Homilia de D. António Carrilho, bispo do Funchal na Missa e “Te Deum”, no final do Ano de 2010

Com gestos de Paz, um futuro de Esperança e de Alegria!


“Deus nos dê a sua bênção” (Sl 67).

Sob a protecção e bênção de Deus, que a todo o tempo nos comunica os Seus dons e carismas, celebramos em jubilosa Acção de Graças o final de mais um ano. Em Eucaristia, recordamos as dádivas recebidas, as alegrias e sofrimentos do caminho percorrido, pedindo ao Senhor que os transforme e transfigure em dons de Amor, na oferta das nossas vidas.

É certo que perduram na memória do coração os eventos que marcaram dolorosamente o nosso povo e a Madeira, nas suas estruturas e instituições. Quem poderá esquecer alguns momentos de sofrimento, vividos ao longo deste ano, de um modo especial a perda de vidas e bens, provocada pelas intempéries do dia 20 de Fevereiro?

O corajoso empenho de todos

Mas os gestos de solidariedade e o corajoso empenho de todos, quer dos poderes públicos, quer de muitas instituições privadas e da população em geral, na reconstrução da nossa cidade e dos locais atingidos pelos temporais, neste momento falam bem mais alto que a destruição, ainda que sem esquecer a dor e o sofrimento de ninguém.

 

Neste dia em que a Igreja celebra a solenidade da Santa Mãe de Deus, ao recordarmos aqueles dolorosos acontecimentos, o nosso olhar, cheio de gratidão filial, dirige-se para a Senhora do Monte, nossa Padroeira, sempre invocada com muita fé e confiança. Dirige-se, também, para a Imaculada Conceição, que em horas de tão grande sofrimento, se tornou um verdadeiro sinal de consolação e de esperança, deixando bem visível o seu carinho de Mãe, naquela imagem intacta da Capela das Babosas, totalmente desaparecida no Monte.

Por todos os gestos de caridade, humanismo e entreajuda fraterna, no aspecto material ou espiritual, pela beleza e alegria que voltaram a ressurgir na nossa terra, e em comunhão com os irmãos que partiram para a Casa do Pai, cantamos em jubilosa esperança: Te Deum Laudamus! Nós Vos louvamos, ó Deus!

O nosso louvor e gratidão

Neste mesmo hino de louvor e gratidão, apraz-me agora recordar alguns acontecimentos mais relevantes da vida da Igreja, especialmente na nossa Diocese.

Recordo, em primeiro lugar, a Visita da Imagem Peregrina de Fátima à Madeira e Porto Santo, a Senhora da Paz, que nos veio despertar para uma maior autenticidade de vida cristã, na oração, na escuta da Palavra, na mudança de vida e de comportamentos, em relação a nós e aos outros. Esteve entre nós de 12 de Outubro de 2009 a 13 de Maio deste ano. Ficou a bela estátua de Nossa Senhora, junto à igreja do Imaculado Coração de Maria, a fazer memória desta passagem e a manter viva a sua mensagem! Guardamos, certamente, no coração, a recomendação maternal de Maria: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).

Evoco, também, a Visita do Papa Bento XVI a Portugal, de 11 a 14 do passado mês de Maio, de tão grande importância pelo testemunho de fé, simplicidade e alegria do Santo Padre, e pela densidade interpelativa da sua mensagem. Dirigindo-se à Igreja e à Sociedade em geral, deixou fortes apelos, sem inibições, à vivência dos valores cristãos em campos fundamentais da vida humana, social e pastoral. Um grande acontecimento a não esquecer e a agradecer, nesta hora!

Lembro, ainda, como especial motivo de louvor e acção de graças, a publicação da Exortação Apostólica de Bento XVI sobre “A Palavra do Senhor” (Roma, 30 de Setembro de 2010), de grande pertinência e exigência para a Igreja de hoje e as recentes ordenações de três Diáconos, como esperança de novos Presbíteros para a Diocese.

Recordo, igualmente, o esforço de renovação da pastoral paroquial e diocesana, subjacentes nos projectos e programas das comemorações dos 50 anos da criação das novas paróquias (1961-2011), por D. David de Sousa, e dos 500 anos da Diocese do Funchal (1514-2014), que se perspectivam. Estas datas jubilares constituem, sem dúvida, momentos fortes da vida diocesana, pelos quais, desde já e também hoje, cantamos: Te Deum Laudamus!

Para além deste âmbito mais directamente eclesial damos, também, graças a Deus, por todos os esforços realizados pela comunidade eclesial, civil e política, perante a crise mundial que também nos afecta, no sentido de se promover o bem comum e construir a paz, através das respectivas instituições, nomeadamente das Instituições de Solidariedade Social, públicas e privadas, que se empenharam em ajudar os mais carenciados, especialmente os pobres, as crianças, os doentes e idosos, tantas vezes esquecidos e abandonados pelos seus. Sem esquecer os incontáveis gestos humildes, de ternura e generosidade, nas famílias, entre os vizinhos e nos espaços de trabalho, que não ficarão sem recompensa (cf. Lc 6,32).

Com Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, em profunda comunhão eclesial, damos graças por todas as maravilhas, que o Senhor realizou em nós e por nós, e reiteramos o nosso Canto de Louvor: “Te Deum Laudamus…”!

A plenitude de todas bênçãos

O excerto do livro dos Números, que acabámos de escutar, refere a tradicional e tríplice Bênção, dada no fim dos actos litúrgicos ao povo de Israel. “Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo: ‘O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável(Num 6,25). Esta bênção sacerdotal é dom especial de um Deus, sempre preocupado connosco, que nos acompanha pela estrada da vida e nos cumula de bênçãos.

