HOMILIA DA ADORAÇÃO DA SANTA CRUZ
Catedral de Évora em 7 de abril de 2023
Excelência Reverendíssima, Senhor Arcebispo, D. José Francisco Sanches Alves
Exmos. Senhores Cónegos, e demais Presbíteros.
Caros Diáconos, Estimados Seminaristas.
Meus irmãos e minhas irmãs!
1. Nenhum acontecimento foi tão dramático como a morte de Jesus. Como entender que tenha recebido tanto mal quem praticou tanto bem? Julgado e condenado, Jesus viu-Se desprezado, humilhado, crivado de dores (cf. Is 53, 3-4). O Seu desenlace foi envolvido por uma forte torrente de lágrimas e clamores (cf. Heb 5, 7).
Jesus confessa-Se abandonado não pelos homens — já que algumas pessoas estavam com Ele (cf. Jo 19, 25-26) —, mas por Deus. Muitas explicações têm sido dadas. Será que alguma delas nos satisfaz? As teses poderão ser consistentes. Mas não se têm mostrado muito convincentes. Para o Teólogo Joseph Ratzinger, «não há palavras» para responder à interrogação de Jesus: «Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mc 15, 34; Mt 27, 46). Tampouco tranquiliza saber que estamos perante a reprodução do início de um Salmo (22, 2) que até termina num clima de confiança. Nenhum contexto consegue amenizar a dolorosíssima carga daquelas palavras. É notório que Jesus está a sentir o que diz e a dizer o que sente.
Será que se quebrou a unidade entre Jesus e o Pai (cf. Jo 10, 30)? De modo algum. Jesus morre como sempre viveu, intimamente unido ao Pai (cf. Lc 23, 46). Se os dois são um só Deus — pergunta Santo Agostinho —, «como seria possível que o Pai abandonasse alguma vez o Seu Filho?» O que acontece é que — ainda segundo o Bispo de Hipona — Jesus grita «com a voz da nossa humanidade». Não é a nossa humanidade que, tantas vezes, se declara abandonada por Deus? Jesus faz subir o grito da humanidade até Deus. Mas também faz descer o eco da resposta de Deus à humanidade. Afinal, Deus não nos abandona. No Seu Filho, Ele sofre com todos nós, Seus filhos. O mistério não desaparece, mas estremece. Deus nem sempre afasta o sofrimento. Mas nunca deixa de estar ao lado dos sofredores. Em Si, Ele sofre connosco. Acompanhemos, então, Jesus na Sua dor. Ele nunca nos faltará com o Seu amor!
Caríssimos irmãos, convido-vos a transfigurar as grandes cruzes da Humanidade e a encontrarmo-nos com Cristo em cada uma delas. Como não recordar nesta Sexta-Feira Santa a dor provocada por todas as guerras, autênticas feridas abertas no tecido da Humanidade?
Como não lamentar e não reparar o coração do Bom Deus, Criador e Pai de todos os humanos por massacres hediondos e tristemente perpetrados por cristãos contra Cristo, nos próprios irmãos, incluindo menores e crianças? Como não chorar com crianças e mães, com idosos e populações indefesas fugindo da morte, sem saber para onde nem porquê?
Unimo-nos aos desterrados, aos refugiados, aos sós no meio de muita gente, aos doentes, aos abandonados à indiferença, às famílias de luto, a todas as vítimas de desumanidades e encontremo-nos aí com os gólgotas do século XXI, abraçando Cristo em cada ser humano despojado da sua dignidade, também naqueles que sofrem, vítimas da violência sexual e familiar. Como nos recorda Santo Inácio de Antioquia no séc. II, teólogo do Martírio, se Cristo é nosso Cireneu e Bom Samaritano na nossa vida, sejamos nós para Ele em cada um dos nossos irmãos crucificados. Ao adorarmos hoje a Santa Cruz encontramo-nos com Cristo vivo nestes irmãos que sofrem!
2.Tal como há dois mil anos, as trevas parecem cobrir a terra em pleno meio-dia de Sexta-Feira Santa (cf. Mt 27, 45). Como nos ensina repetidamente a História da Humanidade a escuridão da Cruz pode ter uma duração muito longa. Percebem-se com a evidência dos testemunhos de vida, sinais do Reino de Deus presente entre nós, mas também dá para ver que «a escuridão permanece no nosso mundo». O mistério pascal só é total quando enlaçamos, num único gesto, a Cruz e a Ressurreição, então a luz brilha nas trevas. Somente a fé e a esperança nos permitem introduzir a luz de Cristo nos nossos pensamentos e nos nossos corações, a fim de obtermos, de novo, forças para a etapa seguinte do caminho. Mas, atenção, ninguém conseguiu deter a história na tarde de Sexta-Feira Santa, pois a força da Ressurreição vence sempre. De facto, o lugar da esperança, apesar de tudo, ainda é a nossa vida chorada e sofrida.
3.O Apóstolo Paulo sintetiza a vivência desta Sexta-Feira Santa, afirmando: Amou-me e a Si mesmo Se entregou por mim» (Gal 2,21). Amemos com o Amor com que somos amados, socorrendo-nos da Mãe da Igreja, como João, recolhamo-nos à sua intercessão e ao testemunho da Sua Fé, e como Ela, de pé junto à Cruz, permaneçamos juntos, de modo comprometido e pró-ativo, unidos às grandes dores e vazios da humanidade em nossos dias, vivendo, no dizer do Papa Francisco, uma guerra aos pedaços, sendo porém a maior guerra a do vazio e dos valores, numa viagem cujo destino parece ser a ganância e a vitória dos mais fortes, astutos e maquiavélicos. Estamos, porém, convictos que o grão de trigo lançado à terra germinará e florescerá maduro e fluorescente em plena seara que nos ofertarão trigo novo transformado em grão para a Nova Humanidade.
Porque sabemos em quem cremos, partamos para o quotidiano das nossas vidas com o compromisso de sermos Discípulos Missionários da Esperança.
Que perante o Amor radical de Cristo, a nossa vida grite: O amor está vivo e a última vitória é Sua. Nós vos Adoramos e Bendizemos ó Cristo, porque pela Santa Cruz remistes o mundo!
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora