Homilia de D. António Carrilho na Missa da Ceia do Senhor

Na noite da despedida, a Ceia do Amor Com a solene celebração do memorial da Ceia de Jesus, ao entardecer de Quinta-feira Santa, toda a Igreja é introduzida no Tríduo Pascal e no seu singular dinamismo de Paixão, Morte e Ressurreição. Neste dia de Graça, celebramos o dom da Eucaristia, do Sacerdócio e do mandamento novo do Amor. Desde sempre, ao longo dos séculos, a Igreja, fiel ao Seu Senhor e Mestre, parte e reparte o Pão da Vida e o Vinho da Salvação, o Corpo e o Sangue de Cristo. A Eucaristia é o sacrifício da nova e eterna Aliança no Sangue de Cristo, para a salvação do mundo, que se actualiza e renova, no hoje da história, em cada tempo e lugar. Milagre vivo do Amor Os textos da Liturgia da Palavra, de grande densidade e riqueza teológica, relatam-nos os extraordinários eventos bíblicos da poderosa intervenção de Deus junto do seu Povo. A celebração da Páscoa era a festa por excelência do povo judeu, que assim recordava a sua libertação definitiva das mãos dos egípcios. A Ceia do Amor, na noite da despedida, a “Hora” ardentemente desejada por Jesus, está integrada na Ceia Pascal hebraica. A primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios, escrita por volta do ano 56, é o relato mais antigo da celebração da Ceia Eucarística, nas primitivas comunidades cristãs. O Apóstolo recorda as exigências entre vida fraterna e comunhão eclesial, que nascem da partilha da Ceia do Senhor. Quem come o Corpo do Senhor e bebe o Seu Sangue deve viver e testemunhar este Amor. Caros diocesanos, entremos no Cenáculo com Jesus e os Apóstolos, para, à luz do inefável Amor de Cristo, partilharmos dos Seus sentimentos e do memorial das Suas maravilhas. Jesus, de forma íntima e decidida, chama àquele momento a Sua “Hora”, que culmina com a glorificação na Cruz. “Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco, antes de padecer” (Lc 22,14). O momento é denso de significado, nos gestos inesperados do Mestre, que se oferece totalmente aos Seus discípulos e a nós, nas pessoas deles. Na noite em que ia ser entregue, Jesus fez uma oração de louvor e de acção de graças (em grego, “eucaristia”), partiu o pão e deu-o aos seus discípulos, dizendo: “Isto é o meu Corpo”. De igual modo, no fim da Ceia, tomou o cálice com vinho, pronunciou a bênção e disse: “Este é o meu sangue, o Sangue da Nova e eterna Aliança, que será derramado por vós”. Com palavras de grande simplicidade, Jesus instituiu a Eucaristia, mistério admirável da fé da Igreja. A partir deste momento, o povo da Nova Aliança será alimentado, na sua caminhada para Deus, com o Pão da Vida. Jesus, que amanhã vai ser sacrificado na Cruz, antecipa, na Ceia, de forma misteriosa e sacramental, o Seu sacrifício pela redenção do mundo. No mistério eucarístico, Jesus entrega-Se totalmente a nós, como se não tivesse em conta as nossas fraquezas e fragilidades! É o milagre vivo do Amor do Filho de Deus, obediente até à morte, que, pelas mãos do sacerdote, se oferece no Corpo entregue e no Sangue derramado, quando sobre os nossos altares é celebrada a Eucaristia. O mandamento novo do Amor O Evangelista João, num relato vivo, de impressionante despedida e confidencial bondade, escreve, ao fazer memória daquela Ceia inesquecível: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amara os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”(Jo 13,1). Na ambiência afectuosa e grave da última Ceia, Jesus abre inteiramente o Coração aos Seus, e comunica a novidade e singularidade do Seu Amor: “Dou-vos um mandamento novo. Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei”(Jo 13,34). Chama-lhe Mandamento “novo”, porque Ele próprio é a norma última e absoluta desse Amor infinito. E, sendo Ele o primeiro a amar, também os discípulos deverão amar os seus irmãos até ao fim, até mesmo os próprios inimigos. Só quem se sente plenamente amado, pode, na verdade, amar os outros. Amar, com o Amor de Jesus, transcende qualquer simples manifestação de amizade humana. Pela força do Espírito Santo, o discípulo entra no dinamismo mesmo do Amor, assumindo até às últimas consequências o Mandamento “novo”, isto é: dar continuidade à obra de Jesus, ser sinal