O Seu Amor eterno pela Hhumanidade nunca se esgota. Ao chegar à plenitude dos tempos, o Pai enviou ao mundo o Filho Amado, Jesus Cristo, e n’Ele ofereceu-nos a maior de todas bênçãos. “Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: «Abbá! Pai!». Assim, já não és escravo, mas filho. E, se és filho, também és herdeiro, por graça de Deus”(Gal 4, 6-7). Nesta carta, S. Paulo realça a solidariedade libertadora de Cristo para com toda a Humanidade.

A urgência da missão

O texto de S. Lucas, proclamado neste dia, é a continuação do singular evento da Noite de Natal. Nele se sublinha a intervenção sobrenatural de Deus na vida dos pastores, que acorrem, apressados, à gruta de Belém e “encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura” (Lc 2,16). Foi o primeiro e autêntico Presépio vivo da história do mundo! O maior sinal do Amor de Deus, que se torna visível no Rosto frágil de uma criança!

A missão silenciosa e contemplativa de Maria, que “guardava todas as coisas no coração”, complementa a dos pastores, que foram anunciar a toda a gente a glória de Deus, manifestada no nascimento do Seu Filho, o Salvador da Humanidade. Como Maria e os pastores, todos os cristãos são chamados a meditar e a anunciar a Palavra, feita Carne no Menino de Belém, trazendo o sol da Esperança a este mundo, que tem fome de Verdade, de Paz e de Amor.

Neste sentido, o Sínodo dos Bispos de 2008 sublinhou a urgência da missão evangelizadora da Igreja, afirmando que “o ardor missionário é um sinal claro de maturidade de uma comunidade eclesial (…). A Igreja deve ir ao encontro de todos com a força do Espírito” porque “a todos a Igreja se sente devedora de anunciar a Palavra que salva” (Bento XVI, A Palavra do Senhor, 95).

Liberdade Religiosa, caminho para a Paz

Amanhã celebraremos o início de um novo ano e, com ele, o Dia Mundial da Paz 2011. O Santo Padre, na sua Mensagem para este dia, subordinada ao tema “Liberdade Religiosa, caminho para a Paz”, convida-nos a reflectir sobre a importância e a urgência da liberdade religiosa, em ordem à construção da Paz.

A Paz não é um mero equilíbrio de forças, proveniente de acordos políticos entre os governos das nações. A Paz é um dom do Espírito Santo, que inspira a família humana a viver em harmoniosa e respeitosa convivência. Diz-nos o Papa que, antes de mais, “a paz é o resultado de um processo de purificação e elevação cultural, moral e espiritual de cada pessoa e povo, no qual a dignidade humana é plenamente respeitada” (Mensagem, 15).

Face à onda de violência, intolerância e descriminação religiosa, nalgumas partes do mundo, sobretudo contra a Igreja Católica, que gera medos e angústias e uma emigração forçada, Bento XVI agradece aos responsáveis das nações “que se esforçam por aliviar os sofrimentos destes irmãos” mais atingidos e convida “os católicos a orarem pelos seus irmãos na fé, que padecem perseguições, e a serem solidários com eles”. O Papa afirma, com enorme preocupação, que “os cristãos são, actualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé” (Mensagem, 1).

É certo que temos vindo a assistir a uma subtil campanha contra a religião católica, não só com perseguições e consequentes perdas de vidas humanas, mas também contra os símbolos que recordam os mistérios da nossa fé.

Infelizmente, não falta quem, para defender ideologias agnósticas e ateias, se sirva das suas posições de influência, para lançar campanhas difamatórias, contra a Religião e a Igreja, sem o respeito devido à liberdade de consciência e às convicções religiosas próprias de cada um. Usa-se, muitas vezes, o argumento já ultrapassado do obscurantismo e exploram-se situações pontuais, generalizando-as e, deste modo, falseando-as.

A História bem mostra e reconhece a importância e influência das grandes religiões do mundo, no desenvolvimento civilizacional dos povos. A Igreja Católica, como sabemos, deu, ao longo dos séculos, e continua a dar, hoje, um incontestável e precioso contributo humanitário e cultural à família humana.

Bento XVI recorda, ainda, que “se a liberdade religiosa é caminho para a paz, a educação religiosa é estrada privilegiada para habilitar as novas gerações a reconhecerem no outro o seu próprio irmão e a sua própria irmã, com quem caminhar juntos e colaborar para que todos se sintam membros vivos de uma mesma família humana, da qual ninguém deve ser excluído” (Mensagem, 4).

Votos e prece final

Como é importante que os governantes das nações, as famílias e as novas gerações percorram os caminhos da Verdade, liberdade e vivência dos valores humanos e evangélicos, construindo, com gestos proféticos de Paz, um futuro de Esperança e de Alegria!

Nesta oitava do Natal, reitero a todos os presentes a continuação de Boas Festas e um Feliz Ano de 2011, muito rico em bênçãos de Deus Menino. É no Príncipe da Paz, que encontramos a verdadeira liberdade e a plena realização humana!

Reconfortados e iluminados pela Luz do Verbo de Deus, termino com a Bênção do livro dos Números, que a Liturgia hoje recorda:

“O Senhor te abençoe e te proteja.

O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face

e te seja favorável.

O Senhor volte para ti os seus olhos

e te conceda a paz.”

 

Sé do Funchal, 31 de Dezembro de 2010
 

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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