Homilia de D. Jacinto Botelho no Dia Mundial da Paz

Nesta Missa que estamos a viver, no início do novo ano, há várias referências interligadas que devem merecer a nossa reflexão. Celebramos a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Ela é a mulher anunciada depois da transgressão original dos nossos primeiros pais que maculou a obra da criação, é Aquela, a quem a serpente da tentação não conseguirá atingir, nem sequer o calcanhar, referida por isso como aurora da salvação, Ela é a Mãe que nos dá o Filho de Deus que abre a plenitude dos tempos para nos tornar filhos adoptivos, à qual o texto da Carta de S. Paulo aos Gálatas se refere, a mesma que os Pastores encontraram ao lado de José, na gruta de Belém, e que, no alto do Calvário, o Filho, Jesus, nos havia de doar como Mãe. No princípio de um novo ano civil, cada vez mais conscientes das limitações e carências que envolvem a existência de cada um, carregados de densas preocupações e problemas, é para Ela que voltamos o nosso olhar, confiantes na Sua solícita atenção materna; e para na Escola de que Ela é Mestra, aprendermos a lição que podemos condensar na recomendação carregada de afecto feita aos serventes das bodas de Caná: Fazei tudo quanto Ele vos disser. Oxalá que ao longo do ano, a ressonância deste conselho, seja a luz iluminadora de todos os projectos e realizações. Mas desde 1968, há portanto 40 anos, por vontade de Paulo VI, celebramos hoje, 1 de Janeiro, o Dia Mundial da Paz. A Paz é Bênção de Deus, expressão do Seu olhar misericordioso e benevolente, como a apresenta o Livro dos Números, na comunicação inspirada do Senhor a Moisés que a primeira leitura nos recordou. O Santo Padre propõe-nos o tema para este ano: Combater a pobreza, construir a paz. Não se trata da pobreza proposta por Jesus como virtude evangélica, e que Ele escolheu para concretizar o mistério da Incarnação e da Redenção. É a pobreza miserável, tanto de ordem material, como de ordem espiritual. É “a pobreza que impede as pessoas e as famílias de viverem segundo a sua dignidade, que ofende a justiça e a igualdade, e como tal ameaça a convivência pacífica”, como a identificou O santo Padre na homilia desta manhã. Todos a experimentamos. Há um clima de séria apreensão nos últimos dias, diante da violência das represálias e da morte que opõe palestinianos e israelitas; são preocupantes as informações que nos chegam do Afeganistão, da Índia e do Iraque; deixa-nos estarrecidos a situação de miséria extrema que dizima multidões, particularmente crianças em tantos países africanos e campos que são mais antros de morte que de refugiados, sem se vislumbrarem respostas de esperança que dêem novo rumo aos acontecimentos e quase parece, diante da insensibilidade dos países conhecidos como civilizados. Entre nós, os casos de violência e consequente insegurança multiplicam-se, o descontentamento e o desencanto é cada vez mais generalizado, o espectro do desemprego, provocado pela tão falada crise, aparece por toda a parte, prevendo-se o cortejo da fome, da instabilidade, do desespero, do crime, que o acompanham, enquanto crescem desigualdades económicas escandalosas a instigar a vontade da revolta e da insurreição. Dá-nos a sensação de que nos rodeia uma atmosfera de pólvora na iminência de explodir. O Santo Padre, atento à situação que o mundo atravessa, convida-nos, como já referi, a que reflictamos sobre o tema: combater a pobreza, construir a paz. Bento XVI denuncia com veemência, e exemplifica núcleos dramáticos da pobreza actual. Começa por corrigir o pensamento de que o desenvolvimento demográfico é factor de pobreza, e desmascara as campanhas de redução da natalidade que “não respeitam, nem a dignidade da mulher, nem o direito dos esposos a decidirem responsavelmente o número de filhos, nem sequer o direito inalienável à vida, com o extermínio de milhões de nascituros, em nome da luta contra a pobreza, o que constitui a eliminação dos mais pobres, dentro os seres humanos”; e demonstra com a experiência como o aumento dos índices de natalidade têm sido determinantes na riqueza de tantas nações. Outro âmbito que preocupa o Santo Padre Bento XVI, é a relação entre as pandemias (malária, tuberculose, SIDA) e a pobreza, a reclamar urgentes “campanhas que eduquem, especialmente os jovens, para uma sexualidade plenamente