Homilia de D. António Vitalino na XII Peregrinação da Diocese de Beja a Fátima

Com Maria, redescobrir o Evangelho da Esperança

Estimados peregrinos de Nossa Sr.ª de Fátima,

1. Deixámos as nossas terras, vindos de vários lados, hoje também em grande número do Baixo Alentejo, integrados na peregrinação diocesana de Beja, mas aqui, neste recinto sagrado, formamos uma só assembleia dos filhos de Deus, tendo no coração um amor filial a Nossa Senhora, a Mãe de Jesus e nossa Mãe, que neste lugar sagrado apareceu a três crianças, de 13 de Maio a 13 de Outubro de 1917. Desde então milhões de pessoas de todo o mundo passaram por este santuário e só Deus sabe das mudanças verificadas nas suas vidas! Mas uma coisa é certa: a mensagem do céu aqui recebida pelas três crianças e que elas, na sua simplicidade souberam transmitir, operou grandes transformações no mundo. E, como disse o Santo Padre Bento XVI na sua recente visita apostólica a Portugal, que teve o ponto alto na peregrinação a Fátima de 12 e 13 de Maio, esta mensagem continua a irradiar na vida da Igreja. Por isso aqui viemos agradecer a Nossa Senhora, com a certeza de que nunca se ouviu dizer que alguém que a ela tivesse recorrido deixasse de ser atendido. Abramos os nossos ouvidos, para escutarmos de novo a mensagem e desbloqueemos o nosso coração e os nossos lábios, para formularmos as nossas preces. Aproveitemos esta oportunidade de graça.

 

2. Estamos a celebrar a Eucaristia do 13.º domingo do tempo comum. Já foram proclamadas as leituras da Sagrada Escritura, do nosso livro sagrado, património precioso do Povo de Deus e desconhecido da parte de muitos católicos. Precisamos de nos abeirar amiúde da Palavra de Deus, pois só Ele tem palavras de vida eterna. No meio do palavreado subjectivo e demagógico, sem compromisso de quem fala, ouvimos Deus a falar-nos por meio dos profetas e na plenitude dos tempos por Jesus Cristo, que nos afirmam e testemunham o amor, a aliança e a fidelidade de Deus para com o seu povo, sempre sim ao seu amor até ao dom total da vida. É esta certeza que celebramos sempre que nos reunimos, para escutar a sua Palavra e celebrar a memória da sua última Ceia e do sacrifício da sua morte na Eucaristia.

 

3. Na leitura da Carta de S. Paulo aos Gálatas foi-nos dito: Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou… Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade.Contudo, não abuseis da liberdade como pretexto para viverdes segundo a carne; mas, pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros, porque toda a Lei se resume nesta palavra: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo».

Repetindo aqui estas palavras tão interpelativas do apóstolo S. Paulo, interroguemo-nos sobre o nosso modo de compreender e viver a liberdade, uma característica fundamental da nossa dignidade. Somos livres de quê e para quê? S. Paulo diz-nos que o sentido da liberdade é o amor. Só quem ama é verdadeiramente livre. Quem vive a sua liberdade num sentido egoísta, para fazer o que lhe apetece e agrada, acaba por tornar-se escravo de si mesmo e cai no vazio da solidão, do sem sentido, da autodestruição. Porque fomos feitos para amar e só o amor conseguimos a perfeição da existência.

No Evangelho de hoje vemos essa afirmação da liberdade na vida de Jesus e dos seus discípulos. Liberdade que exige renúncia a si mesmo, desprendimento das amarras do ter, do poder e do prestígio, para ouvir o chamamento de Jesus e segui-l’O até Jerusalém, no caminho do dom da vida e no respeito pela liberdade dos outros, mesmo daqueles que não estão de acordo connosco, não nos acolhem e até nos rejeitam. Por isso Jesus repreende os seus apóstolos, que pedem um castigo contra os samaritanos pouco hospitaleiros. Ele quer seguidores livres, à semelhança de Eliseu, que escutou o chamamento do profeta Elias. A sua mensagem é uma proposta de liberdade, e não uma imposição. Isto mesmo repetiu o Santo Padre Bento XVI na sua homilia no Porto: Nada impomos, mas sempre propomos, como Pedro nos recomenda numa das suas cartas: «Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder a quem quer que seja sobre a razão da esperança que há em vós» (1 Ped 3, 15). E todos afinal no-la pedem, mesmo quem pareça que não. Por experiência própria e comum, bem sabemos que é por Jesus que todos esperam. De facto, as expectativas mais profundas do mundo e as grandes certezas do Evangelho cruzam-se na irrecusável missão que nos compete, pois «sem Deus, o ser humano não sabe para onde ir e não consegue sequer compreender quem seja.

 

4. Sim, caríssimos peregrinos de Fátima, é cada um de nós que precisa de escutar a Palavra e o chamamento de Deus, converter-se dos caminhos afastados de Jesus e do amor. Foi este testemunho que nos deram os pastorinhos de Fátima, depois de terem escutado a branca Senhora: rezai pela conversão dos pecadores, para que se convertam e deixem de ofender Jesus, oferecei sacrifícios e a oração do rosário pela paz no mundo e pelo Santo Padre. Estes pedidos da Senhora foram levados a sério pelas inocentes crianças. Deixaram de viver para as suas brincadeiras e diversões e não se cansavam de partilhar com amor e alegria a sua oração, os seus sacrifícios voluntários e até mesmo as suas pobres merendas. Vem muito a propósito dos tempos em que vivemos o lema escolhido pelo Santuário: partilhar com alegria como a Jacinta. Sim, precisamos de nos converter à partilha; à solidariedade por amor ao próximo, deixar a ganância e a cobiça do alheio e denunciar, mais pelo testemunho que por palavras, quem vive na corrupção e no esbanjamento, esquecendo o bem comum e a verdade da doutrina social da Igreja de que somos administradores dos bens e não senhores absolutos.

Sem ficarmos à espera de que os outros cumpram estas verdades fundamentais, dêmos nós o exemplo, mesmo que simples e humilde, como o fizeram os pastorinhos de Fátima, conscientes de que a sabedoria de Deus se manifesta nas crianças, para confusão dos soberbos e avarentos. Não tenhamos medo nem fiquemos tristes, mas com alegria, como a Jacinta, partilhemos e sejamos solidários. Acima de tudo sejamos livres para amar, sobretudo aqueles que o mundo rejeita e humilha.

 

5. Queridos peregrinos, do Alentejo e de outras partes, confiantes no Espírito de Deus, no seu amor infinito, mais forte que o nosso pecado, para que vivamos segundo o espírito e não de acordo com os instintos carnais do egoísmo. Aqui estamos a implorar, por intercessão de Maria, para que esse espírito de amor e de piedade penetre nas nossas famílias, no coração dos pais e dos filhos, dos avós e dos netos, dos vizinhos e dos governantes, para que ninguém se sinta só ou rejeitado, abandonado no desemprego e na falta de sentido para a sua existência, mas experimentemos já na terra a realidade daquilo que somos chamados a levar à plena realização: mendigos do amor, peregrinos de Deus, cujo amor se derrama no coração dos seus filhos.

 

6. Senhora de Fátima, eis aqui os teus filhos, vindos do Alentejo e de muitas outras partes do mundo. A Vós, a Virgem do Rosário de Fátima, de cujo santuário hoje somos peregrinos, confio os irmãos doentes e aflitos, as vítimas da crise económica e ecológica, os desempregados, pois Vós sóis verdadeiramente Mãe de misericórdia e esperança nossa. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos de alcançar as promessas de Cristo. Amen!

 

António Vitalino, Bispo de Beja

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