Homilia de D. António Carrilho na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

“Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22,19)

Celebramos com profunda alegria e amor, a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, dom por excelência da Santíssima Trindade confiado à Igreja. Neste dia, o silêncio contemplativo da Ceia da despedida de Quinta-Feira Santa, inefável mistério da Eucaristia, conduz ao canto de Louvor e Acção de Graças do Povo de Deus pelo memorial de todas as maravilhas do Senhor. “Grandes e admiráveis são as Vossas obras, Senhor Deus Omnipotente”!

Em cada Eucaristia somos envolvidos pela força do imenso Amor de Cristo, morto e ressuscitado, que Se oferece a cada homem e a cada mulher na humildade do Pão e do Vinho consagrados, inesgotável fonte de Vida, Paz e Alegria para a caminhada das nossas vidas.

 

A Eucaristia, memorial das maravilhas de Deus

Na primeira leitura, o excerto do Livro do Génesis (14,18-20), salienta a singular e misteriosa figura de Melquisedec, símbolo de Cristo, Sumo e eterno Sacerdote, que abençoa Abraão, depois de uma vitória em combate. “Abençoado seja Abraão pelo Deus Altíssimo, criador do céu e da terra” (Gen 14,19). Ele não oferece a Deus os tradicionais sacrifícios de animais, mas pão e vinho, como Jesus na última Ceia. Os Padres da Igreja viram, nessa oferta do pão e do vinho, o sacrifício da Nova Aliança, a Eucaristia.

S. Paulo, na carta aos Coríntios, proclamada na segunda leitura (cf. 1Cor 11,23-26) apresenta-nos o testemunho mais antigo, sobre a instituição da Santíssima Eucaristia. É notório o cuidado do Apóstolo em evidenciar que recebeu do próprio Senhor o dom de celebrar o memorial da Ceia Pascal. “Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim”. Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim” (1Cor 11, 23-25). Com estas palavras, Cristo confia aos Apóstolos o poder de celebrar a Eucaristia, memorial da Sua Paixão, Morte e Ressurreição, instituindo assim o sacerdócio ministerial, que participa do único e eterno Sacerdócio de Cristo.

A Eucaristia é o Pão da Vida, o Sol da Esperança, que ilumina o coração da Humanidade, ferida pelo mal, mas sedenta de Paz e de Infinito. Este admirável Banquete é caudal de Graça e Alegria, para todos os que acreditam e lutam pela construção de um mundo melhor e mais solidário. Como escreve o Papa Bento XVI, “a própria Eucaristia projecta uma luz intensa sobre a história humana e todo o universo” (Sacramento da Caridade, 91).

 

Banquete de Vida, oferta de Amor

O texto do Evangelho de S. Lucas (9,11-17), também há pouco escutado, narra-nos o admirável milagre da multiplicação dos pães, o único do ministério da Galileia, que deixa assombrados os discípulos e a multidão, que seguia Jesus, e prefigura a Eucaristia. De salientar que o milagre dos pães e dos peixes é precedido pelo ministério da Palavra e da cura: “Estava Jesus a falar à multidão sobre o reino de Deus e a curar aqueles que necessitavam” (Lc 9,11). E diz-nos o evangelista “que o dia começava a declinar”, como outrora em Emaús e como nesta tarde de graça, em que aqui nos reunimos para escutar Jesus, presente na Palavra, no Banquete eucarístico e na Assembleia reunida em Seu nome.

As ofertas da nossa pobreza, participação e consentimento, como daquele jovem generoso, que ofereceu os pães e os peixes, são atitudes indispensáveis, para que Jesus possa continuar a fazer milagres hoje, isto é, a agir na nossa vida e na nossa história com o poder do seu Amor sem limites. “Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e pronunciou sobre eles a bênção. Depois partiu-os e deu-os aos discípulos, para eles os distribuírem pela multidão” (Lc 9,16). Comer o Corpo e beber o Sangue de Cristo é condição essencial para participar na Vida do Ressuscitado, que permanece presente na Sua Igreja até ao fim dos tempos. “Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51).

O Reino de Deus chegou e torna-se visível nos gestos de Cristo, o Rosto do Amor infinito do Pai. Deus ama a humanidade e está atento a todas as suas necessidades, não só ao flagelo da fome, mas também aos anseios mais profundos, que abarcam todo o seu espaço existencial. Esta é igualmente a missão da Igreja: celebrar, multiplicar e partilhar o pão da Palavra, da Eucaristia, da solidariedade, da consolação, da verdade e da justiça.

A Eucaristia tem sempre um carácter e compromisso social, porque é exigência de comunhão com os outros (cf. Bento XVI, Sacramento da Caridade, 89). E a Igreja, porque vive da Eucaristia, é chamada a saciar as novas sedes e fomes da Humanidade, oferecendo o pão da amizade, da alegria, do perdão, da ternura, do sorriso amigo, da esperança e do serviço gratuito, enfim, a reinventar a solidariedade e a fraternidade, neste tempo de crise e profundas mutações.