respeitadora da dignidade da pessoa. A pobreza das crianças, sempre “as vítimas mais vulneráveis”, merece ao Santo Padre uma especial atenção e uma palavra de advertência: “Quando a família se debilita, os danos recaem inevitavelmente sobre as crianças. Onde não é tutelada a dignidade da mulher e da mãe, a ressentir-se do facto são principalmente os filhos.” Em quarto lugar faz referência Bento XVI à relação entre desarmamento e progresso, verberando, como voltou a fazê-lo na homilia desta manhã, que “os ingentes recursos materiais e humanos empregados nas despesas militares e no armamento, são desviados dos projectos de desenvolvimento dos povos, especialmente dos mais pobres e necessitados de ajuda.” […] Além disso, um excessivo aumento da despesa militar corre o risco de acelerar uma corrida aos armamentos que provoca faixas de subdesenvolvimento e desespero, transformando-se assim, paradoxalmente, em actor de instabilidade, tensão e conflito.” Por último assinala o Santo Padre “a crise alimentar, não tanto por insuficiência de alimento, mas pela dificuldade de acesso a ele, pela falta de um reajustamento de instituições políticas e económicas que seja capaz de fazer frente às necessidades e emergências”. À globalização dos factores geradores de pobreza, tem de responder-se com uma globalização de solidariedade. Entretanto adverte Sua Santidade: “A marginalização dos pobres da terra só pode encontrar válidos instrumentos de recuperação na globalização, se cada homem se sentir pessoalmente atingido pelas injustiças existentes no mundo e pelas violações dos direitos humanos ligados a elas”. Temos de empenhar-nos, como cristãos conscientes, membros duma Igreja, que “é sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano”, em descobrir cada vez com mais consciência e sentido de responsabilidade que “todos os homens somos filhos do mesmo Pai, e estamos intimamente ligados a Cristo que na Cruz a todos amou, e todos somos destinados à mesma felicidade eterna”. Aconselhava-nos Sua Santidade na homilia da manhã a que estabeleçamos um círculo «virtuoso» entre a pobreza que deve ser escolhida como conselho evangélico e a que tem de ser combatida como desgraça. São particularmente incisivas as duas interrogações que o Santo Padre se dirige a si próprio e nos faz a todos, a propósito da actual crise económica global que deveremos considerar como uma prova de exame que temos de prestar. Pergunta Bento XVI: “Estamos preparados para lê-la (a crise económica) na sua complexidade, como um desafio para o futuro, e não apenas como uma emergência à qual se dá uma resposta imediata, sem grande alcance? Estamos dispostos a fazer em conjunto uma revisão profunda do modelo de desenvolvimento dominante para corrigi-lo de modo concertado e com larga visão?” Momentos depois, nas palavras da recitação do Angelus e a propósito do mesmo assunto, seria mais concreto ainda: “Não basta, como diria Jesus, colocar um remendo novo num vestido velho”. A promoção efectiva da paz é um caminho de conversão pessoal no que de mais específico deve caracterizar o testemunho cristão: a caridade fraterna. Está nesta linha o apelo com que Bento XVI conclui a sua mensagem: “A Comunidade Cristã não deixará de assegurar o seu apoio à família humana inteira nos seus impulsos de solidariedade criativa, tendentes não só a partilhar o supérfluo, mas sobretudo a alterar «os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades”. E de modo mais personalizado e directo oi Santo lança o repto: “A cada discípulo de Cristo bem como a toda a pessoa de boa vontade, dirijo, no início de um novo ano, um caloroso convite a alargar o coração às necessidades dos pobres e a fazer tudo o que lhe for concretamente possível para ir em seu socorro.” O ano de 2009, que hoje começa, está inserido naquela plenitude dos tempos referida por S, Paulo na Carta aos Gálatas, e quantos vamos vivê-lo estamos redimidos pelo Menino do presépio de Belém. Com a certeza desta esperança e com muita fé, rezemos, neste dia da Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus: “Vela por nós, filhos teus, Mãe de Jesus, nossa Mãe. Tu podes: és Mãe de Deus; Tu deves: és nossa Mãe. Que propósito é que estas palavras exigem de mim e de ti? Desejo a todos um 2009 muito solidário.

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