Homilia do Arcebispo de Braga na Peregrinação ao Santuário de N.ª Senhora da Penha

«Os Santuários tomam conta da Palavra» A peregrinação aos Santuários não pode ser um mero acto isento de qualquer intenção. Peregrinamos para ouvir um apelo de Deus e manifestar a nossa disponibilidade para o acolher. Neste sentido, este ano exultamos com a coincidência da festa litúrgica que hoje celebramos: a exaltação da Santa Cruz. Teremos de a interpretar no contexto do Ano Paulino que creio que já é Programa Pastoral das pessoas e das comunidades. Na verdade, S. Paulo fez uma experiência que terá de marcar as nossas vidas. Vivia na perseguição aos cristãos e num determinado momento deixou-se tomar pelo amor incondicionado de Deus que se tornou visível na cruz de Jesus Cristo de tal modo que este mesmo amor – feito Palavra – tomou conta dele. Contemplando o amor da cruz não quis encontrar um objecto a venerar, mas encontrou um Deus que se entregou para que a vida, no meio dos seus dramas, resplandeça em serenidade e esperança. Hoje o mundo aterroriza-nos. São muitos os factores de cruzes que deixarão de o ser quando acolhemos Cristo nas Suas propostas de vida. Permitam-me que convosco olhe para duas realidades muito concretas: a violência doméstica e a onda de insegurança provocada por assaltos violentos com roubos mesmo que à custa da morte de inocentes. Necessitamos duma legislação mais dura e de agentes mais disponíveis e preparados. Só que isto pode ser uma ilusão para gastar mais dinheiro do erário público. Tudo é importante e imprescindível. Só que a exaltação, ou seja, a eliminação destas cruzes só acontecerá através da aposta numa formação verdadeiramente humana onde os valores emergem como testemunho e condenação de comportamentos errados. Necessitamos de homens e mulheres novos onde resplandeça um humanismo integral que não se envergonha da transcendência para nos aceitarmos como irmãos que reconhecem o bem ou o mal feito aos outros como bem e mal feito a si mesmo. Só esta regra de ouro que destrói individualismos exagerados e conduz ao respeito pelo alheio, ao reconhecimento do valor sagrado da vida, à procura dum trabalho com salário justo e como direito para todos e à interpretação duma solidariedade activa que cria condições de vida digna para todos. É esta formação que deve tornar-se educação para todas as idades mas sobretudo na juventude. Ninguém pode ser fazedor de cruzes mas deve alegrar-se por corporizar um empenho que exalta ou seja liberta de tudo quanto é peso indigno. É a nossa vocação. Este testemunho de S. Paulo que acolhe o Amor de Deus e o anuncia ao mundo será o nosso Programa, de sempre, mas particularmente deste ano. Teremos de tomar conta da Palavra para nos encontrarmos com ela. Só que isto exige atitudes bem concretas e delineadas. O tempo é pouco. Urge preparar e calendarizar na vida pessoal e comunitária. Impor-se um programa e saber que naquele dia e naquela hora tenho um trabalho igual a todos os outros mas com uma importância vital maior. Ser capaz de ler, meditar, partilhar. Pegar na Bíblia, no livro “Um Ano a caminhar com S. Paulo” que todas as famílias deveriam ter e usar. São estas coisas pequenas que poderão custar, mas que criam um humanismo que dá alegria e cria esperança no dia-a-dia da vida pessoal e social, promovendo uma sociedade mais fraterna e solidária. Nunca a Palavra de Deus impediu a evolução da humanidade e também não é ela que nos torna retrógrados. É a sua ausência que gera este mundo de confusão e de medo no hoje e no amanhã. Não tenho receio em o afirmar: A Palavra de Deus, assumida e vivida, é a luz que dá à peregrinação humana um sentido. Os erros com que deparamos na sociedade não se devem aos valores evangélicos mas à sua ausência. Daí que a Igreja – paróquia, movimentos, Arquidiocese – não pode renunciar à responsabilidade de acolher e anunciar a Palavra de Deus, com os aplausos ou com as críticas. Mais ainda, a única coisa válida que a Igreja tem para oferecer à sociedade de hoje é a Palavra e tudo o resto se deve orientar neste sentido. As paróquias renovam-se pela Palavra. Os Santuários cumprem a sua razão de ser se privilegiam este cuidado e trabalho. Tudo vale desde que conduza a esta finalidade. Hoje quero recordar dois pormenores nesta eucaristia. Em primeiro lugar, o serviço dedicado e desinteressado do Pe. Álvaro Nogueira como capelão deste Santuário. Deixará a responsabilidade. Permanecerá o perfume da vida sacerdotal, alimentada pela Eucaristia e pelo amor à Senhora da Penha, que o Senhor Deus saberá recompensar. Em segundo lugar, a Irmandade, que tem realizado um trabalho criterioso de revalorização deste espaço sagrado, oferece à Igreja e à sociedade um novo melhoramento dentro dum programa que ainda não terminou. Dou graças a Deus pela vida do Pe. Álvaro e pelo empenho da Irmandade e, reconhecendo toda a dedicação, continuo a pedir que coloquemos a prioridade no anúncio da Palavra. Os Santuários, na beleza a promover e no serviço litúrgico, são verdadeiros altifalantes que chegam ao coração de muitos que doutro modo nunca seriam interpelados. Já caminhamos imenso na pastoral dos Santuários. Teremos de progredir e inventar modos de maneira que se tornem verdadeiras estradas de Damasco. Aí Paulo caiu abaixo das suas convicções, abriu-se à voz do alto e parte para se encontrar plenamente com Cristo no encontro que teve com Ananias. Não foi suficiente “ver-se cercado por uma luz vinda do alto”, nem ouvir palavras maravilhosas vindas da beleza de Deus. Encontrou-se com o representante de Deus que teve tempo para o acolher e o libertar da cegueira. Três ideias programáticas para os Santuários: criar condições para que os peregrinos se vejam tocados pela palavra; disponibilizar sacerdotes para ouvir com tempo e solicitude; orientar para que regressem a casa por outro caminho. Rezo para que o Evangelho, na beleza da natureza, se torne mais compreensível. Retorno às cruzes e à sua exaltação. Que Maria nos conceda o dom de reconhecer a dor alheia e de a libertarmos com a nossa solicitude. Penha, 14.09.2008 † D. Jorge Ortiga, A.P.

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