, a nossa prioridade? A nossa prioridade é estar com Cristo. Aliás, o Evangelho anota que, antes de os enviar em missão, Jesus quis que os Doze vivessem em comunidade com Ele (cf. Mc 3, 14). Para ser discípulo de Cristo, é preciso ser recetáculo de Cristo. Parafraseando Sto. Inácio de Antioquia, diremos que todo o padre tem de ser «cristóforo», aquele que traz Cristo. Só quem traz Cristo pode dar Cristo. Todas as dependências são opressoras. Há, contudo, uma exceção: a dependência de Cristo. Só a dependência de Cristo é libertadora. O padre opta por ser inteiramente de Cristo. Ser padre é ser, pois, «cristocêntrico». Centrar-se em Cristo é a porta para aceitar até o que aparentemente não tem aceitação justificável e a chave para compreender até o que parece não ter compreensão possível. O mistério e o ministério do padre pode ser incompreensível para muitos. Só em Cristo, conseguimos amar e servir os que não nos compreendem. Só em Cristo conseguimos compreender o que nos dói aceitar. Se o discípulo não é superior ao Mestre (cf. Lc 6, 40), é normal que a vida do discípulo esteja decalcada na vida do Mestre. Torna-se, portanto, compreensível que o padre seja acompanhado pelo humanamente incompreensível. Mas se a Cruz esteve presente na vida de Cristo, como é que poderia estar ausente da nossa vida? Ele exprimiu com clareza a sua identidade, quando disse: “o meu reino não é deste mundo» e se referia ao «príncipe das trevas» como «príncipe deste mundo».

2. A autêntica espiritualidade do presbítero só pode ser alimentada e vivida através do cumprimento do seu ministério, ou seja, o presbítero cresce na fé e aprofunda a sua espiritualidade pelo exercício diário do seu ministério. Não existe «autarquia ministerial». O padre não age em seu nome. Não é gestor de uma carreira nem promotor dos seus interesses. Não está onde quer, mas onde são claros e discernidos os sinais de Deus que a Igreja lhe confirma e indica. Não vive para si, mas para Deus no seu povo, ama a Igreja e dá a vida, sabendo que a medida do Amor é amar sem medida.

Convém interiorizar que a eficácia do nosso ministério está condicionada pela autenticidade e pela fidelidade com que o vivemos, ou seja, uma maior ou menos fidelidade ao Evangelho no exercício do nosso ministério influencia claramente na evangelização, na presidência da comunidade ou na celebração dos Sacramentos, como nos referem a Presbyterorum Ordinis (nº12) e a Pastores Dabo Vobis (nº 25). E vice-versa: o que fazemos como presbíteros é parte integrante da nossa espiritualidade e é determinante para a nossa santificação; vivendo plenamente o nosso ministério, realizamo-nos como homens espirituais e, por isso, santificamo-nos; e mais, acolhemos os dons e carismas  que Deus dá àqueles que a elas se abrem.

3. Tendo presente beleza da nossa vocação e do Sim que ao modo de Maria, várias vezes pronunciamos no ritual das nossas promessas sacerdotais, no inesquecível dia da nossa ordenação, permiti caros presbíteros que relembre e tire algumas conclusões das nossas radicais decisões e compromissos. Faço-o para mim e para vós, perante os desafios do nosso ministério.

Como não há Pastoral sem pastores, é de suma importância que eles surjam em quantidade e sobretudo em qualidade. Quanto a esta última, a prioridade está sobretudo na maturidade humana e cristã, lucidez e dedicação. As relações entre os pastores são vitais para o êxito da Pastoral. Os pastores nunca podem estar desligados e jamais se hão-de sentir abandonados, nem por Deus, nem pelo Bispo, nem pelos colegas, nem pelos fiéis. Do que efetivamente necessitamos é de pastores segundo o coração de Deus (cf. Jer 3, 15) e à imagem do coração do Filho de Deus (cf. Mt 11, 29). Só na oração nos encontramos com o Amor inesgotável que nos ama como somos e jamais se cansa das nossas fraquezas, permaneçamos na fidelidade. Será desta vivência e da alegria que brota desta unidade de vida e ministério que nascerão as vocações daqueles que nos sucederão na nossa missão.

