Homilia de D. Jorge Ortiga na Solenidade da Imaculada Conceição

O Papa Pio IX, num contexto próprio da história, propôs a todo o mundo católico o dogma da Imaculada Conceição (Bula Ineffabilis Deus, em 8-12-1854). Maria concebeu sem pecado original. Em virtude do acolhimento do Filho de Deus, ela é a cheia de graça a quem nós saudamos amorosamente.

Já antes desta declaração doutrinal Maria, a Mãe do Senhor, era acolhida por muitos cristãos e pregada por muitos evangelizadores como modelo a seguir. Muitos foram os países que se dedicaram a Maria. Portugal proclamou Nossa Senhora da Conceição como padroeira do Reino.

O Evangelho coloca a Palavra de Deus no seio de Maria. A resposta “faça-se em mim segundo a tua palavra” testemunha a sua liberdade interior e a alegria que sente em assumir a maternidade como um presente de Deus. Viver a e da Palavra nem sempre é confortável, ela é “como uma espada de dois gumes”, porque nos desinstala das comodidades e estatutos adquiridos para empreendermos rasgos proféticos que despertem sinais de esperança na humanidade. Sozinhos nada somos nem podemos nada. Sem Deus vivemos ausentes da história e da vida verdadeira. Face às nossas dúvidas e dores, tal como diante da perturbação de Maria, acreditamos que “a Deus nada é impossível”.

Neste tempo de Advento fazemos festa com Maria. Celebrar a Imaculada Conceição é um apelo à nossa vocação cristã. S. Paulo, na segunda leitura, elenca um conjunto de dimensões que deveríamos meditar permanentemente. Segundo o apóstolo dos gentios, fomos escolhidos por Deus para “ser santos e irrepreensíveis”, para nos tornarmos verdadeiros filhos de Deus e proclamar aos irmãos a “graça” que Deus derrama no coração do ser humano.

A exigência e a beleza da vida cristã orienta-se para Deus-Pai que acompanha, sugere e ilumina o caminho do Homem. A Palavra de Deus é a bússola que orienta e dá coerência interior ao nosso modo de vida cristã. Em virtude da Palavra, Maria sentiu a responsabilidade do chamamento de Deus. Não ficou imobilizada nos lamentos e nas perguntas. Ela quis partilhar a alegria da saudação de Deus e por isso “correu apressadamente” para visitar e auxiliar a sua prima Isabel. A energia gasta em reclamações consome a energia para exigir com ousadia. O anúncio de Deus implica serviço e missão junto dos que vivem à margem dos princípios básicos de cidadania. Pensar com o coração e sentir com a razão é o desafio que nos toca a todos.

A Solenidade da Imaculada Conceição convida-nos a tomar consciência da nossa história que a reconheceu como Padroeira de Portugal. Neste gesto de estima e gratidão, queremos fazer memória de todos portugueses, confiar-lhe o presente e o futuro da nossa Pátria. A situação actual não pode dispensar-nos desta prece comunitária como pedido de esperança num tempo novo.

Este Portugal novo que pedimos a Maria é missão de todos os portugueses. Uma responsabilidade comum que desafia a capacidade criativa de todos os cidadãos na edificação cultural, económica, política e espiritual do país. Todos estamos convocados para este empreendimento. É maravilhoso verificar a onda de solidariedade que está a surgir nas diversas localidades do nosso país. Uma solidariedade que precisa da fraternidade e do amor para não esmorecer face ao crescimento diário da pobreza e da precariedade humanas. É igualmente maravilhoso ver novos projectos de dinamização económica que colocam a pessoa no centro das suas preocupações. Damos graças a Deus pelo coração generoso de tanta gente disposta a partilhar os seus bens e por todos os que estão a iniciar uma mudança de paradigma ao nível dos centros de decisão. Mudança já não segundo a lógica do poder e da prepotência mas do mérito e do serviço ao bem comum.

Maria assumiu a sua vocação de mãe juntamente com a paternidade adoptiva de S. José, seu esposo. Jesus nasceu e cresceu como tantos outros meninos da sua época. Esta família de Nazaré sentiu dificuldades mas não se deixou vencer por elas. Nos momentos históricos graves existe sempre a tentação dum certo desânimo e desencanto que pode levar ao oportunismo ou à subsidiodependência. Não basta dar pão é preciso lutar por ele com todas as nossas forças.

Urge, por isso, criar um novo tecido produtivo que proporcione uma economia social, horizontal, de partilha de responsabilidades, sem os clichés e as lutas habituais entre patronato e trabalhadores. Um modelo que sirva as pessoas e o desenvolvimento comunitário das nossas cidades, vilas e aldeias. Compete a quem de direito regular a economia segundo os princípios da justiça, da equidade e da responsabilidade comunitária.

Que Maria faça com que o pão da vida chegue à boca e o coração de todos povos pois “nem só de pão vive o homem mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Não é tempo de lágrimas, alegremo-nos na feliz esperança da vinda do Emanuel, o Deus-connosco que vem ao nosso encontro.

Sameiro, Solenidade da Imaculada Conceição, 8 de Dezembro de 2010,

 † Jorge Ortiga, A.P.

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