Haverá jornalistas livres?

O título não é aperitivo para o texto. É uma pergunta aparentemente absurda e irreverente. Mas que anda dissimulada no espírito de muitos profissionais da comunicação que escrevem, dizem e filmam o que mandam os chefes e não aquilo que gostariam de revelar. A fábrica em que trabalham, pública ou privada, tem regras, objectivos, métodos, que utiliza o jornalismo para um fim que não é informar, formar ou divertir. É um instrumento de poder, fatia dum grande queijo que funciona como artefacto de lucro ou aparelho de propaganda. Que precisa, para plena eficácia, de bons profissionais que tornem o produto apetecível, vendável ou politicamente persuasivo. Está em laboração contínua na corrida ao primeiro lugar, à liderança, ao domínio do mercado ou ao peso da influência, com capacidade de comunicação, resposta pronta, antecipação arrojada. É um campo de batalha a informar, a cultivar ou a divertir. Trace-se a linha hierárquica duma empresa – pública ou privada de comunicação – e logo se percebe os fios invisíveis de interesses que lhe estão habilidosamente entrosados. E é o ganha-pão de muitos que não estão em tempos favoráveis para deixar o seu posto de trabalho no encalço duma praça mais livre. Todos sabemos, alguns por experiência, que o jornalismo e a liberdade de expressão foram amordaçados durante muitos anos no meio de nós por um poder autoritário que se defendia a todo o preço. Nesses tempos houve cúmplices da repressão e heróis da liberdade.Com a revolução de Abril como que se esvaziou o balão e se exorcizou, também pelo esquecimento, esse pesadelo. Ninguém se atreve a dizer que não estamos num país livre. Nem existe o lápis azul oficial que corte palavras, nem “machados que cortem a raiz do pensamento”.Mas seja lícito lançar a pergunta: quando o protagonismo dos media se antecipa ao espírito de serviço, não correrá o grave risco de levar na frente os mais nobres ideais de liberdade que cada jornalista projecta na sua vida e tenta tornar presente no seu trabalho? Continua alto o preço da liberdade. António Rego

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