Homilia da celebração de Quinta-feira Santa, de D. João Marcos, bispo de Beja

HOMILÍA NA CELEBRAÇÃO DE QUINTA-FEIRA SANTA

Sé de Beja, 2023

Caríssimos irmãos e irmãs:

1 – Na tarde deste dia, Quinta-Feira Santa, também chamada Quinta-Feira de Endoenças, quer dizer, do Perdão, os pecadores públicos que tinham passado a Quaresma separados da assembleia dos fiéis, eram antigamente reintegrados na comunhão plena da Igreja pelo bispo que lhes lavava os pés, imitando o Senhor Jesus.

Acabámos de escutar o Evangelho de São João que coloca perante os nossos olhos, Jesus lavando os pés aos Seus discípulos. Certamente nos impressiona o diálogo de Pedro com Jesus: «Senhor, tu vais lavar-me os pés? Jesus respondeu: o que estou a fazer não o podes entender agora, mas compreendê-lo-ás mais tarde. Pedro insistiu: nunca consentirei que me laves os pés! Jesus respondeu-lhe: se não tos lavar, não terás parte comigo.» Pela repugnância de ver Jesus fazendo o trabalho de um escravo, Pedro reagiu humanamente dizendo: nunca me lavarás os pés! Mas perante as palavras que Jesus lhe dirige, dizendo-lhe que isso é necessário para ter comunhão com Ele, Pedro afirma: «Senhor, então não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça».

Nesta última celebração da Eucaristia com a qual iniciamos a Páscoa deste ano, a Igreja faz-nos escutar, no Evangelho, as palavras que Cristo Servo dirigiu aos Seus discípulos, depois de lhes ter lavado os pés: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque O sou. Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, assim como eu fiz, vós façais também». E a Igreja, obediente ao mandato de Cristo Senhor, repete hoje, em todo o mundo, este mesmo gesto do lava-pés.

2 – Convido-vos, caros irmãos, a meditar neste gesto e nas palavras do Senhor. Que significado devem ter para nós, hoje?

Lavar os pés a alguém é um gesto próprio de escravos, indigno de ser feito por alguém de qualidade superior a pessoas inferiores. Jesus era um homem, mas um homem que era Filho de Deus. Jesus sabia que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai. Sabia também que o Pai Lhe tinha dado toda a autoridade, sabia ainda que saíra de Deus e para Deus voltava. A consciência desta sabedoria que o Pai Lhe tinha dado, não O envaideceu. Não era para Si mesmo que Ele tinha essa sabedoria, mas para servir os irmãos. Assim o Senhor mostrou que as palavras que tinha dito aos discípulos resumiam os seus comportamentos: quem entre vós quiser tornar-se grande, seja o vosso servo. Ele, a quem o Pai deu o nome mais alto que existe, despe as Suas roupas e, de toalha à cintura, começa a lavar os pés aos seus discípulos: a Pedro e a Judas também.

Lavar os pés a alguém é colocarmo-nos abaixo do que esse alguém tem mais baixo, os seus pés. É considerarmo-nos inferiores a essa pessoa e menos importantes que ela. E isso Jesus o fez livremente, por amor. E mandou que também nós o façamos como Ele o fez. Por amor. O último lugar da terra deve ser o grande objetivo das nossas vidas. Aí, só aí, podemos encontrar a verdadeira paz. Aí se encontra a porta do Céu. Mas como é difícil a estas cortiças que somos nós, caminharmos e permanecermos aí, no último lugar, espezinhados e desprezados por todos! Quem poderá encontrar, na Humildade de Cristo e da Virgem Sua Mãe, aquela herança preciosa da humildade? A Igreja é o lugar onde, no mundo, se pode e deve cultivar a Humildade e o Amor fraterno.

Queridos irmãos e irmãs: a casa onde alguém descobriu e vive este tesouro, torna-se, de facto, uma presença do céu na terra. Felizes dos casais e das famílias onde cada um se faz servo dos outros, por amor. Aí reina a Caridade, aí se vive o Mandamento Novo do Amor. Aí a alegria e a paz do Senhor habitam nos corações. A Igreja existe precisamente para isso. Essa é a sua missão no mundo, porque assim nos amamos uns aos outros como Ele nos amou.