da Sua presença e até oferecer a própria vida pelos irmãos, como suprema prova de amor. Lavar os pés, o serviço do Amor Dentro de instantes, procederemos à cerimónia do “lava-pés”. Esta cerimónia, de comovente humildade e indescritível amor, é um gesto que simboliza a entrega da própria vida e o serviço dispensado por Jesus, o Servo de Deus por excelência, à Humanidade e à Igreja. Sem fé e sem Amor, é impossível captar a profundidade do gesto de Jesus, na Ceia da despedida: Deus, na pessoa do Verbo Incarnado, ajoelha diante do homem, para lhe “lavar os pés”, Ele, o Mestre e o Senhor do mundo. “Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros”(Jo 13,14). Um gesto vale mais que mil palavras. O Amor de Jesus é humilde e a Sua humildade é a superabundância do Amor. Configurados com Cristo Sacerdote O sacerdócio ministerial foi instituído por Jesus, na noite da Ceia Pascal, quando, depois da refeição, convidou os Apóstolos a repetirem o que Ele fez: “Este cálice é a nova aliança no Meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes fazei-o em memória de Mim” (1Cor 11,25). Pelo poder do Espírito Santo, os ministros ordenados, aqueles que receberam o Sacramento da Ordem, têm o poder de consagrar o pão e o vinho, transformando-os no Corpo e Sangue de Cristo e de os distribuir à comunidade eclesial. Diz o Concílio Vaticano II: “Os presbíteros, em virtude da sagrada ordenação e da missão que recebem das mãos dos Bispos, são colocados ao serviço de Cristo Mestre, Sacerdote e Rei, de cujo ministério participam e mediante o qual a Igreja continuamente é edificada em Povo de Deus, Corpo de Cristo e templo do Espírito Santo” (Presbyterorum Ordinis, 1). “O sacerdócio é um serviço de Amor”, recorda-nos Santo Agostinho. Hoje de manhã, celebrei a Missa Crismal, com os sacerdotes, seminaristas e demais povo de Deus, evocando a unidade do Presbitério e de toda a Diocese, em torno do seu Bispo. Com sincero afecto, lembro à querida comunidade diocesana do Funchal, algumas das palavras que, então, proferi: amai os vossos sacerdotes, que presidem na fé e na caridade às nossas comunidades e serviços pastorais; rezai por eles e pelas vocações sacerdotais; com espírito de serviço e amor à Igreja, sede seus colaboradores sinceros e dinâmicos; e, se alguma vez, por motivos de fraqueza, idade ou doença não corresponderem àquilo que a Igreja deles espera, amparai-os com a vossa amizade, compreensão e oração. O nosso reconhecimento Lembramos, agora, nesta celebração, além dos nossos sacerdotes, todo o Povo de Deus, que é chamado a participar activamente nas celebrações eucarísticas. Também quero recordar, com sincera estima e reconhecimento, os fiéis que através dos diversos serviços e ministérios, como os ministros da comunhão, os acólitos, os grupos corais, as equipas de acolhimento e, ainda, os que, “em gesto de lava-pés”, desempenham humildes serviços escondidos, mas não menos importantes: as pessoas que confeccionam as hóstias, as que limpam e ornamentam as nossas Igrejas e outras, tornando assim mais dignas e belas as nossas celebrações. Para todos vai o nosso apreço e a nossa gratidão! Ano sacerdotal Por ocasião dos 150 anos da morte do Santo Cura d’Ars, o humilde sacerdote francês, exemplo de autêntico Pastor, Bento XVI anunciou a convocação de um “ano sacerdotal” especial, de 19 de Junho de 2009 a 19 de Junho de 2010, que terá como tema: “Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote”. O objectivo deste ano, diz o Papa, é “ajudar a perceber cada vez mais a importância do papel e da missão do sacerdote na Igreja e na sociedade contemporânea”. O dom do sacerdócio é o grande e admirável dom de Cristo Sacerdote à Sua Igreja. O maior tesouro Caríssimos diocesanos: a Eucaristia é a Fonte, o centro da vida cristã, o sacramento por excelência do mistério Pascal e a antecipação do Banquete escatológico. Levemos para a nossa vida a força e a luz do Pão da Palavra e da Eucaristia, traduzidos em gestos concretos de paz, perdão, solidariedade e amor. A Eucaristia é, verdadeiramente, o maior tesouro espiritual da Igreja! Sé do Funchal, 9 de Abril de 2009 † António Carrilho, Bispo do Funchal

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