Homilia de Páscoa do Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

Irmãs e irmãos em Cristo,

  1. A circunstância de este ano estarmos a celebrar a Páscoa de Jesus em situação de quarentena orienta a nossa sensibilidade solidária para referências que a narração desse acontecimento nos sugere.

O evangelho começa por apresentar Maria Madalena que vai, de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro… Consternada ainda pelos episódios trágicos da detenção, condenação e dramática paixão e morte de Jesus, Maria Madalena ainda está sintonizada com o clima de morte e ainda respira o ambiente derrotista dos últimos dias. Por isso, caminha para o sepulcro que é o lugar da negação da vida, o espaço da morte e do fim, onde todas as esperanças foram vencidas.

Hoje, nós e o mundo temos muitas semelhanças com Maria Madalena. A pandemia, o coronavírus, as notícias do crescente número de infetados e de mortos; os receios do agravamento dos problemas sociais, como o desemprego, as desigualdades, a fome, a carestia… tudo contribui para que também nós acabemos por respirar um ar de pessimismo e deixemos que o nosso espírito esmoreça. Afinal, a presente situação acaba até por ser contranatura.

 

  1. Maria Madalena ia à procura de um sepulcro, ou seja, de algo encerrado em si mesmo e, para ser inviolável, selado. Porém, o que ela encontra é, nada mais, nada menos, que uma porta aberta — “viu a pedra retirada do sepulcro”. Esta é a boa nova neste dia de Páscoa: Cristo Ressuscitou; Ele abriu o que estava fechado nos subterrâneos da morte e do desespero. Com a ressurreição, escancarou a pedra da morte que encerrava a vida.

 

  1. Por isso, numa hora como esta em que vivemos, na qual poderemos ser tentados a ver apenas o que está fechado — desde as escolas, às indústrias — ou , como nós próprios, confinados a casa pelas medidas de quarentena, o anúncio da Ressurreição, dirigido a cada um de nós, impele-nos a abrir-nos à esperança, à nova vida divina que, na graça de Deus, nos inflama a alma, o espírito e o corpo.

Essa nova vida, alicerce de uma nova identidade para a humanidade, faz de cada mulher e de cada homem que pelo batismo a recebe novas criaturas, construtores do Reino de Deus no presente da história. Um reino de justiça e de paz. E habilita-nos a olhar para a vida, para a atual circunstância e vislumbrar que, através do amor, da solidariedade, do serviço, nós, com a graça de Deus, teremos força para remover do mundo encerrado em si mesmo a pedra do pesadelo, a pedra da ameaça, do perigo e do medo e abrir a porta da esperança e da confiança.

 

  1. Sim, Cristo Ressuscitou. A sua Ressurreição estabelece uma nova vocação para a humanidade. Somos feitos para a vida e não para a morte, nem para os cemitérios; somos chamados para a alegria e para a luz e não para a angústia ou para as trevas. A força que o Acontecimento que hoje celebramos introduziu e implantou na história é superior a qualquer energia cósmica ou a qualquer ameaça. Por isso, façamos nosso o eco da Escritura, coloquemos na vida a palavra que ressoou na manhã de Páscoa: «Não tenhais medo. Sou Eu, venci a morte.» Cristo Ressuscitado já não repousa naquele sepulcro visitado por Maria Madalena! Não, Cristo já não habita as regiões da morte, mas ressuscitou para as nossas vidas. Ele está vivo e participa da nossa história, dos nossos desafios, dos nossos dramas, das nossas esperanças… Por isso, convido-vos a encontrá-l’O dentro da vossa vida, porque é aí que Ele partilha hoje as vicissitudes da vossa existência e toma parte no que padeceis, no que realizais ou projetais.

 

  1. Hoje, irmãs e irmãos, quero ainda evocar duas brisas que ao longo dos tempos inspiraram muitas mulheres e homens de boa vontade.

Antes de mais, recordo como foi construída a primeira teologia da ressurreição pela Igreja nascente. Os irmãos recordavam o anúncio de Jesus, segundo o qual «Subiremos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, e eles vão condená-lo à morte e entregá-lo aos gentios. E hão de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo. Mas, três dias depois, ressuscitará» (Mc 10, 33-34). Ou seja, Jesus tinha vaticinado que haveriam de subir a Jerusalém e que o Filho do Homem haveria de ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei. E, de facto, assim aconteceu. Que eles haveriam de o condenar à morte. E, de facto, foi condenado. Que haveriam de o entregar aos gentios. E a eles foi entregue. Que o haveriam de escarnecer, que haveriam de cuspir sobre Ele, que haveriam de o açoitar e matar. E, de facto, foi escarnecido, açoitado e morto.

 

Ora, se tudo isto que foi anunciado se cumpriu — assim pensavam os primeiros cristãos —, então, não temos nenhum motivo para não acreditar que também o anúncio de que três dias depois haveria de ressuscitar se realizou igualmente. Se foi verdade que foi condenado, escarnecido, açoitado e morto, também é verdade que ressuscitou. Assim pensavam os irmãos da primeira hora do cristianismo. Hoje, somos desafiados a vislumbrar, nas dificuldades do presente, a verdade da esperança que o acontecimento da ressurreição descerra.

 

  1. Em segundo lugar, quero hoje e aqui evocar o grande poeta português Luiz de Camões que identifica na Ressurreição de Jesus Cristo, precisamente, o alicerce da gloriosa história de Portugal, «nação imortal», feita d´ «aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da Morte libertando».

Crente na ressurreição de Cristo, acreditou também na ressurreição de toda a humanidade, como se pode depreender do famoso Ct X, 115:

«O corpo morto manda ser trazido,

Que ressuscite (…)

Por testemunho, o seu, mais aprovado

Viram todos o moço vivo, erguido,

Em nome de Jesus crucificado.»

 

Votos de Santa Páscoa. A luz da esperança nos ilumine. Amen!

D. Rui Valério

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