3 – A Igreja, Corpo de Cristo, é o lugar desta contracultura onde os famintos são saciados e onde os ricos ficam de mãos vazias. Não haja nas nossas Igrejas, Paróquias e Movimentos, caríssimos irmãos e irmãs, aquela soberba que nos divide e faz desprezar os irmãos e irmãs que são diferentes de nós, que pensam e agem de modos diferentes em matérias não obrigatórias. Como afirmou Santo Agostinho, no fundamental, unidade, no resto liberdade, e em tudo, Caridade. O Espírito é só um, mas atua de modos diferentes em cada um de nós e nas diferentes situações, para o bem da Igreja. E onde a humildade de Cristo se manifesta, sempre haverá lugar para as diferenças, porque as acolhemos como dons do Espírito Santo e não como ameaças à unidade da Igreja. Reine, portanto, a Humildade de Jesus Nosso Senhor em nossas paróquias, em nossas famílias, e em nossos corações.

4 – Hoje, na segunda Quinta-Feira Santa deste Biénio Vocacional que estamos celebrando na Província Eclesiástica de Évora, é necessário, caros irmãos e irmãs, que nos interroguemos acerca de como estamos vivendo esta realidade. A questão das vocações de total consagração ao Senhor é fulcral para que a Igreja cumpra a Sua missão. Os presbíteros e os diáconos, como animadores das comunidades cristãs, são absolutamente indispensáveis, como é sabido. E também sabemos que devemos pedir ao Senhor da seara, que lhe mande trabalhadores. Então, porque não Lhos pedimos com mais insistência? Com tão poucos sacerdotes, a Igreja da nossa diocese, em vez de investir na evangelização, preocupa-se mais com a sua sobrevivência, com conservar os poucos fiéis que ainda lhe dão atenção.

No ano passado, como é sabido, o Mosteiro do Sagrado Coração de Jesus da nossa cidade de Beja foi suprimido pelo Dicastério do Vaticano e as duas religiosas estão agora em Sevilha, em um mosteiro da mesma Ordem. Tenho pensado em uma refundação, mas as dificuldades para a fazer, no tempo presente, são mais que muitas. Precisamos de pedir ao Senhor também esta graça. Um mosteiro de clausura onde se reza e onde se cultiva a vida espiritual, é indispensável para que a Igreja cumpra a sua missão.

5 – Mas hoje, em Quinta Feira Santa, a segunda leitura fala-nos da Instituição da Eucaristia. Isto é o Meu Corpo entregue por vós. Este é o cálice da Nova e Eterna Aliança, no meu Sangue. Fazei isto em memória de Mim. Este é o primeiro texto escrito acerca da Eucaristia, que chegou até nós. Foi escrito por S. Paulo e está na Primeira Carta aos Coríntios. Consagrando o Pão no Corpo de Cristo e o Vinho do Cálice no Sangue do Senhor, os presbíteros alimentam os fiéis com o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. Jesus entrega-Se-nos como coisa, como alimento, para nos dar a Sua mesma Vida. Ó admirável humildade do Senhor! Por nosso amor Ele, que era Deus, fez-Se Homem. Feito Homem tornou-Se escravo, fez-Se pecado por amor de nós e, na véspera da Sua Morte quis entregar-Se a nós como alimento, como coisa, como pão e vinho, para que vivamos n’Ele e Ele em Nós! Cristo obedece às palavras do sacerdote e fica realmente presente na mesa Eucarística para ser adorado, comido e bebido por nós! Com que humildade, com que amor O devemos receber, caríssimos irmãos!

A devoção ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia ajuda-nos a crescer no amor ao Senhor Jesus Cristo, enraíza-nos n’Ele. Leva-nos a beber, das Fontes da Salvação, a água-viva do Seu Espírito que nos leva a amar o Pai, e a servir com amor, os Seus filhos e nossos irmãos.

Caríssimos: Vamos fazer agora, como Jesus nos manda, o Lava-Pés. Enquanto cantamos, escutemos o próprio Senhor que nos pergunta: Compreendeis o que Eu vos fiz? Entendeis o que Eu vos faço?

+ J. Marcos

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