História: Vaticano abre arquivos relativos ao pontificado de Pio XII, esperando iluminar aspetos polémicos

Decisão tomada por Francisco em 2019 é concretizada a 2 de março

Cidade do Vaticano, 19 fev 2020 (Ecclesia) – O Vaticano vai abrir a 2 de março os arquivos relativos ao pontificado de Pio XII (1939-1958), uma decisão do Papa Francisco, anunciada em 2019, promovendo um congresso sobre a preparação da abertura e os recursos disponíveis, na sexta-feira.

O responsável pelo Arquivo Apostólico do Vaticano, cardeal Tolentino Mendonça, disse à Agência ECCLESIA, aquando do anúncio do atual Papa, que espera a atenção de “muitos historiadores” sobre um pontificado longo, “num dos períodos cruciais da história contemporânea, que tem uma riqueza muito grande”.

“É evidente que um momento central é o da II Guerra Mundial, da perseguição aos judeus, mas há toda uma série de questões, como a preparação do Concílio Vaticano II (1961-1965), que vai aparecer no pontificado seguinte, de São João XXIII: o clima, a relação com a teologia, a aspiração das várias Igrejas, isso tudo aparece já no pontificado do Papa Pio XII, que é muito rico, nomeadamente para Portugal”, indicou o responsável madeirense.

Até à abertura do arquivo – mais de 15 milhões de páginas –  foram necessários 13 anos de trabalho, sendo já noticiada a “grande ajuda do Papa e da Santa Sé aos prisioneiros de guerra” e a “dimensão da caridade” de Pio XII, que auxiliou pessoalmente milhares de pessoas.

Andrea Riccardi, historiador, escreveu no ‘Osservatore Romano’ que as relações entre o governo italiano e o pequeno Estado do Vaticano, com as suas “ilhas” extraterritoriais em Roma, representam uma “questão delicada”, que colocava em causa a própria liberdade de Pio XII, em particular se acontecesse uma ocupação nazi.

Pio XII, sustenta Riccardi, estava “claramente a favor da utilização da Igreja como um espaço de asilo” e tinha consciência dos riscos que isso implicava.

“A Igreja torna-se então um espaço de asilo para todos, apesar das origens variadas. Nos ambientes eclesiásticos encontram-se comunistas, pessoas de outras religiões”, escreve.

Johan Ickx, diretor do arquivo da II secção da Secretaria de Estado do Vaticano, sustenta num ensaio sobre a “Santa Sé e os refugiados (1933-1945)” – apresentado este ano num evento organizado pela Missão da Santa Sé nas Nações Unidas, em Nova Iorque – que dos 9975 judeus presentes em Roma no dia da libertação, no final da II Guerra Mundial, 6381 tinham sido ajudados e protegidos por Pio XII, pelas instituições do Vaticano e pelo Vicariato de Roma.

Neste processo, que se estende aos judeus deportados, destaca-se a figura de Giovanni Battista Montini, o futuro Paulo VI, que era então substituto da Secretaria de Estado.

“A preocupação com os refugiados está no topo da agenda política da Santa Sé”, refere Johan Ickx.

Em julho de 2012, o memorial ‘Yad Vashem de Jerusalém’, que evoca as vítimas do Holocausto durante a II Guerra Mundial, modificou um texto que acusava Pio XII de não ter feito o suficiente pelos judeus.

Apesar de manter críticas ao Papa, a legenda acrescenta referências à sua neutralidade e às ações da Igreja Católica que permitiram salvar do Holocausto “um número importante” de judeus.

OC

Pio XII foi declarado “venerável” por Bento XVI em dezembro de 2009, o primeiro passo em direção à beatificação, tendo o agora Papa emérito declarado que Pacelli “agiu muitas vezes de forma secreta e silenciosa, porque, à luz das situações concretas daquele complexo momento histórico, ele intuía que só desta forma podia evitar o pior e salvar o maior número possível de judeus”.

Na radiomensagem do Natal de 1942, Pio XII alertou para a situação de “centenas de milhares de pessoas que sem culpa nenhuma da sua parte, às vezes só por motivos de nacionalidade ou raça, se veem destinadas à morte ou a um extermínio progressivo”.

Bento XVI citou os “numerosos e unânimes atestados de gratidão” dirigidos a Pio XII no final da guerra e no momento da sua morte, destacando as que chegaram das mais altas autoridades do mundo judaico, como por exemplo de Golda Meir: “Quando o martírio mais terrível se abateu sobre o nosso povo, durante os dez anos do terror nazi, a voz do Pontífice levantou-se em favor das vítimas”.

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