 

Adoração ao Santíssimo Sacramento

O culto eucarístico de Louvor e Acção de Graças não se esgota na própria celebração da Eucaristia, mas prolonga-se na Adoração ao Santíssimo Sacramento, tempo privilegiado de oração e encontro com o Deus vivo. Como escreve João Paulo II, “a Eucaristia é um tesouro inestimável: não só a sua celebração, mas também a permanência diante dela fora da Missa permite-nos beber na própria fonte da graça” (A Igreja vive da Eucaristia, 25). Graças a Deus os cristãos da Madeira e do Porto Santo manifestaram sempre, ao longo da sua história e vida eclesial, um grande amor ao Santíssimo Sacramento. São até conhecidas por “Ilhas do Santíssimo Sacramento”.

Para finalizar o Ano Sacerdotal, propus ao Secretariado da Pastoral Vocacional, que dinamizasse na nossa Diocese um tempo especial de Adoração, o sagrado  Lausperene, em todas as comunidades paroquiais e religiosas, a fim de intensificar a oração pelos sacerdotes, pelas vocações sacerdotais e por todas as vocações de especial consagração. Sabemos que é o Senhor da Messe quem chama e envia os operários para a Sua Messe. Na contemplação e adoração assíduas do Coração Eucarístico de Jesus, penetramos na plenitude da Vida e do Amor, fonte do autêntico dinamismo da pastoral vocacional.

 

Encerramento do Ano Sacerdotal

No próximo dia 11 de Junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, encerra-se o Ano Sacerdotal vivido sob a inspiração do testemunho da vida do Santo Cura d’Ars, nos 150 anos da sua morte. Agradecemos a Deus os dons e bênçãos recebidas, durante este ano de graça: celebrações, actividades específicas e incentivos em ordem à formação e aprofundamento da identidade e missão do sacerdote, bem como de sensibilização e ajuda a todo o Povo de Deus, na descoberta do verdadeiro sentido do Sacerdócio e da importância do ministério sacerdotal.

Reunidos hoje, aqui, em grande Assembleia Eucarística Diocesana, tomamos esta celebração como acto conclusivo conjunto do Ano Sacerdotal, convidando todos os sacerdotes a celebrarem, também, o encerramento do Ano Sacerdotal, nas suas paróquias e comunidades, nas festas do próximo dia do Sagrado Coração de Jesus. Fazemo-lo em união com a Igreja Universal e o Santo Padre, que nessa data presidirá à Eucaristia final do Congresso Mundial de Sacerdotes, em Roma, onde a nossa Diocese estará representada por quatro elementos do seu presbitério.

 

Identidade e fidelidade do Sacerdote

O sacerdote conduzido pelo Espírito Santo, servidor do mistério e da comunhão, entrega-se por inteiro, no hoje da missão da Igreja, ao seu ministério sacerdotal. À semelhança de Cristo, Vítima e Sacerdote, oferece a sua vida pelos seus irmãos, promovendo na actual sociedade secularizada uma cultura de Esperança e de Vida.

Bento XVI, quando se dirigiu aos sacerdotes e consagrados, no passado mês de Maio, em Fátima, disse: “A fidelidade no tempo é o nome do amor; de um amor coerente, verdadeiro e profundo a Cristo Sacerdote. Isto supõe, evidentemente, uma verdadeira intimidade com Cristo na oração, pois será a experiência forte e intensa do amor do Senhor, que há-de levar os sacerdotes e os consagrados a corresponderem ao Seu amor, de modo exclusivo e esponsal”.

De facto, o sacerdote, para manter-se fiel ao seu ministério, além da formação permanente integral, tem de cultivar uma autêntica espiritualidade sacerdotal. Na oração encontrará luz e força para evangelizar e anunciar, com audácia e ousadia profética, o admirável Amor do Pai.

O sacerdócio e o Sacramento do Altar estão intimamente unidos. A Eucaristia é a revelação do mistério sublime do Amor da Santíssima Trindade, que se oferece humildemente a cada homem e a cada mulher, no Corpo entregue e no Sangue derramado. O Santo Cura d’Ars dizia: “O sacerdote é o amor do Coração de Jesus”. Por isso, a vida do sacerdote deve ser uma Eucaristia perene.

 

Cristo vivo nas ruas da cidade

Após esta celebração eucarística teremos a tradicional procissão do “Corpo de Deus”, pelas ruas da nossa cidade, ornamentadas com belos tapetes de flores. É Cristo vivo que vai passar! Esta bela tradição eucarística, vivida com fé e amor na presença real de Jesus na Eucaristia, bem nos faz recordar as caminhadas de Jesus, quando, outrora, percorria as estradas da Palestina, acolhendo todos os que O procuravam, privilegiando as crianças, os pobres e os doentes, “porque saía d’Ele uma força que a todos curava” (Lc 6,19).

Que Jesus, ao percorrer as nossas ruas e colocar o Seu olhar sobre aqueles que encontra nestes caminhos ou Lhe dirigem uma prece do silêncio das suas casas ou do sofrimento dos seus corações, a todos conforte na coragem da fé e na alegria da esperança!

E que a Virgem Maria, Senhora do Santíssimo Sacramento, nos ensine a viver, em cada dia, as exigências de uma verdadeira cultura eucarística, que promove o diálogo, o respeito, a amizade sincera e a partilha do pão da fraternidade.

Igreja do Colégio, 3 de Junho 2010

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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