Homilia de D. José Policarpo na Solenidade da Imaculada Conceição

“Fortalecidos por Deus para a Missão”

 

1. Na Conceição Imaculada de Maria, a força criadora da acção de Deus na criatura, atinge a sua expressão máxima e a sua plenitude. A natureza desta intervenção de Deus é a mesma da acção da graça em todos os santos: libertar o coração humano da influência negativa do pecado, tornando a criatura capaz da intimidade amorosa com Deus e de realizar a missão que Deus destina a cada um. Em Maria, concretizou-se, desde o primeiro momento da sua existência, aquilo que o Anjo lhe anuncia: “A Deus nada é impossível” (Lc. 1, 37). E esta acção de Deus nas criaturas tem um duplo sentido: tornar a criatura capaz da intimidade com Deus e de realizar a missão a que Deus a chama. Para o evangelista São Lucas é claro que esta radical acção de Deus em Maria a prepara para a missão de ser a Mãe do Messias.

Deus criou o homem à sua Imagem para que este possa, no dia do Senhor, participar da sua glória e fruir da sua intimidade. Mas o homem tem de desejar e querer participar um dia dessa plenitude de amor. A história da humanidade torna-se, assim, numa longa busca da pátria celeste. E Deus envia continuamente mensageiros, seus porta-vozes, a suscitar nos homens esse desejo, e a ajudá-los a viver a sua história presente, como uma busca contínua do Reino dos Céus. Escolheu um Povo da sua predilecção, enviou-lhes profetas e sacerdotes, comunicou-lhes uma regra de vida. E na plenitude deste processo, o seu próprio Filho faz-se Homem, a acção mais radical de Deus para que a humanidade não deixe de desejar essa plenitude do amor divino. Cristo inaugurou um tempo novo. O povo dos que O seguem, pode experimentar já neste mundo, a alegria da intimidade com Deus e, nesse saborear das primícias do Reino dos Céus, aprofunda-se o desejo da plenitude final. A Igreja é um povo que experimenta Deus e, por isso, deseja mais intensamente a plenitude dessa convivência. É para fortalecer essa experiência e aprofundar esse desejo, que Cristo lhe envia apóstolos e testemunhas, e derrama sobre todos os seus membros o Espírito criador e transformador, chamando à missão todos aqueles que consagrou.

A missão continua a ter importância decisiva na condução deste Povo para a vivência do Reino dos Céus, já, na humildade da fé e das lutas do tempo presente e no desejo da pátria celeste. E a todos os que chama a uma missão, Deus fortalece-os com a sua graça, pois a missão é mais testemunho do que tarefa. A Carta aos Efésios é testemunho da clareza com que a Igreja apostólica via esta união inquebrável entre missão e acção de Deus naqueles que envia: “Em Cristo, fomos constituídos herdeiros, por termos sido predestinados, segundo os desígnios d’Aquele que tudo realiza conforme a decisão da sua vontade, para sermos um hino de louvor da sua glória” (Efs. 1,11-12). Consagração e missão encontram-se no sentido novo que a vida humana adquire em Cristo. A consagração é a acção poderosa do Espírito de Deus no coração humano; a missão é o envio para anunciar e tornar já presente o dinamismo do Reino de Deus. A consagração prepara para a missão. E todos os que são consagrados – o vocábulo grego significa também santificados – são enviados. E sempre que assumimos conscientemente uma missão, temos a garantia da contínua e solícita acção de Deus, tornando-nos capazes, em cada momento e em cada circunstância, de realizar a missão a que o Senhor nos chamou.

Este é o segredo da nova evangelização: viver, com um ardor sempre novo, a consagração de Deus, aprofundando e radicalizando em cada expressão da vida, a natureza que nos foi dada e a radicalidade do amor de Cristo e exprimindo essa consagração na missão. A vida daqueles que Cristo consagrou é, toda ela, missão, desejando que o Senhor nos liberte do pecado e crie em nós um coração puro, capaz de amar e servir o desígnio de Deus. Toda a missão exige um coração imaculado.

 

2. A Conceição Imaculada de Maria, autêntica consagração obra do Espírito Santo, exprime-se na perfeição da sua comunhão com Deus e na total obediência na aceitação da missão. Do mesmo modo que, na narração do Génesis, depois da criação do homem e da mulher, Deus se revê na Sua criação: “Deus viu tudo o que tinha feito e era tudo muito bom”; na anunciação do Anjo, Deus revê-Se, com um encantamento especial, nessa sua criatura única, Maria. “Encontraste graça diante de Deus” (Lc. 1, 30), ou seja, Deus está encantado contigo. E é esta fruição de Deus da beleza da sua criatura que anuncia a missão. “Conceberás e darás à luz um filho”, isto é, serás Mãe desse Filho prometido e esperado. É misteriosa a missão como o fora a consagração, e desta brota a disponibilidade obediente: “Eis a escrava do Senhor; cumpra-se em mim a tua Palavra” (Lc. 1,38). Maria é consagrada para a missão, e Deus rever-se-á nela, tanto na total disponibilidade para a missão, como na beleza do seu Coração Imaculado.

A missão de Maria é ser Mãe. Já tinha sido a de Eva: “O homem deu a sua mulher o nome de Eva, porque ela foi a mãe de todos os viventes” (Gen. 3,20). Maria é a nova Eva, porque a sua é a maternidade renovada. O seu Filho é o princípio de uma nova criação e Ele quis que ela fosse Mãe de todos os que, fruto da sua Páscoa, revivem a dignidade de filhos de Deus. Na ordem da redenção, Maria é, realmente, a Mãe de todos os resgatados, os que são chamados a viver a vida nova.

A única missão de Maria é ser Mãe, missão grandiosa e misteriosa, que se confunde com o mistério de Cristo, o desígnio escondido desde séculos. Quando, no alto da Cruz, Jesus a dá como Mãe aos discípulos, a maternidade de Maria ganha as fronteiras da redenção de Cristo. Quanto mais imaculado é o seu Coração, mais profundo e universal é o seu amor maternal. Só no Céu poderemos perceber em que medida a vida de cada um de nós, no nosso caminho de redenção, é fruto desse amor maternal.

No seu Coração Imaculado, Maria venceu a maldição de Eva, a quem Deus tinha dito, na sequência do pecado: “multiplicarei os teus sofrimentos e as tuas gravidezes, darás à luz os teus filhos na dor” (Gen. 3,16). Tal como a consagração, também a realização da missão será obra exclusiva de Deus. No seu parto virginal, Maria não dará à luz o seu Filho na dor”. Mas será Mãe, na 4

dor, ao dar à luz os novos filhos que o seu Filho redimiu na dor. A sua dor maternal é a dor do seu Filho na Cruz. Ela é co-redentora, neste gerar os novos filhos de Deus. Simeão anunciou-lhe: “Uma espada trespassará a tua alma, para que se revelem os pensamentos de muitos corações” (Lc. 3,35). “Aos pés da Cruz de Jesus estavam sua Mãe e a irmã de sua Mãe, Maria de Cléofas e Maria Madalena”. A espada anunciada acaba de lhe trespassar a alma, como a espada do soldado trespassou o coração do seu Filho morto. A “pietá”, eternizou na piedade cristã esta missão de Maria, como mulher, dando à luz os seus filhos na dor.

 

3. Ainda hoje Deus consagra e envia em missão. Só a acção do seu Espírito em nós nos prepara para a missão, para a aceitar e para a realizar. A acção da graça de Deus em nós é tornar imaculado o nosso coração ferido pelo pecado, porque o Reino de Deus exige corações puros. “Bem-aventurados os que têm um coração puro, porque verão a Deus” Mt. 5,8). A transformação do nosso coração pecador é também o fruto maravilhoso do amor maternal de Maria. Sermos amados por uma Coração Imaculado, purifica o nosso coração.

Sé Patriarcal, 8 de Dezembro de 2010

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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