Histórias vividas noutros Natais

Do voluntariado às missões militares, passando pelos tempos da infância, memórias natalícias na primeira pessoa

Das memórias da infância às celebrações que se estendem pela noite dentro, em casa ou na Igreja, raras são as pessoas que não carregam pela vida fora os cheiros, os perfumes e os sabores desta quadra.

Cada ano ele chega e, em todos os anos, essa magia própria do que nós não controlamos – pois que o Natal não é mesmo quando um homem quer, felizmente – entra pelas nossas vidas, provocando um espanto natural, um frenesim que nos leva a sair do que é habitual, dos pesos que esmagam os dias, das sombras que tapam o lado de lá da vida, onde os valores que fundaram a nossa civilização existem na prática e não como meras utopias.

O semanário Agência ECCLESIA traz histórias deste Natal, vivido em circunstâncias diversas: em missão, na prisão, com militares, num hospital.

Andreia Carvalho, dos Leigos para o Desenvolvimento, diz que o Natal que passou em missão foi o “mais simples e mais próximo do essencial que vivi e não sentíamos que precisávamos de prendas, porque a verdadeira prenda era poder estar em missão e viver o nascimento do Salvador num contexto mais próximo do qual Ele nasceu. A verdadeira magia era Ele nascer também ali, no outro lado do mundo. A verdadeira alegria era a confirmação de que Ele nasce sempre e mesmo para todos”.

O Capelão Benjamim Silva, da Uneng 3 no Líbano, escreve que ali “somos todos promotores duma cultura solidária, tolerante, que promova a justiça social e a igualdade de oportunidades. Estes são os presentes que oferecemos ao Menino, a este país, neste Natal. Nações Unidas, qual «voz no deserto», preparando os caminhos da vinda do Senhor Jesus, palavra reveladora do Amor do Pai”.

Infância

Do Continente às Ilhas, muitas são as tradições, misto de religioso e profano, que transformam estes dias em celebrações únicas. Presépios, autos de Natal, Missa do Galo, consoada ou o madeiro de Natal são muitas das palavras que ganham um novo significado nesta quadra.

No Programa da Igreja Católica na Antena 1 desfiam-se, por estes dias, histórias de outros Natais, na primeira pessoa, que lembram as tradições do nosso país. Este é um tempo como nenhum outro, na vivência comunitária e familiar, tendo gerado um pouco por todo o país modos próprios de o celebrar e de lhe apreender o significado.

Maria do Rosário Carneiro lembra, da sua infância, “o frio” do Baixo Alentejo, os cobertores que não a deixavam mexer, uma lareira “sempre a crepitar” e as filhoses “transparentes, a estalar, a rebentar na boca”. A Missa do Galo enchia a igreja de pessoas que nunca lá iam, no meio do frio e na escuridão, sem electricidade.

No meio dessa memória “escura, misteriosa” surge a “ideia constante, que me acompanhou sempre”, a família. Hoje, a sua casa recebe mais de 30 pessoas, “é o sítio do Natal”.

O Pe. Vítor Melícias fala numa “interpelação ao nascimento”, de relações, com afecto, como as familiares. Os Natais da sua infância foram passados numa aldeia pobre do Concelho de Torres Vedras, com oito irmãos, “em tempos de guerra, difíceis”. O estímulo à “partilha do amor, do carinho e da ternura” lançava-os na “ânsia” do Menino que estava a chegar, que mesmo no meio da pobreza tinha presentes para entregar.

O Franciscano destaca a representação do Natal feita por São Francisco, recordando o “Menino pobre”. Ainda hoje, os religiosos precedem a liturgia natalícia de um gesto próprio, chamado “o despertar do menino”, isto é, depois da consoada, regressam às suas celas, preparando-se para celebrar o grande momento. Fechadas as luzes, o superior vai com o Menino a cada quarto, despertar para as Matinas ou as Laudes, para a Eucaristia, cantando em Latim “Christus natus est nobis. Venite, adoremus”.

É a Braga que o Reitor da Universidade Católica Portuguesa regressa para recordar o Natal da sua infância. São recordações de uma “festa de família vivida de uma maneira espiritual muito intensa”. Numa casa de família onde cabiam muitos mas havia “muitíssimos”, a primeira a fazer era montar o presépio.

Memórias de jornalistas

A memória recua alguns anos. e pára em São Domingos de Benfica, na cidade de Lisboa, onde a jornalista Alberta Marques Fernandes passava o Natal com os pais e os seus cinco irmãos. A imensa partilha humana, a missa do galo e um Natal muito simples, em que “a oração era o mais importante, para agradecer a Deus tudo o que tínhamos conseguido durante o ano e o estarmos em família”.

“Eram momentos de grande partilha, de grande união”, recorda. A troca de presentes passava por “coisas emprestadas, feita por cada um de nós”, valorizando “aquilo que era realmente importante na vida e não o acessório”.

A jornalista Aura Miguel regressa aos cinco anos e à manhã do dia 25 de Dezembro, quando de manhã saía da cama para ver a chaminé por onde tinha passado o Menino Jesus. “Achava fascinante, pensava mesmo que era o Menino Jesus que tinha deixado os presentes”, confessa.

“O essencial no tempo de Natal são as coisas cristãs”, indica, lamentando o “barulho das luzes”. Da altura conserva a tradição “centrada no presépio” e diz que vive o Natal como “um tempo lindíssimo que ajuda a repor as coisas essenciais da vida”.

A tradição da Missa do Galo seguida de consoada com muitos primos e tios é a memória infantil do jornalista Francisco Sarsfield Cabral no Natal. O seu pai era o 13.º filho de 14, pelo que “havia muita gente”. Só muito tarde viu entrar nestas celebrações a “árvore de Natal”, porque o importante “era fazer o presépio, colocar as figuras, o musgo”, um trabalho que gostava de fazer. Brincadeiras que hoje “parecem de Carnaval” e o peru na ceia eram marcas obrigatórias.

Hoje, com 70 anos e dez netos, reúnem-se todos em casa no final do dia 25, em volta do presépio.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top