Não sendo um exclusivo dos pastores, a Pastoral não subsiste sem pastores, há dimensões eclesiais em que os presbíteros não poderão ser dispensados. É sobretudo o caso da paternidade espiritual, da celebração da Eucaristia que faz a Igreja e dos Sacramentos do perdão e da cura: a Reconciliação e a Santa Unção. O seu tríplice múnus de ensinar, santificar e conduzir a comunidade cristã no discernimento, na comunhão e na paz dos irmãos é imprescindível às comunidades cristãs e permanece desde as suas origens.

A partir da ordenação, nos pastores, nada neles é só deles; tudo neles é de Cristo. Desde o plano ontológico até ao plano existencial, não é o padre que vive, é Cristo que vive nele (cf. Gál 2, 20) e, por ele, em todos os que dele se aproximam, daí a sua incontornável importância.

No mundo, o padre é chamado a ser presença de Cristo. Isto significa que, no mundo, o padre é sinal de outro Reino. O nosso Papa Francisco tem-se referido a esta dimensão profética da Igreja: «Não à sua mundanização! Isto significa estar no tempo, mas sem ser do mundo, ser para o mundo».

Acontece que, nas comunidades, alguns costumam relevar (quase exclusivamente) a função. No limite, tornam-nos como funcionários a quem pedem que façamos o que nos exigem e a quem mal dão oportunidade para fazer o que devemos. E é assim que aquele que está chamado a ser um promotor de encontros passa por vezes, grande parte do tempo, a gerir desencontros com antagónicos entre interessas humanos.

É decisivo que a realidade sacramental se repercuta no testemunho vivencial. O que o padre recebe no sacramento tem de se tornar visível na vida. Na missão, a competência é muito, mas a vivência é tudo. Por isso importa que organizemos  sinodalmente as comunidades, onde os leigos assumam as funções próprias da sua laicidade, deem tempo e oportunidade para que o seu Padre possa exercitar plenamente o seu ministério, com tempo e paz.

Na Presbyterorum ordinis, o Concilio Vaticano II reconhece que o padre faz, «a seu modo, as vezes da própria pessoa de Cristo». Estar totalmente descentrado de si e estar plenamente recentrado em Cristo. Tal como Cristo é a transparência do Pai (cf. Jo 14, 9), o padre há-de ser a transparência de Cristo, como experimentamos, espalha Cristo quem espelha Cristo. E como o discípulo não é superior ao Mestre (cf. Lc 6, 40), é expectável que a vida do discípulo esteja decalcada na vida do Mestre. Se a Cruz esteve presente na vida de Cristo, como é que poderia estar ausente da vida do padre?

4. A todos vós, e em nome da Igreja Diocesana, agradeço a vossa fidelidade, serenidade e fraterna comunhão presbiteral. Nesta hora, em que estamos a ser generalizada e repetidamente censurados como poucas vezes o fomos na História, sentimos que, apesar da nossa debilidade e fraqueza, somos necessários como porventura nunca. Não nos escondemos nas nossas fraquezas, somos filhos da Luz e sabemos que só a verdade liberta, mas também não abdicamos da nossa missão: na liberdade religiosa e de consciência levar Cristo a todos e trazer todos a Cristo. Sem a Igreja e o seu contributo sociocultural e sem o sacerdote, como tornar presente Cristo sobretudo junto dos pobres e das vítimas de todos os abusos, que transversalmente desfiguram a Sociedade e também a Igreja. Sem o sacerdote, só podemos dizer que Cristo «foi». É com o sacerdote que podemos continuar a dizer que Cristo «é», que Cristo «está». É, pois, para Ele que nos voltamos, é a Ele que pedimos perdão e é sempre em nome d’Ele que distribuímos generosamente o perdão.

Às vezes, parece que Jesus Se ausenta da Sua Igreja. Mas, na verdade, é Ele que a conduz, é Ele quem a carrega. É imperioso voltar ao Jesus do Evangelho e ao Evangelho de Jesus. Revistamo-nos, então, de esperança (cf. 1Ped 3, 15). A manhã voltará a chegar e com ela cantaremos o Aleluia Pascal!

5. Convido-vos a todos a rezarmos ao Senhor por três irmãos que partiram para a Casa do Pai, desde a última Quinta-feira Santa, e que para sempre estarão vinculados a este presbitério: refiro-me ao saudoso Padre Carlos Cardoso de Melo nascido a 01 de setembro de 1926, ordenado presbítero a 26 de junho de 1949 e falecido em 5 de outubro de 2022, tendo sido sepultado na sua terra natal Moimenta-Cinfães a 6 de outubro de 2022; ao querido Padre Agostinho Crespo Leal nascido a 25 de janeiro de 1939, ordenado presbítero a 01 de julho de 1961 e falecido a 16 de fevereiro de 2023, sendo sido sepultado na sua terra natal Badamalos – Sabugal a 17 de fevereiro de 2023 e ao nosso estimado Padre José António Gonçalves, nascido a 28 de março de 1965, ordenado presbítero a 02 de julho de 1989 e falecido a 21 de fevereiro de 2023. Foi sepultado na sua terra natal, Covilhã, a 25 de fevereiro de 2023.

É nosso desejo trazer a esta oração os sacerdotes mais idosos e também os doentes. Recordamos com muita amizade o Cónego António Henrique de Freitas Guimarães a residir no Lar do Centro Paroquial da sua terra natal, Avanca, o Padre José de Leão Cordeiro a residir no Lar do Centro Paroquial do Couço, o Cónego António Gata Simões, os Padres António Santos, Manuel Botelho e Humberto Coelho a residirem na Casa Sacerdotal de Vila Viçosa, o Padre Abílio Antunes Lopes e o Padre Tarcísio Madeira Pinheiro, ambos nas suas terras natais na Diocese da Guarda. Rezemos pelas melhoras do nosso Cónego Júlio Roxo, ainda hospitalizado no Hospital do Espírito Santo, em Évora.

É com profunda gratidão a Deus que nos unimos ao Sr. D. Manuel Madureira Dias e louvamos o Senhor pela sua permanência entre nós. Que a fecundidade da sua dádiva na cruz de cada dia e do seu estudo, seja no silêncio do seu dia a dia, sinal profético de como comprova pela vida a palavra anunciada e ensinada.

Anuncio com grande alegria a celebração do jubileu de prata da ordenação episcopal do Sr. D. José Francisco Sanches Alves, Venerando  Arcebispo Emérito da nossa Arquidiocese. Sintamo-nos todos convidados para esta feliz celebração programada querendo Deus para o próximo dia 31 de maio.

Neste Ano Pastoral, elevamos o nosso canto de louvor pela celebração jubilar dos 50 anos de ordenação presbiteral do Caríssimo Padre Abílio Antunes Lopes, ordenado a 03 de junho de 1973, e ainda os 25 anos de ordenação dos Padres Ilídio Santos da Graça  CPPS (ordenado a 20 de dezembro de 1998), José Álvaro da Silva Alvarinhas OH (ordenado a 12 de julho de 1998) e ainda Padre Policarpo Fernandes Gonçalves Pereira MSC (ordenado a 18 de agosto de 1998).

Querendo Deus serão ordenados presbíteros o Diácono Bonifácio da Ordem Hospitaleira S. João de Deus a 4 de julho de 2023, em Montemor-o-Novo, e os Diáconos Rui Faia e Jorge Palácios (ordenação diaconal a 27 de novembro de 2022) e cuja ordenação presbiteral está prevista para 11 de junho de 2023.

Elevemos com gratidão o nosso louvor ao Senhor da barca para a qual fomos chamados a servir, na certeza de que Cristo é o seu piloto e o seu mastro é a cruz, como referiam os primeiros cristãos.

+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora

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Agência ECCLESIA

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